O
Brasil vive, há um ano, um estado de golpe à democracia, aos direitos e às
conquistas das trabalhadoras e dos trabalhadores. O desmonte do Estado social
patrocinado pelos golpistas de plantão demonstra claramente o que pretende a
elite brasileira: o retorno a um país onde impera a fome, a miséria, o
desemprego, a morte e a violência social.
Ainda
se encontra viva em minha memória as cenas de fome e de sede que estampavam as
páginas dos jornais e os telejornais da imprensa golpista. Eram cenas que me
deixavam atordoada com a situação de extrema pobreza de nosso povo. Era a
indústria da sede e da fome que alimentava uma elite que só se sente completa
quando expõe os mais pobres, os humildes a um estado de subserviência absoluta
a seus interesses. Nesse caso, não há espaço para o Estado social, um Estado
que coloque os interesses coletivos acima dos interesses dos poderosos.
O
golpe foi a forma mais rápida que essa elite encontrou para acabar, em um ano -
um tempo mínimo na roda da história -, com estruturas que asseguravam
minimamente a máxima aristotélica de que “devemos tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. Estávamos na rota,
ainda que em seu início, de um país de e para todos. Um país sem desigualdades sociais
e raciais.
Estávamos
na rota de construção de um país de Estado Social pleno, que fosse capaz de
compreender que a diversidade e a pluralidade social devem ser levados em conta
quando da elaboração das políticas públicas; de construção de um Estado que
pudesse entender que a terra é para quem dela vive e não para quem a explora
apenas para aumentar sua riqueza; de um país que entenda que a educação, a
saúde e o trabalho digno é um direito de todos e não apenas para uma parte de
seus cidadãos. O Estado social é o Estado em que todas as cidadãs e cidadãos
são levados em consideração e a eles é assegurada a equidade de direitos.
Mas
não nos iludamos: sofremos um golpe e ele veio certeiro. As canetas golpistas
estão apontadas para o fim da possibilidade de um país melhor, em que justiça
social, direito, cidadania fossem pautas do dia. Nas melhores das projeções,
digo que comemos mosca, fomos ingênuos e imprevidentes de imaginar que uma
gente historicamente sem escrúpulos iria dar conta de ver a equidade, o
direito, a democracia e a inclusão se estruturar em nosso país.
História de privilégios
Há,
por parte de determinados segmentos sociais de nosso país, forte rejeição a
essas transformações ocorridas no país. Não tem como negar que essas medidas
mexeram com privilégios históricos. E isso significa tirar do armário o
racismo, o preconceito e a intolerância, que até então estavam bem guardados e
enfeitados por um verniz social. Ter que dividir espaços, sentar no avião ao
lado de um negro, um pobre, frequentar a mesma sala de aula, ver quem vive da
terra com direito a ela… Tudo isso incomodou muito àqueles que até então não se
declaravam racistas nem preconceituosos, porque tinham um amiguinho negro e/ou
uma velha e boa babá negra. O que é diferente de ter que conviver em espaços
públicos com uma diversidade que incomoda.
O
Brasil estava mudando e muito há ainda para mudar. Mas estamos hoje vivendo uma
nova realidade, o desmonte de conquistas históricas. Nosso país, hoje, é um
país de perdas de conquistas, de retirada de benefícios e direitos dos
trabalhadores e das trabalhadoras. Um país que passa por um desmonte das
chamadas políticas públicas e direitos. O fim do Estado Social. Uma realidade
que grita por nossa intervenção, por nossa organização para garantir o básico.
No desmonte do Estado brasileiro, o que está em jogo é o nosso futuro.
Precisamos
lutar para assegurar nossos sonhos. E esses só se tornarão realidade se juntos
buscarmos transformá-los em sonhos coletivos e fundamentais. Se organizados e
em luta, se permanecermos juntos, daremos passos largos para viver plenamente a
democracia. O fato de sermos diferentes não pode nem deve significar a falta de
equidade e de direitos. Nossos filhos com certeza merecem viver em um país
diferente, os filhos deles em um país mais diferente ainda e, assim, os filhos
dos filhos deles provavelmente não precisarão ter políticas de cotas e de ações
afirmativas para acessarem seus direitos.
A
solidariedade e a generosidade dos homens e mulheres de bem são fundamentais em
momentos como o vivido atualmente. Batem à porta a truculência dos vendilhões
de nosso país, nossa Amazônia, nossas riquezas naturais correm riscos sérios de
não mais nos pertencer num futuro muito breve. As reservas indígenas, as terras
quilombolas, os assentamentos rurais e urbanos, o trabalho decente e digno,
tudo corre sérios riscos de muito em breve deixar de existir. Precisamos
urgentemente pensar um projeto político para nosso país e defendê-lo,
ferrenhamente. Um projeto político que leve em consideração o país que queremos
um país democrático e justo, que leve em consideração todos os seus cidadãos.
Nosso
país é um país continental que hoje sangra pela falta de democracia, onde não
há controle social, pois esse só é possível em Estados democráticos e de
direito. Precisamos tomar as rédeas de nosso destino, ocupar as ruas e nelas
resistir. Pensar um país para todas e todos, pois o futuro só pode ser
vislumbrado se houver consciência dos erros do passado e coragem pra enfrentar
o presente. E nosso presente é de luta, muita luta, garra, persistência,
resistência e coragem.
* Makota
Celinha é comunicadora Social, especialista em marketing e coordenadora
nacional do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira
(CENARAB).
https://www.brasildefato.com.br/2017/09/04/o-desmonte-do-estado-social/
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