Acordos
de delação premiada não podem prometer redução da pena em patamar não previsto
na Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), nem oferecer regimes de
cumprimento dela que não existem nas leis penais. Caso contrário, haverá
violação aos princípios da separação de poderes e da legalidade. Também por
isso, esses compromissos só alcançam delitos tipificados por tal norma, e não
isentam o Ministério Público de deixar de investigar ou denunciar atos
praticados pelo delator.
Com
base nesse entendimento, os professores da Universidade de Coimbra José Joaquim
Gomes Canotilho e Nuno Brandão afirmaram que os acordos de delação premiada
firmados pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e pelo doleiro
Alberto Youssef na operação “lava jato” são ostensivamente ilegais e
inconstitucionais. Por isso, não devem ser aceitos por Portugal, sob pena de se
“atentar contra a ordem pública” do Estado lusitano.
Os
juristas examinaram os acordos de colaboração de Paulo Roberto Costa e Youssef
no artigo "Colaboração premiada e auxílio judiciário em matéria penal: a
ordem pública como obstáculo à cooperação com a operação Lava Jato",
publicado na edição 4.000 (setembro e outubro de 2016) da Revista de Legislação
e de Jurisprudência.
O
que motivou a análise desses documentos foi um pedido de cooperação judiciária
internacional feito pelo Brasil à Procuradoria-Geral da República de Portugal.
Uma vez aceito o requerimento, os documentos da operação “lava jato”, como os
acordos de delação premiada, passam a valer também nesse país europeu.
Contudo,
Canotilho e Brandão concluíram que os compromissos “padecem de tantas e tão
ostensivas ilegalidades e inconstitucionalidades que de forma alguma pode
admitir-se o uso e a valoração de meios de prova através deles conseguidos”.
Dessa forma, as provas obtidas por meio dos acordos de delação seriam ilícitas,
apontaram os juristas. Portanto, inadmissíveis em processos, conforme determina
o artigo 5º, LVI, da Constituição brasileira.
“É
terminantemente proibida a promessa e/ou a concessão de vantagens desprovidas
de expressa base legal”, ressaltaram os professores. Assim, eles declararam que
não é possível reduzir uma pena em mais de dois terços ou conceder perdão
judicial a um crime não mencionado pela Lei das Organizações Criminosas.
“Em
tais casos, o juiz substituir-se-ia ao legislador numa tão gritante quanto
constitucionalmente intolerável violação de princípios fundamentais do (e para
o) Estado de Direito como são os da separação de poderes, da legalidade
criminal, da reserva de lei e da igualdade na aplicação da lei”, avaliaram.
Igualmente
por falta de previsão legal, o MP não pode alterar o regime de cumprimento da
pena em acordo firmado antes de sentença, afirmam Canotilho e Brandão, já que
tal benefício só é previsto para aqueles compromissos celebrados após a
condenação (artigo 4º, parágrafo 5º, da Lei das Organizações Criminosas).
Batendo
novamente nessa tecla, os juristas citaram que o artigo 4º, caput, da Lei
12.850/2013 só prevê redução ou perdão das penas privativa de liberdade e
restritiva de direitos. Logo, diminuir a multa “é uma convenção sem qualquer
esteio legal”.
Os
acordos que preveem o início do cumprimento da pena imediatamente após sua
assinatura, por sua vez, “são clamorosamente ilegais e inconstitucionais”,
opinaram Canotilho e Brandão. De acordo com eles, essa cláusula viola o
princípio da presunção de inocência, que assegura que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (artigo 5º,
LVII, da Constituição). E mais: tal disposição, na prática, confere ao MP
poderes de juízes – os únicos que podem estipular pena.
Inércia
inconstitucional
J.J.
Canotilho e Nuno Brandão também atacaram o compromisso do MP de não propor
novas investigações e ações decorrentes dos fatos que são objeto do
compromisso. Segundo eles, ao deixar de agir, mesmo sabendo da ocorrência de
delitos, o órgão descumpre suas funções institucionais de promover a ação penal
e requisitar investigações e a instauração de inquéritos (artigo 129, I e
VIII).
Os
juristas portugueses ainda apontaram que a competência para homologar um acordo
de colaboração premiada é do juiz ou tribunal que for julgar a causa. Com isso,
não se pode admitir que um compromisso validado pelo Supremo Tribunal Federal
seja automaticamente válido para ações penais que tramitam na primeira
instância. Na visão dos professores, o magistrado que conduzir causa também
deve analisar a legalidade do documento, em respeito ao princípio do juiz
natural (artigo 5º, XXXVII, da Carta Magna).
Devido
a todas essas inconstitucionalidades e ilegalidades dos acordos de delação de
Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, Canotilho e Brandão recomendaram que Portugal
recuse o pedido de colaboração do Brasil.
“Ao
prestar o auxílio que lhe é requerido pelo Estado brasileiro, o Estado
português estaria a perpetuar e a compactuar com práticas processuais que,
segundo a Constituição portuguesa, são absolutamente inadmissíveis por
atentarem contra a integridade moral de pessoas submetidas ao processo penal”.
Sérgio Rodas é
correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista
Consultor Jurídico
http://www.conjur.com.br/2017-mai-24/delacoes-lava-jato-sao-ostensivamente-ilegais-canotilho
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