Não
sejamos palermas. O episódio da prisão de Lula não se trata de combate à
corrupção. O jogo não é este. Também não caiamos no discurso pronto e
dissimulado das forças políticas que polarizam o país, porque entorpecem,
amarram e tolhem.
Nunca
ficou tão claro o modo como se operam os poderes no Brasil. Nunca ficou tão
evidente, aliás, a natureza perversa e suja das instituições e seus
representantes. Dizem que elas funcionam, mas não dizem para quem. Essa é a
questão.
A
corrupção do Executivo e do Legislativo, seja nas escalas federal, estadual ou
municipal, não pode funcionar tão bem sem a conivência do Judiciário. São
fartas as comprovações do envolvimento em corrupção de nomes como Michel Temer
e Aécio Neves, mas continuam no poder e sequer são tocados. O que esperar de um
judiciário contaminado, que luta por seus próprios privilégios e que deixa
escancarado a falta de isonomia?
Alguns
camaradas ousam dizer, em sua fértil aura boçal, que tão breve a Justiça
alcançará os bicudos. Mas estes, meus caros, não vêm ao caso. Ou não entenderam
o jogo?
(J)ustiça
não foi feita para fazer (j)ustiça. Usam a lei para justificar uma ação, mas
não hesitam em transgredir essa mesma lei caso haja conveniência. O radical da
palavra é uma farsa, pois trata-se de um Poder parcial e eivado. Não à toa o
Judiciário é moldado por interpretações e convicções que partem do que se diz
inalienável, mas que no fundo é absolutamente contornável.
Ao
observar os comentários nas redes e em tantos outros meios, não há outro
sentimento a não ser a decepção. Os comentários raivosos, perversos e
infundados só reforçam a bestialidade que tomou conta do país.
O
debate não pode ser feito carregado de mitos. O Judiciário, ao fazer escolhas,
manda seu recado. Não há ética na política partidária e muito menos compaixão
no poder representativo. No dia em que tudo isso ficar claro, os vermes que se
alimentam de Poder, serão contestados e extirpados.
Como
almejar democracia e soberania diante de uma mídia parcial e de parlamentares
que entregam o território? Os progressistas que foram (ou são) coniventes com
isso talvez tenham recebido o choque necessário para se reinventarem. Se isto
acontecerá, é uma incógnita. Tudo dependerá do modo como as diferentes forças
agirão ou do vácuo que resultará disso tudo. O vácuo, obviamente, abre espaço
ao que tem de pior nesse jogo.
Enquanto
isso, a jornada entreguista e apátrida segue o desmonte. Ao contrário do que
muitos dizem, a coalisão que cooptou os Poderes do Brasil não vem apenas dos
setores midiático, financeiro e industrial do país. O peso de empresas como
Shell, British Petroleum (BP), Chevrom e Exxon Mobil não pode ser subestimado
porque as etapas do entreguismo vêm seguindo à risca a receita do enxofre.
Basta lembrar que após assumir o cargo, Temer recebeu os cumprimentos do
presidente mundial da Shell, Ben van Beurden, e logo iniciou-se o processo de
revisão da Lei do pré-sal. Não demorou e no dia 29 de novembro de 2016, a lei
já havia sido sancionada. É pouco? No ano seguinte, enquanto países membros da
OCDE aumentavam investimento em ciência e tecnologia, o Brasil realizava cortes
absurdos de 76% no orçamento desse setor que é tão estratégico.
Nesse
mesmo contexto, a Câmara vota em 2 de dezembro de 2017, a MP 795. Essa medida,
que concede isenção de impostos às petrolíferas estrangeiras, fará com que o
país deixe de arrecadar R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos. Mas como pode haver
ataque a setores tão necessários ao país enquanto que noutros se concede
privilégios? Para entender, basta lembrar que as beneficiárias serão BP e
Shell.
Tirar
de cena o projeto que inviabilizava o acesso dessas empresas ao petróleo do
país é o jogo. Isso, aliás, explica a maneira desigual como a Operação Lava
Jato atinge os partidos. O crime do ex-presidente, na perspectiva dessa
coalizão, não foi ter reduzido a pobreza do país. Este discurso é insuficiente
porque a dinamização da economia de base movimentou o sistema de mercado
brasileiro e enriqueceu muitos grupos país afora. Portanto, seu crime maior foi
nacionalizar o pré-sal e, junto, promover o levante de um punhado de empresas
que acabaram incomodando suas concorrentes e alterando a geopolítica do mercado
mundial.
As
forças internas não seriam capazes, sozinhas, de orquestrar o entreguismo. Aos
vermes, faltava o alimento certo. E ele veio muito bem servido. Diante disso,
tão ingênuo como esperar justiça do Judiciário é esperar retidão de organismos
internacionais que recebem influência dessas petrolíferas e da própria
inteligência dos EUA. Caso os conteúdos de Geopolítica recebessem mais atenção,
a clarividência seria outra. O atraso em países latino americanos –
especialmente naqueles que possuem importantes recursos naturais, é estratégico
ao domínio que vem de fora. Como muito bem explica Francisco de Oliveira
(2003), no Brasil, os setores econômicos não apenas convivem com o atraso, mas
o funcionalizam e dele se alimentam.
Tudo
isso desarticula frontalmente qualquer possibilidade de autonomia e deixa o
país refém dos interesses externos. O que ocorre com o petróleo seguirá com a
energia elétrica e o país, inevitavelmente, se tornará ainda mais vulnerável. A
ausência de autonomia também é traduzida em uma opinião pública forjada por uma
mídia vendida e igualmente entregue aos tiranos. Como diz Eduardo Galeano,
“nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos
outros: os impérios e seus agentes nativos”. Há dolorosas razões em toda parte
das américas para crer na “mortalidade das fortunas que a natureza outorga e o
imperialismo usurpa. O bem-estar de nossas classes dominantes – dominantes para
dentro, dominadas de fora – é a maldição de nossas multidões” (2004, p. 17). E
assim continua. O império segue sua tirania e o Brasil novamente é colocado em
seu lugar de colônia.
Quanto
aos boçais e suas convicções vendidas, não serão eles os protagonistas da
história porque, do mesmo modo que são orquestrados para falar, serão domados
para caminhar. Já a Justiça de que todos falam, não há surpresa alguma. É por
isso que Bertolt Brecht foi cirúrgico ao dizer que “muitos juízes são
absolutamente incorruptíveis, pois ninguém consegue induzi-los a fazer
justiça“. Afinal, não é de justiça que estamos falando.
*Denis Castilho é geógrafo,
professor da Universidade Federal de Goiás e colaborou para Pragmatismo
Político.
Referências
GALEANO, E. Las
venas abiertas de America Latina. 76ª edición revisada y corregida. Buenos
Aires, Siglo XXI Editores, 2004.
OLIVEIRA,
Francisco de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo,
2003.
https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/04/nao-e-de-justica-que-estamos-falando.html?utm_source=push&utm_medium=social&utm_campaign=artigos
Nenhum comentário:
Postar um comentário