As
más notícias sobre o aquecimento global e a degradação ambiental se acumulam a
um ritmo alarmante desde o início do verão (no hemisfério norte) como uma
avalanche de estudos científicos que levam ao mesmo diagnóstico: se medidas
drásticas não forem tomadas muito rapidamente em escala global, parte do
planeta corre o risco de se tornar inabitável em um curto espaço de tempo.
Alguns estudos afirmam que já é tarde demais para uma correção de rota.
Amostra não exaustiva
dessas crônicas de verão de uma catástrofe planetária anunciada:
- Na revista Nature, o climatologista francês
Jean Jouzel e um grupo de cientistas preveem que, se dentro de três anos, as
emissões de gases de efeito estufa não forem estabilizadas, o planeta passará a
outro tipo de clima com "consequências catastróficas": aumento do
número de mortes causadas pelo calor (em algumas regiões da França as
temperaturas poderiam passar de 50°), incêndios, crescimento do número de
refugiados climáticos vindos de regiões particularmente afetadas, como o Chifre
da África, o Oriente Médio, o Paquistão ou o Irã (já existem 65 milhões de
refugiados climáticos no planeta), além de menores safras agrícolas etc.
- Um relatório elaborado por mais de 500
cientistas de mais de 60 países [2] mostra que o ano de 2016 baterá o recorde
de temperaturas, de emissões de gases de efeito estufa, de aumento do nível dos
oceanos e de terras sujeitas a seca.
- De acordo com o climatologista americano
Michael Oppenheimer, com a saída dos Estados Unidos do acordo de Paris, as
chances de sucesso de implementação não passam de 10% (outros pesquisadores
estimam em 5% das chances).
- De acordo com estudo realizado por
pesquisadores do MIT e da Universidade Loyola Marymount, o calor pode tornar o
Sudeste asiático uma região inabitável antes de 2100.
- Uma avaliação científica realizada em abril
passado pela Unesco concluiu que, se as emissões de gases de efeito estufa não
forem reduzidas rapidamente, os 24 recifes de corais considerados patrimônio
mundial terão desaparecido até 2100. Para 20% deles, já é o caso.
- No início de julho, um estudo realizado por
pesquisadores americanos e mexicanos [3] mostra que o número de espécies de
vertebrados na terra recua a um ritmo só comparável ao desaparecimento dos
dinossauros, há mais de 60 milhões de anos. Os pesquisadores falam da
"sexta extinção em massa" e analisam as consequências
"catastróficas" dessa "defaunação" tanto para os
ecossistemas quanto para a economia e a sociedade em geral.
- De acordo com artigo da Science Advances, o
derretimento das calotas polares na Groenlândia, região onde o aquecimento
acontece duas vezes mais rápido do que no resto do mundo, vai se acelerar nos
próximos anos. De acordo com um dos autores do estudo, Bernd Kulessa (College
of Science, Swansea University), se o gelo desaparecer completamente, o nível
do oceano subiri sete metros.
Para
confirmar a tese do aceleramento do derretimento, há alguns dias, um navio
gaseiro de 300 metros com a bandeira do grupo Total atravessou a passagem do
Nordeste, geralmente bloqueada por bancos de gelo, sem a ajuda de um
quebra-gelo. Este sonho de ligar o Atlântico ao Pacífico pelo Estreito de Bering,
há muito tempo acalentado pelos petroleiros e também por países como a Rússia,
agora é realidade.
- Para coroar, um instituto de pesquisa
internacional que analisa os dados fornecidos pela ONU [4] afirma que, desde o
fim de julho, o planeta vive "a crédito", isto é, a humanidade
consumiu em sete meses todos os recursos que a Terra pode produzir em um ano.
Circunstância agravante: esta data fatídica chega cada vez mais cedo.
Finalmente,
ainda sobre o consumo, outro estudo diz que se todos os habitantes do mundo
desejassem viver como um francês médio, seriam necessários três planetas Terra
para atender suas necessidades.
Capitalismo responsável
Além
de se sobreporem e se complementarem em suas constatações, os estudos também
concordam em outro ponto: a explosão da produção e a exploração ilimitada dos
recursos do planeta desde o início da Era industrial são as causas do desastre
em curso. O fato de a situação ter se deteriorado rapidamente durante as
últimas décadas comprova a tese. Essa aceleração está diretamente ligada ao
desenvolvimento do capitalismo nos países emergentes e, mais amplamente, à
extensão hegemônica deste modo de produção em todo o planeta. Lembremos que a
China, o maior e mais rico dos países emergentes, também é o primeiro país emissor
de gases de efeito estufa, logo à frente dos Estados Unidos, a principal
potência capitalista mundial. "A lógica do crescimento vai ao encontro da
autodestruição do sistema, é o que acontece quando confiamos a gestão dos
recursos da humanidade aos interesses privados", avalia o eurodeputado
espanhol Xabier Benito (GUE/NGL).
É
a mesma opinião de Daniel Tanuro, que lembra que, sendo o objetivo do sistema
capitalista gerar lucro, não há alternativa senão substituir o trabalho vivo
por trabalho morto para combater quedas no rendimento e, portanto,
"aumentar cada vez mais rápido a quantidade de produtos, o que exige o
consumo cada vez maior de recursos e de energia”. O ecossocialista repete:
"O crescimento capitalista é a causa da crise ecológica, bem como do
desemprego em massa permanente ". Por isso, Daniel Tanuro argumenta que é
essencial vincular as lutas social e ambiental.
Também
não há ilusão sobre o "capitalismo verde" promovido pela União
Europeia internacionalmente. Para Daniel Tanuro, que dedicou um livro ao tema
[5], “o capitalismo verde é um paradoxo”. "O que vemos hoje, na destruição
que o capitalismo opera em todo o planeta é, pelo contrário, sua violência”,
diz Eleonora Forenza (GUE/NGL), que explica, por exemplo, como o Sul da Itália
se tornou o depósito de lixo do Norte.
Que alternativas?
Uma
vez reconhecido que a via da “modernização” ou "esverdeamento" do
capitalismo é um beco sem saída (assim como a promoção de valores
“pós-materialistas” ou “pós-classes” que a acompanham), devemos afirmar
claramente, analisa a historiadora Stefania Barca, que "o capitalismo é o
problema", e pensar a política a partir deste postulado, em termos novos
em relação aos do século XX. "Onde podemos bloquear o capitalismo?"
torna-se uma questão política central, explica Dorothée Haussermann, do Ende
Gelände, um grande coletivo de organizações ambientais e grupos políticos que
promove ações de bloqueio de minas de linhito e carvão na Alemanha. "O
carvão é parte do problema do aquecimento global, devemos impedir sua produção.
Temos de começar em algum lugar, cabe a nós tomar as rédeas do problema",
diz Dorothée Haussermann.
Em
se tratando de mudanças climáticas, o que não falta é informação, observa
Rikard Warlenhus (Left Party, da Suécia), mas persiste a sensação de que mudar
o rumo das coisas está além das nossas capacidades. Porque, pelas razões que
acabamos de ver, como observa Ernest Cornelia (GUE /Die Linke), "imaginar
o fim do capitalismo é impossível”. Para ele, a questão é: "Como passar do
estágio atual para a próxima etapa?". Esta questão é ainda mais crucial
porque, como explica Rikard Warlenhus, "as questões climáticas tendem a
nos dividir”. Por exemplo, explica Dorothée Häussermann, "o movimento
ambiental pode ser concebido como uma ameaça ao emprego". Por isso, parte
do movimento sindical se converteu ao "capitalismo verde", embora
seja evidente que o desemprego continua a crescer, e que muitos sindicatos
ainda apoiem os combustíveis fósseis. "Uma dificuldade que deve ser
imputada às três décadas de declínio do movimento operário", analisa a
historiadora Stefana Barca, sem esquecer que a questão causa divisões. Por
isso, ela acrescenta, a luta ambiental deve ser concebida como "uma forma
de luta de classes a nível global entre as forças do trabalho e do capital".
"
Reconhecendo
a vitalidade das batalhas ambientais em todo o mundo, de formas e com atores
tão diferentes, os participantes destacaram a necessidade de promover
articulações entre todos esses movimentos e atores institucionais, quando for o
caso (cidades e regiões, por exemplo), ou sindicatos, partidos, tudo isso no
nível internacional. O objetivo é se posicionar "na mesma escala que o
oponente", como diz Rikard Warlenhus, "porque o capital extrapola a
estrutura do estado nacional."
O papel crucial das mulheres
Muitos
analistas também apontam como ponto crucial o papel das mulheres na luta
ambiental e social. Não se trata de dizer que seja bom que as mulheres
participem em pé de igualdade com os homens (a igualdade entre homens e
mulheres é um leitmotiv consensual de nossas sociedades, em geral não
respeitado), mas de acentuar a contribuição específica, determinante e
inovadora das mulheres enquanto mulheres, nas novas formas de combate. A
deputada Eleonora Forenza (GUE/NGL) vê na mobilização que se seguiu ao desastre
de Seveso, em julho de 1976, o evento fundador deste eco-feminismo. "As
mulheres desempenharam um papel essencial ao exigir que se realizassem estudos
médicos, pois as mulheres grávidas corriam o risco de gerar crianças com
malformações. Elas também deram início à primeira campanha pelo aborto na
Itália." (O aborto foi legalizado no país em 1978, mas ainda é muito
difícil de ser realizado). A contribuição das mulheres para o combate ecológico
também é importante para Daniel Tanuro. Ele explica que "o lugar que o
patriarcado atribui às mulheres lhes dá uma consciência particular”. Ele lembra
que 90% dos alimentos dos países do hemisfério Sul são produzidos por mulheres,
que estão, por isso, na ponta de lança dos combates atuais ligados à agricultura,
à propriedade da terra, à poluição ou ao clima.
Tradução de Clarisse
Meireles
(1) Seminário no Parlamento Europeu em 27 de
Março de 2017, Bruxelas
(2) Publicado na revista Proceedings of the
Natural Academy of Science (PNAS)
(3) Publicado em julho pela Administração
Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA (NOAA) e pela Sociedade Americana de
Meteorologia (AMS)
(4) The Global Foodprint Network, Oakland,
Califórnia
(5) Daniel Tanuro, « L’impossible capitalisme
vert », La Découverte."
https://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/10689-o-capitalismo-e-incompativel-com-a-sobrevivencia-do-planeta
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