João
foi acusado de furtar um pão. Ele tem alergia a glúten, mas, ainda assim, o
ministério público vê indícios suficientes para apresentar uma denúncia de
furto ao juiz da comarca, alegando que o pão poderia ser "desviado"
para outra pessoa.
Vamos
considerar que o MP tem razão. O que deve fazer o juiz? Ora, é simples:
encaminhar o julgamento com base na denúncia de furto. Não há outra
alternativa, é o que está na lei.
Entretanto,
no meio do julgamento, uma testemunha diz que viu João atravessar o farol
vermelho em frente à padaria. Caberia ao juiz abrir um novo processo, já que se
trata de outra infração, mas, contrariando a lei, o magistrado condena João por
avançar o sinal e ignora o furto do pão. Ou seja, a sentença não tem relação
com a denúncia, o que a torna desprovida de qualquer valor jurídico.
Há
vários erros na sentença em que Moro condenou o ex-presidente Lula. Poderíamos
falar sobre a inobservância das provas apresentadas pela defesa, sobre o
excesso de adversativas no texto e até sobre a nulidade da testemunha-chave.
Mas vou me ater à reposta do juiz ao embargo de declaração. Daí a metáfora da
história inicial.
No
caso do tríplex atribuído a Lula, o MP apresentou denúncia dizendo que o
apartamento foi recebido como pagamento de vantagem indevida ao ex-presidente,
tendo como contrapartida a facilitação de três contratos da empreiteira OAS com
a Petrobrás. Mas, em sua sentença, o juiz Sergio Moro ignora a denúncia e
baseia a condenação no depoimento de Leo Pinheiro, cuja principal afirmação é a
de que Lula tinha uma "conta corrente" de propinas na OAS. Esse foi
um dos pilares do embargo de declaração da defesa do ex-presidente.
E
qual foi a resposta de Moro? Reproduzo abaixo:
"Este
juiz não afirmou em lugar nenhum que os valores conseguidos pela OAS nos
contratos com a Petrobrás foram usados para pagamento de vantagens indevidas ao
ex-presidente."
Ou
seja, o próprio Moro confessa que sua sentença não se baseou na denúncia. Portanto,
de acordo com a lei, ele deveria abrir outro processo. Além disso, ao dizer que
a vantagem indevida não tem relação com a Petrobrás, Moro retira o caso do
âmbito da lava-jato e inviabiliza sua permanência como juiz do processo.
Não
está em discussão se Lula é culpado ou inocente. Apenas fica claro que, com
base no texto de Sergio Moro, o TRF da quarta região só terá uma alternativa:
anular a sentença do juiz.
Felipe
Pena é jornalista, escritor e psicanalista. Doutor em literatura pela PUC, com
pós-doutorado em semiologia da imagem pela Sorbonne III, foi visiting scholar
da New York University e é autor de 15 livros, entre eles o ensaio "No
jornalismo não há fibrose".
http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com.br/2017/07/sergio-moro-cometeu-erro-grave-na.html
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