Para
Dalmo Dallari, professor emérito da USP desde 1972 e um dos mais renomados
juristas brasileiros, a advocacia é fundamental para a convivência humana,
democrática e justa.
“O
advogado deve buscar a efetividade do direito, mas sem perder de vista a sua
responsabilidade com o próprio direito e a justiça”, diz ele. “O advogado deve
estar consciente da sua responsabilidade e do seu papel, sem perder de vista o
dever e a coragem de enfrentar resistências.”
Professor
de centenas de profissionais do direito, inclusive de ministros do Supremo
Tribunal Federal, Dallari reforça que o advogado deve ter um compromisso com os
preceitos assegurados pela Constituição Federal, de garantir os direitos,
principalmente para a população das camadas mais pobres.
“É
esta camada da população que tradicionalmente é marginalizada, discriminada e
prejudicada”, enfatiza ele. “O advogado tem que garantir o direito para aqueles
que, teoricamente, têm o direito por determinação da Constituição, mas não
dispõem de meios para efetivá-los. É preciso assegurar que seus clientes tenham
a garantia de que seus direitos não serão prejudicados por interesses alheios.
Isso se torna mais difícil numa sociedade em que o poder econômico é
extremamente influente.”
Crise política
Contaminada
pela profunda crise política, a democracia foi envenenada pelo discurso de ódio
e punitivista, que condena antes mesmo da instauração de algum processo, sendo
uma afronta aos direitos e garantias fundamentais, princípios basilares da
nossa Constituição.
“Lamentável”,
resumiu o advogado Cristiano Zanin, responsável pela defesa do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, ao falar sobre a atual condição do exercício da
advocacia. Sem dúvida, Zanin é o maior exemplo do enfrentamento aos abusos de
autoridade e tentativa de desqualificação da defesa.
“Nós
vivemos num momento em que as prerrogativas profissionais do advogado estão
sendo violadas permanentemente. E essas prerrogativas não são nenhum privilégio
do advogado, mas garantias para que ele possa exercer com independência o
direito de defesa, que é assegurado ao acusado no processo. Essa é uma mensagem
importante, principalmente nesse Dia do Advogado, para que haja uma reflexão e
medidas para reverter esse quadro que devem partir tanto da classe de
advogados, mas também de medidas legislativas que reforcem as prerrogativas e a
necessidade de sua observância”, afirmou Zanin.
Além
de atuar nos processos, Zanin tem que rebater os ataques midiáticos, já que boa
parte das acusações têm vindo pela imprensa.
“Na
medida em que se promove a espetacularização do processo, acaba por fazer um
julgamento na mídia que antecede a qualquer julgamento dentro do devido
processo legal, interferindo no resultado da ação, pois a pessoa é punida pela
mídia. A opinião pública, a partir disso, interfere nas decisões judiciais e,
em alguns casos, as mesmas passam a ser meramente homologatórias do julgamento
midiático”, argumenta.
Defender o suposto
“inimigo”
Segundo
Pedro Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, a
advocacia sempre foi uma profissão de risco, porque liberdade e direitos só são
valorizados em períodos imediatamente posteriores às guerras e ditaduras.
“Como
o advogado tem o papel de defender os direitos e as liberdades, em geral de
pessoas que naquele momento a sociedade se coloca contrária, ou seja, tratam
essas pessoas como inimigos públicos, os advogados acabam sendo vitimizados ao
defender os direitos dessas pessoas”, enfatizou o jurista.
Zanin
concorda e diz que esse discurso que criminaliza também cria um estereótipo do
advogado, como se este utilizasse da inverdade ou de meios protelatórios, ao
invés de também participar e colaborar com a apuração da verdade dos fatos.
“É
uma forma de colocar em desvantagem o acusado. Há uma supervalorização daquilo
que é dito pelo Ministério Público e uma tentativa de desqualificação do que é
apontando pela defesa. Isso claramente provoca em desvantagem a defesa do
acusado, na medida em que os seus advogados tenham a sua credibilidade
questionada de uma forma indevida”, declarou Zanin.
Estado de exceção
De
acordo com Serrano, a crise política brasileira trouxe de volta, de forma
intensa, a ações autoritárias por parte do Estado, o que tem refletido
diretamente no exercício da advocacia.
“O
que vemos é um tempo do espetáculo radicalizado, e isso coloca o advogado sob
risco, com antipatia social. A defesa é sempre contramajoritária. É sempre
contra a maioria. Quem resolve escolher a advocacia como profissão faz a opção
por um certo isolamento do ambiente social, podendo até ser mal falado. Mas não
deve se deixar influenciar por isso”, frisou.
Serrano
salienta que as leis e os mecanismos jurídicos têm sido utilizados como
instrumento de perseguição política e que tal estratégia foi usada em diversos
momentos da nossa história.
“Quem
foram os grandes inimigos públicos da história? Socrátes, Tiradentes, Martin
Luther King, Mandela, entre outros. O criminoso comum nunca é um inimigo
público, como chamavam os romanos. Aliás, os romanos chamavam de ‘hostis
publicus’, que era o inimigo do governo, do Estado naquele momento histórico”,
lembrou.
Ele
acrescenta que, diferentemente do discurso punitivista de que o advogado só
defende bandidos, os advogados são a garantia de que os direitos fundamentais
serão respeitados.
“Os
heróis estão lutando pelo futuro. E o advogado, em geral, é o único ao lado
deles. Portanto, não queremos livrar bandidos da punição. Nós defendemos os
direitos do homem, a humanidade que reside naquela pessoa acusado que pode ser
um bandido ou pode ser um Nelson Mandela, que durante 25 anos estava fichado na
Interpol como terrorista. Hoje ele é um herói, talvez o maior do século 20. Mas
naquele momento em que era acusado, quem estava ao lado dele era um advogado”,
frisou.
Para
o jurista, defender liberdades nunca é fácil, pois é enfrentar uma maioria. “O
advogado nunca defende o seu cliente somente do promotor, da polícia ou do
Estado. Se defende da turba [multidão]. Hoje o que é a defesa do Lula?”,
indagou.
Lawfare
O
processo enfrentado pelo ex-presidente Lula é considerado o exemplo mais
evidente das arbitrariedades e abusos de autoridade que se proliferam em todo o
país. Prisão coercitiva sem previsão legal, apresentação de uma denúncia
criminal em rede nacional, com a elaboração de um Power Point repleto de
adjetivações em que as convicções valem mais do que as provas, foram algumas
das aberrações do processo.
Zanin
aponta que tais arbitrariedades são resultado do chamado “lawfare”, que
representa o uso indevido dos recursos jurídicos para fins de perseguição
política, o que gera uma profunda insegurança jurídica.
“Há
uma clara insegurança jurídica na medida em que se vê alguns juízes aplicando
medidas que não encontram qualquer amparo na lei. A lei, que deveria ser o
limite da atuação do poder do Estado, está sendo deixada de lado. E, ao mesmo
tempo, estão sendo desrespeitadas garantias fundamentais sem que haja uma
correção dentro dos recursos permitidos ou destinados a essa finalidade”,
explicou.
O
advogado salienta que, ao extrapolar os limites da lei, o principal prejudicado
é o Estado de direito e a configuração dos poderes.
Por Dayane
Santos
Do Portal
Vermelho
http://www.m.vermelho.org.br/noticia/300619-1#.WY8IuCuP7E4.twitter
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