Diante
do “quadro grotesco de violações” a direitos e da falta de condições adequadas
para cuidar de detentos doentes, é obrigatório permitir que um preso com
tuberculose saia da unidade prisional para tratamento. Assim entendeu o
ministro Rogério Schietti Cruz, do Superior Tribunal de Justiça, ao determinar
que o catador de materiais recicláveis Rafael Braga vá para prisão domiciliar.
O
homem ficou conhecido por ter sido o único condenado (4 anos e 8 meses de
prisão) por atos praticados durante as manifestações de junho de 2013. Na
época, ele foi detido no Rio de Janeiro com uma garrafa do produto de limpeza
Pinho Sol e outra de água sanitária — que, segundo a acusação, poderiam ser
utilizados para agredir policiais em coquetéis molotov.
Solto
em 2015, voltou a ir para trás das grades em janeiro de 2016, acusado de portar
0,6 g de maconha e 9,3 g de cocaína. A denúncia por tráfico de drogas acabou
rendendo pena de 11 anos e 3 meses de prisão. Enquanto o julgamento aguarda
recurso, a defesa alega que ele contraiu tuberculose depois de passar um ano
reclamando de tosse, sem atendimento médico.
O
ministro disse que a doença foi comprovada e que o réu vive situação
“extremamente precária” na Penitenciária Alfredo Tranjan, dentro do Complexo
Penitenciário de Bangu. Ele afirma que, segundo a Defensoria Pública do Rio de
Janeiro, o local registrou 350% de sua capacidade em fevereiro deste ano, tem
sujeira “expressiva” (com ratos, baratas, lacraias e mosquitos) e não conta com
simples medicamentos.
A
superlotação, as péssimas condições de higiene e a falta de profissionais
especializados podem propagar a tuberculose, afirmou Cruz, já que é geralmente
transmitida por via aérea. Embora a jurisprudência do STJ seja contra a
concessão de liminar em HC quando o pedido ainda não foi julgado por tribunal
inferior, em órgão colegiado, o relator viu “coação ilegal” suficiente para
afastar a regra.
“O
quadro grotesco de violações aos direitos e às garantias fundamentais alcança
distinto patamar em hipóteses que, como a de Rafael Braga Vieira, tratam de
indivíduos que satisfazem o perfil corriqueiro dos encarcerados no país:
negros, jovens, de baixa renda e escolaridade”, escreveu o ministro.
“Indivíduos
que, além do encarceramento em massa que cotidianamente desafia a batalha
histórica contra o preconceito no País, enfrentam insalubres condições de
sobrevivência.” Ele também citou acórdão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu
o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro. A decisão
vale durante o tratamento.
Sistema patológico
Em
agosto, durante o 23º Seminário Internacional de Ciências Criminais, Schietti
declarou preocupação com um regime que “contradiz sua função”, descumpre a
“duração razoável da prisão preventiva” e tornou o garantismo pleno uma
“utopia”. “Eu me sinto envergonhado de votar, muitas vezes, contra a concessão
de Habeas Corpus”, afirmou no evento.
Flagrante forjado
Segundo
o advogado de Braga, Lucas Sada, integrante do Instituto de Defensores de
Direitos Humanos (DDH), o catador foi vítima de flagrante forjado, e a sentença
que o condenou por tráfico se baseou unicamente na palavra dos policiais — o
que não é novidade em processos por tráfico de drogas, como já mostrou
reportagem da ConJur.
HC 415.508
Felipe Luchete é
repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor
Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-set-13/ministro-liberta-rafael-braga-aponta-quadro-grotesco-violacoes?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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