Mandem
lavar as calçadas da USP, ornar os seus corredores, mudar os cartazes que se
encontram atualmente pendurados nos seus murais. Nada mais será como antes!
Ao
aprovar nesta terça-feira um regime de cotas, a Universidade de São Paulo optou
por inserir-se em um novo modelo de democracia.
Sim,
novo. Pois ali a tradição sempre foi a da meritocracia demagógica, a ênfase em
uma competição de desiguais que ajudou a dar aparência de legitimidade para uma
exclusão institucional das pessoas negras.
Desde
a escravidão, da qual o Brasil foi recordista, jamais houve no país qualquer
tipo de reparação aos prejuízos humanitários que ela causou. Ao contrário
disso, no momento em que se tornou proibida a utilização de mão-de-obra
gratuita, sucessivos governos autoritários deram continuidade por outros meios
ao seus pensamentos racistas, estimulando a imigração de pessoas brancas com o
objetivo primeiro de evitar o emprego de negros no mercado formal de trabalho
e, segundo, de clarear a média das pessoas, como se fossemos feitos de tinta.
Esses
governos, que deveriam organizar os interesses difusos de uma população
diversa, foram mantidos sob o controle praticamente exclusivo de uma minoria
branca e privilegiada que, através do seu poder, alijou a maioria da população
negra e mestiça de oportunidades que permitiriam a sua ascensão social.
A
partir disso é que a pobreza se reproduziu entre os negros brasileiros, como um
projeto político.
A
desigualdade racial se manteve intacta por uma combinação de sofisticação dos
mecanismos de controle, sendo o mercado o maior deles, e inação do Estado na
garantia de direitos para os afro-brasileiros.
A
USP, então, adere [tardiamente] à possibilidade de inverter esse panorama
histórico, de alterar o ciclo, e se soma a outras universidades que já o
fizeram e foram bem-sucedidas. A razão de eu me dedicar a falar da USP agora se
deve ao fato desta ter virado para alguns – desde que as cotas começaram a ser
implantadas – um bunker de resistência às políticas afirmativas e do
conservadorismo racista.
As
ações afirmativas retiram o Estado da sua inércia e obrigam a uma reflexão até
mesmo dos demais segmentos da sociedade sobre o racismo. Ainda que, neste caso,
seja apenas um diploma diante de uma cultura ampla de discriminações, essa
mudança abre uma via de oportunidade de luta pela emancipação social sem tutela.
Ou
seja, permite que os negros sejam protagonistas da sua própria libertação, seja
produzindo conteúdo científico, teorizando sobre suas próprias realidades ou
simplesmente lhes garantindo acesso ao mercado de trabalho.
A
USP hoje possui algo como metade dos alunos nas classes A e B de renda e
somente 4,7% se declarou preta no exame de vestibular. Esta é a situação que se
pretende mudar, o horizonte preso a uma bolha.
Ao
introduzir uma reserva de vagas, a instituição opta pela reforma interna. Ela
decide pela democracia em desfavor do apartheid ‘gourmetizado’, este com
aparência de busca pela eficiência, e que só termina por sabotar o planejamento
nacional.
Com
a medida, serão transformadas desde as preocupações de suas pesquisas, os temas
dos seus debates, os tipos de palestras que serão organizadas e até, no futuro,
também o seu quadro de funcionários, que hoje conta com uma maioria esmagadora
de professores brancos, enquanto os negros são a maioria entre os precarizados
terceirizados.
E
a razão para que todos celebremos, alunos ou não, é que, a partir de lá, toda
sociedade também será democratizada.
Jornalistas,
médicos, ambientalistas e engenheiros(as) negros(as) vão completar uma
caminhada mais longa, iniciada bem lá atrás, por personalidades como Lelia
Gonzales, Antonieta de Barros e Abdias Nascimento. Esses profissionais
cumprirão o destino de difundir a luta por direitos civis em ainda mais
lugares, obrigando o respeito a nossa pluralidade de origens.
Agora,
não há outra opção, a não ser aceitarem. A Universidade de São Paulo é mais um
posto tomado pelos aliados na luta maior contra o racismo. Preparem as becas!
http://midianinja.org/jeanwyllys/mandem-florear-o-salao-nobre-o-povo-negro-vai-receber-diploma-na-usp/
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