Enquanto
o governo estadual desce a porrada para expulsar pessoas que sofrem com
dependência de drogas na principal Cracolândia de SãoPaulo e a prefeitura
municipal passa a demolir imóveis do local com gente dentro, ferindo pessoas,
hordas internéticas alucinadas ressuscitam a frase que representa a falência da
civilização: ''Tá com dó? Leva pra casa!''
A
sentença é usada à exaustão quando o tema é a dura barra enfrentada pela gente
parda, fedida, drogada e prostituída que habita o Centro da pujante São Paulo –
locomotiva da nação, vitrine do país, que não segue, mas é seguida e demais
bobagens que floreiam discursos ufanistas patéticos e naftalínicos caindo de
velhos.
É
só falar da necessidade de encarar a questão da dependência das drogas como um
assunto de saúde pública antes de qualquer outra coisa que grupos vociferando
abobrinhas saem babando, querendo morder quem diz o contrário.
Como
não acredito no ''mal'' como algo inato, creio que isso decorre da incapacidade
do indivíduo de entender o que são políticas públicas e como elas são
desenvolvidas, implementas e monitoradas. O que é triste, porque também prova
que a sociedade não percebe o Estado como ator que deveria garantir a qualidade
de vida de sua população através de ações de curto, médio e longo prazos. Para
eles, políticas de Estado não existem. O que existe é a sucessão de ações de
governos, sem conexões entre si, muitas com objetivo midiático e que precisam
durar até a eleição ou a reeleição.
A
ação desastrosa do poder público na região da Cracolândia tem como efeito
espalhar pessoas com dependência e vendedores de drogas para outros pontos da
cidade e transferir moradores que viviam em cortiços e pensões para barracos em
calçadas. Essa não é a primeira vez que o poder público opera uma ''Operação
Guardanapo de Boteco'' (que só esparrama e não resolve), outras semelhantes já
tiveram resultados parecidos.
Elas
tentam remover (ainda que com sucesso temporário) aquilo visto como ''lixo
humano'' dos arredores da Sala São Paulo, da Pinacoteca, do Museu da Língua
Portuguesa, preparando o espaço para o empreendimento imobiliário conhecido
como Nova Luz.
Ou
seja, a cada mata-leão em usuário de crack, o metro quadrado sobe de preço.
''Essa
ação tem como objetivo 'liberar' a região para que seja reconstruída,
expulsando quem lá mora, sendo ou não usuário de crack'', explica Maurício
Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e
pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
Detesto
a expressão ''revitalizar o Centro''. Pois significa que a vitalidade de uma
região depende do tipo de pessoa ou de atividade que nele se encontram.
Infelizmente, revitalizar têm sido construir museus e praças e mandar o ''lixo
humano'' para longe. Não apenas expulsando pessoas com dependência, mas também
a população pobre e que não cabe nos planos do governo e das construtoras.
Melhor
tirar da vista do que aceitar que, se há pessoas que querem ocupar o espaço
público por algum motivo, elas têm direito a isso. A cidade também é delas, por
mais que doa ao senso estético de alguém. Ou crie pânico para quem acha que isso
é uma afronta à segurança pública e aos bons costumes.
Enxotar
é mais fácil que implantar políticas de moradia eficazes – como uma reforma
urbana que pegue os milhares de imóveis fechados para especulação e os destine
a quem não tem nada. Ou repensar a política pública para pessoas com
dependência de drogas, hoje baseada em um tripé de punição, preconceito e
exclusão e, portanto, ineficaz.
Retirar
à força qualquer grupo de pessoas dependentes de drogas que estejam vagando
pela cidade, poder que a Justiça garantiu à Prefeitura, nesta sexta (26),
contribui ainda mais para sumir com os ''estorvos'' ao invés inseri-los na
sociedade.
Encarar
a questão como um problema de saúde pública significa reservar tempo para
construir coletivamente soluções dialogadas com especialistas, autoridades,
médicos e com a própria população afetada. O poder público municipal chegou a
iniciar um processo nesses moldes, como afirmam instituições como a Defensoria
Pública – processo que foi abortado. Pois tempo é algo que Geraldo e João,
pré-candidatos à Presidência da República, não têm.
Tô
sim com dó. Mas não das pessoas com dependência. Muito menos da população em
situação de rua. Tô com dó dos projetos higienistas dos gestores de São Paulo e
de parte dos seus habitantes que compactua com saídas fáceis e hipócritas para
problemas complexos.
Até
convidaria a patota do ''Tá com dó?'' para casa a fim de entender melhor como
funcionam mentes incapazes de sentir empatia. Mas temo não ter a quantidade de
álcool e outras drogas tidas como lícitas a que alguns desses ''homens e
mulheres de bem'' devem estar acostumados.
Para
acordarem na hora certa. Para dormirem na hora certa. Para trabalharem. Para
serem produtivos. Para não surtarem diante da exploração a que estão
submetidos. Para serem engrenagens, sem reclamar. Para odiarem ao próximo ao
invés de estender a mão, tornando-se cães de guarda de si mesmos.
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2017/05/26/a-cada-porrada-em-dependente-de-crack-o-metro-quadrado-sobe-de-preco-em-sp/
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