Há
pessoas que querem se casar, ou viver em união estável, mas não querem ou não
podem ter filhos, formando apenas uma família conjugal. Há pessoas que querem
ter filhos, mas sem conjugalidade, ou sem sexualidade, ou seja, querem apenas
constituir uma família parental.
Esse
cenário começou na década de 1960, com a liberação dos costumes, surgindo então
as “produções independentes”. Com a evolução da engenharia genética isso ficou
mais fácil com os bancos de sêmen. E a partir daí não foi mais necessário sexo
para haver reprodução.
Até
a década de 1980, a mulher que traía o marido perdia a guarda do filho. O
Direito de Família sempre foi determinado por essa moral sexual. E continua
sendo, mas hoje bem menos. A partir da década de 1990, a doutrina e a jurisprudência
começaram a entender que uma mulher mesmo infiel ao marido poderia ser uma boa
mãe. E foi assim que começamos a separar o joio do trigo, ou melhor, começou-se
a separar conjugalidade de parentalidade.
Se
a parentalidade não está necessariamente vinculada à conjugalidade, ou à
sexualidade, é preciso ver essa realidade despida dos preconceitos que a
tradicional família patriarcal trazia consigo e que, aliás, estabelecia muito
mais uma relação de dominação do que de afetividade.
Com
a compreensão do afeto como valor e princípio jurídico, a família perdeu sua
preponderância patrimonialista e hierarquizada. Passou a ser o locus do amor,
do afeto e da formação do sujeito, independentemente das escolhas ou
preferências sexuais de seus membros e forma de reprodução.
Família
parental é a que se estabelece a partir dos vínculos de parentescos, sejam
consanguíneos, socioafetivos ou por afinidade. Família parental é o gênero que
comporta várias espécies, tais como, anaparental, extensa, adotiva,
ectogenética, multiparental, homoparental e coparental (CUNHA PEREIRA, Rodrigo.
Dicionário de Direito de Família e Sucessões – Ilustrado. Ed. Saraiva, p. 310).
Família
conjugal é que se forma a partir da conjugalidade, ou seja, a sexualidade é o
seu elemento vitalizador (ou desvitalizador), seja homo ou heteroafetiva, a
exemplo do casamento, união estável, simultâneas, poliafetivas etc.
Coparentalidade,
ou famílias coparentais, são aquelas que se constituem entre pessoas que não
necessariamente estabeleceram uma conjugalidade, ou nem mesmo uma relação
sexual. Apenas se encontram movidos pelo interesse e desejo em fazer uma
parceria de paternidade/maternidade. Na maioria das vezes o processo de geração
de filhos se vale de técnicas de reprodução assistida.
No
mundo globalizado e de transnacionalidades, proporcionado pela internet, e
associado à distinção entre famílias conjugais e parentais, têm aumentado o
número de filhos que nascem dessas novas famílias. Não há nenhuma ilegalidade
ou ilegitimidade nessas relações.
Não
há mais filhos ou famílias ilegítimas desde a Constituição da República de
1988. Essas parcerias de paternidade/maternidade têm remetido ao mundo jurídico
a elaboração de uma nova espécie de pactos, que são os “contratos de geração e
filhos”. Nada melhor do que deixar claro, de antemão, as regras decorrentes
desta parceria que gerará um filho, tais como, o nome do(a) filho(a), guarda,
convivência, sustento etc.
Fazer
filhos, planejados ou não, desejados ou não, e independentemente da forma que
foi gerado, significa antes de tudo, responsabilidade, um dos mais importantes
princípios do Direito de Família, que necessariamente está atrelado ao
princípio da afetividade.
Em
um Estado laico, as pessoas devem ser livres para escolher seguir os caminhos
do seu desejo e constituir a família como bem entender. O Estado só deve
interferir se essas constituições ferirem direitos alheios. Mas em quê as
famílias diferentes das tradicionais interferem ou prejudicam terceiros? Em
nada, absolutamente nada, a não ser o incômodo que elas provocam ao estamparem
a liberdade de uma escolha, que provavelmente mexe com os desejos e fantasias
de quem está incomodado.
Novas
estruturas parentais e conjugais estão em curso. Muitas outras, que ainda nem
conseguimos imaginar, virão. Não precisamos temê-las, se vêm em nome do amor.
E, se o amor é o que dá sentido à nossa existência, estimula nossa vida
psíquica, moral, espiritual, ter filhos sem um amor conjugal é tão legítimo
quanto ter um amor conjugal sem ter filhos.
Os
filhos decorrentes da coparentalidade serão felizes, ou infelizes, como
quaisquer outros filhos de famílias tradicionais. Sofrerão bullyng como
qualquer outra criança ou adolescente.
Infelizes
são os filhos de pais infelizes, que brigam eternamente, que manipulam, são
violentos, fazem alienação parental etc. Os filhos, independentemente de sua
origem, serão felizes é na medida do amor e dos limites que receberem dos seus
pais.
Rodrigo da Cunha Pereira
é advogado e presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), mestre (UFMG) e doutor (UFPR) em Direito Civil e autor de livros
sobre Direito de Família e Psicanálise.
Revista
Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-ago-13/processo-familiar-coparentalidade-abre-novas-formas-estrutura-familiar
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