quarta-feira, 11 de abril de 2018

NÃO É DE JUSTIÇA QUE ESTAMOS FALANDO. Denis Castilho*, Pragmatismo Político


Não sejamos palermas. O episódio da prisão de Lula não se trata de combate à corrupção. O jogo não é este. Também não caiamos no discurso pronto e dissimulado das forças políticas que polarizam o país, porque entorpecem, amarram e tolhem.

Nunca ficou tão claro o modo como se operam os poderes no Brasil. Nunca ficou tão evidente, aliás, a natureza perversa e suja das instituições e seus representantes. Dizem que elas funcionam, mas não dizem para quem. Essa é a questão.

A corrupção do Executivo e do Legislativo, seja nas escalas federal, estadual ou municipal, não pode funcionar tão bem sem a conivência do Judiciário. São fartas as comprovações do envolvimento em corrupção de nomes como Michel Temer e Aécio Neves, mas continuam no poder e sequer são tocados. O que esperar de um judiciário contaminado, que luta por seus próprios privilégios e que deixa escancarado a falta de isonomia?

Alguns camaradas ousam dizer, em sua fértil aura boçal, que tão breve a Justiça alcançará os bicudos. Mas estes, meus caros, não vêm ao caso. Ou não entenderam o jogo?

(J)ustiça não foi feita para fazer (j)ustiça. Usam a lei para justificar uma ação, mas não hesitam em transgredir essa mesma lei caso haja conveniência. O radical da palavra é uma farsa, pois trata-se de um Poder parcial e eivado. Não à toa o Judiciário é moldado por interpretações e convicções que partem do que se diz inalienável, mas que no fundo é absolutamente contornável.

Ao observar os comentários nas redes e em tantos outros meios, não há outro sentimento a não ser a decepção. Os comentários raivosos, perversos e infundados só reforçam a bestialidade que tomou conta do país.

O debate não pode ser feito carregado de mitos. O Judiciário, ao fazer escolhas, manda seu recado. Não há ética na política partidária e muito menos compaixão no poder representativo. No dia em que tudo isso ficar claro, os vermes que se alimentam de Poder, serão contestados e extirpados.

Como almejar democracia e soberania diante de uma mídia parcial e de parlamentares que entregam o território? Os progressistas que foram (ou são) coniventes com isso talvez tenham recebido o choque necessário para se reinventarem. Se isto acontecerá, é uma incógnita. Tudo dependerá do modo como as diferentes forças agirão ou do vácuo que resultará disso tudo. O vácuo, obviamente, abre espaço ao que tem de pior nesse jogo.

Enquanto isso, a jornada entreguista e apátrida segue o desmonte. Ao contrário do que muitos dizem, a coalisão que cooptou os Poderes do Brasil não vem apenas dos setores midiático, financeiro e industrial do país. O peso de empresas como Shell, British Petroleum (BP), Chevrom e Exxon Mobil não pode ser subestimado porque as etapas do entreguismo vêm seguindo à risca a receita do enxofre. Basta lembrar que após assumir o cargo, Temer recebeu os cumprimentos do presidente mundial da Shell, Ben van Beurden, e logo iniciou-se o processo de revisão da Lei do pré-sal. Não demorou e no dia 29 de novembro de 2016, a lei já havia sido sancionada. É pouco? No ano seguinte, enquanto países membros da OCDE aumentavam investimento em ciência e tecnologia, o Brasil realizava cortes absurdos de 76% no orçamento desse setor que é tão estratégico.

Nesse mesmo contexto, a Câmara vota em 2 de dezembro de 2017, a MP 795. Essa medida, que concede isenção de impostos às petrolíferas estrangeiras, fará com que o país deixe de arrecadar R$ 1 trilhão nos próximos 25 anos. Mas como pode haver ataque a setores tão necessários ao país enquanto que noutros se concede privilégios? Para entender, basta lembrar que as beneficiárias serão BP e Shell.

Tirar de cena o projeto que inviabilizava o acesso dessas empresas ao petróleo do país é o jogo. Isso, aliás, explica a maneira desigual como a Operação Lava Jato atinge os partidos. O crime do ex-presidente, na perspectiva dessa coalizão, não foi ter reduzido a pobreza do país. Este discurso é insuficiente porque a dinamização da economia de base movimentou o sistema de mercado brasileiro e enriqueceu muitos grupos país afora. Portanto, seu crime maior foi nacionalizar o pré-sal e, junto, promover o levante de um punhado de empresas que acabaram incomodando suas concorrentes e alterando a geopolítica do mercado mundial.

As forças internas não seriam capazes, sozinhas, de orquestrar o entreguismo. Aos vermes, faltava o alimento certo. E ele veio muito bem servido. Diante disso, tão ingênuo como esperar justiça do Judiciário é esperar retidão de organismos internacionais que recebem influência dessas petrolíferas e da própria inteligência dos EUA. Caso os conteúdos de Geopolítica recebessem mais atenção, a clarividência seria outra. O atraso em países latino americanos – especialmente naqueles que possuem importantes recursos naturais, é estratégico ao domínio que vem de fora. Como muito bem explica Francisco de Oliveira (2003), no Brasil, os setores econômicos não apenas convivem com o atraso, mas o funcionalizam e dele se alimentam.

Tudo isso desarticula frontalmente qualquer possibilidade de autonomia e deixa o país refém dos interesses externos. O que ocorre com o petróleo seguirá com a energia elétrica e o país, inevitavelmente, se tornará ainda mais vulnerável. A ausência de autonomia também é traduzida em uma opinião pública forjada por uma mídia vendida e igualmente entregue aos tiranos. Como diz Eduardo Galeano, “nossa riqueza gerou sempre a nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos”. Há dolorosas razões em toda parte das américas para crer na “mortalidade das fortunas que a natureza outorga e o imperialismo usurpa. O bem-estar de nossas classes dominantes – dominantes para dentro, dominadas de fora – é a maldição de nossas multidões” (2004, p. 17). E assim continua. O império segue sua tirania e o Brasil novamente é colocado em seu lugar de colônia.

Quanto aos boçais e suas convicções vendidas, não serão eles os protagonistas da história porque, do mesmo modo que são orquestrados para falar, serão domados para caminhar. Já a Justiça de que todos falam, não há surpresa alguma. É por isso que Bertolt Brecht foi cirúrgico ao dizer que “muitos juízes são absolutamente incorruptíveis, pois ninguém consegue induzi-los a fazer justiça“. Afinal, não é de justiça que estamos falando.

*Denis Castilho é geógrafo, professor da Universidade Federal de Goiás e colaborou para Pragmatismo Político.

Referências

GALEANO, E. Las venas abiertas de America Latina. 76ª edición revisada y corregida. Buenos Aires, Siglo XXI Editores, 2004.
OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista: o ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.

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