Após
a renúncia de Jânio de Quadros, os militares se recusaram a aceitar a posse do
então vice-presidente João Goulart. Como solução intermediária foi implementado
o parlamentarismo no Brasil, modelo vigente entre 1961 e 1963, quando foi
revogado por plebiscito. Aldo Arantes, naquele momento, era presidente da União
Nacional dos Estudantes (UNE).
Após
o golpe de Estado em 1964, ele passou a atuar na clandestinidade e foi preso
político. Na década de 1980, foi eleito deputado constituinte.
Hoje,
ele é advogado, integrante de direção nacional do PCdoB e foi representante do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Coalizão pela
Reforma Política e Eleições Limpas.
Arantes
conversou com o Brasil de Fato sobre a reforma política, tema que vem sendo
debatido no Congresso Nacional. Em sua avaliação, do modo como está sendo
debatida e pelas propostas levantadas, ele conclui que uma possível aprovação
representaria um "retrocesso brutal" ao país.
Confira a íntegra da
conversa:
Na
sociedade, existe uma certa resistência à ideia de financiamento público de
campanhas, incluindo a proposta de Fundo Especial de Financiamento da
Democracia, que está sendo debatido no Congresso. Como você vê isso?
O
fundo é positivo. Pode-se discutir o montante, mas há a necessidade de um fundo
público. Eu participei da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições
Limpas [criado em 2013] representando a OAB. Nós defendíamos que a questão mais
importante era o fim do financiamento empresarial de campanha e a adoção do
financiamento público com a possibilidade de financiamento limitado de pessoa
física.
É
uma questão essencial para a democracia. O processo eleitoral tem que ser
financiado. Os dados comprovam que o financiamento de pessoa física é
absolutamente secundário. Nas eleições anteriores, [o financiamento]
representou em torno de 5% dos recursos de campanha, enquanto 95% vieram do
financiamento empresarial, que tem dois aspectos graves: primeiro, ele deforma
a democracia. O poder do dinheiro faz com que parlamentares sejam eleitos em
função do poder econômico. O resultado é que eles não têm nada a ver com seus
eleitores, mas sim com os financiadores, além do que, é a raiz fundamental da
corrupção eleitoral.
O
ataque que é feito ao financiamento público, na verdade, esconde um objetivo
fundamental de retorno ao financiamento empresarial, que é o controle do poder
econômico sobre o poder político. A democracia tem preço e o preço do financiamento
empresarial é muito maior que o do financiamento público. Empresa não financia
campanha gratuitamente.
O
modelo proporcional de eleições tem sido questionado em favor do distrital. Que
sistema eleitoral você defende?
É
uma crítica falsa. O sistema proporcional é uma conquista da democracia. No
final do século 19, houve um congresso internacional de trabalhadores na
Bélgica para discutir o sistema eleitoral. Os trabalhadores denunciavam
exatamente o sistema majoritário, distrital, mostrando que era o sistema dos
grandes proprietários de terra, dos empresários. Era necessário democratizar,
representando todos segmentos sociais. Daí o sistema chamar proporcional.
No
caso brasileiro, se tem o sistema proporcional de lista aberta. O erro não é na
proporcionalidade, é na lista aberta. Há uma manipulação para se confundir a
opinião pública. Na lista aberta, se vota em pessoa física. Com o financiamento
empresarial, termina ganhando quem tem dinheiro. Outro problema é votar em um
candidato e eleger outro. Tudo isso evidentemente é negativo.
Junto
com o financiamento público, o sistema eleitoral é fundamental. Proporcional,
com lista pré-ordenada, ele obriga que a discussão seja feita não por
indivíduos, mas em torno de propostas, de ideias. A consequência disso é elevar
o patamar da cultura política, filtrar os partidos e candidatos. E a lista
pré-ordenada, na nossa opinião, deve ser elaborada democraticamente através de
primárias. Com isso, há condições de eleger parlamentares que representem um
programa.
Como
não há interesse dos setores conservadores em adotar a lista pré-ordenada,
fizeram um ataque, sob o esdrúxulo argumento de que seria para esconder os
candidatos comprometidos com a corrupção. Isso esconde o objetivo de impor o
distrital misto.
O
distrital gera distorções, então?
Hoje,
pelo menos se vota em pessoa, mas com proporcionalidade. No distritão, é a
negação dos partidos, da política. É a imposição dos interesses de quem tem o
poder econômico. É um absurdo completo.
Mas
é uma manobra. Setores ponderáveis do Congresso, particularmente PSDB, PMDB e
do PT defendem o distrital misto. Na minha opinião, é também um problema. Eu
diria que é menos pior do que o distrital puro. O distrital puro, se você
divide o país em dez distritos e um partido tem 49% em dez distritos e outro
tem 51%, este último tem todas cadeiras e aquele não tem nenhuma. É uma
profunda distorção, seria abandonar 49% dos votos.
No
sistema distrital misto, você elege metade pelo sistema majoritário e a outra
metade pelo proporcional. Argumenta-se que é muito democrático e é utilizado na
Alemanha. Primeiro, que o Brasil não é a Alemanha. A adoção do sistema
distrital na Alemanha foi adotada depois da Segunda Guerra Mundial como
mecanismo para conter as forças de esquerda.
O
sistema distrital no Brasil tem consequências mais graves: aqui, se tem os
grotões que, no sistema majoritário, irão eleger os setores ligados ao
latifúndio, ao que há de mais atrasado. Podem dizer que tem a
proporcionalidade, mas, primeiro, reduz pela metade o número de parlamentares
eleitos proporcionalmente. Depois, o sistema majoritário termina influenciando
o proporcional. Tanto é assim que há uma proposta de que a pessoa possa votar
em um candidato no majoritário e outro no proporcional, reduzindo o voto de
opinião. A grande vantagem do proporcional é permitir o voto de opinião, não
territorial. O parlamentar não representa uma região, representa uma ideia.
As
propostas que você defende tem espaço hoje?
Hoje,
a reforma política é um retrocesso brutal. Nesses termos, é preferível ficar
tudo como está. O clima não é de avanço, é de retrocesso. O voto majoritário é
um crime contra a democracia. É ilusório imaginar que podemos avançar na
direção do proporcional, com lista pré-ordenada neste momento, mas este deve
ser nosso objetivo. Um dos erros cometidos nos governos anteriores não foi ter
politizado a sociedade e feito a reforma política.
O
PSDB voltou a debater parlamentarismo. Não pode ser um caminho?
Eu
vivi a primeira experiência parlamentarista. Eu era presidente da UNE na época
que houve a tentativa de golpe contra o posse de João Goulart. Nós, inclusive,
transferimos a sede da UNE para o Rio Grande do Sul para apoiar a [Campanha da]
Legalidade, comandada pelo governador Leonel Brizola. E a conciliação resultou
no parlamentarismo, que foi revertido pelo plebiscito na época.
Na
realidade, foi uma tentativa de que o presidente da República assumisse com sua
funções reduzidas. Impuseram uma limitação. Depois, tivemos o debate na
Constituinte. O parlamentarismo, como colocado agora, é mais uma tentativa de
manipular, de impedir que um eventual presidente, especificamente na
eventualidade de Lula ser eleito, tenha novamente as condições de governar. É
inaceitável.
Nesse
momento, o que está colocado para o povo brasileiro é assegurar que Lula tenha
o direito de disputar as eleições. Não é contra ele que se colocam, mas contra
o projeto que ele defende.
Por
último, o que pensa da cláusula de barreira e fim das coligações proporcionais?
São medidas que podem ajudar a diminuir o número de partidos?
É
um fato real. O Brasil tem um número grande de partidos. Mas a dificuldade de
se governar o Brasil não é pela quantidade, mas pela falta de identidade
política e ideológica das legendas. Esse é o centro da questão. Isso não é
discutido. Uma reforma que coloque as ideias em primeiro plano [com voto
proporcional e lista pré-ordenada] consolida a democracia e garante a
governabilidade. O partido que não tenha posição, identidade, inevitavelmente
tende a reduzir sua expressão.
É
sintomática essa tentativa de redução. Argumentam que há partidos de aluguel. É
verdade. Mas tem partidos que tem história, como o caso do PCdoB, do PSOL,
outros partidos. E querem liquidar com tudo. Isso á anti-democrático. Você tem
toda ofensiva da mídia de que, se não der para fazer reforma política, que pelo
menos se coloque cláusula de barreira e fim das coligações.
https://www.brasildefato.com.br/2017/08/30/essa-reforma-politica-e-um-retrocesso-brutal-diz-deputado-da-constituinte-de-88/
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