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pela manhã, cruzei a região de Pinheiros e Perdizes, na zona oeste de São
Paulo, e tive o primeiro impacto: a cidade estava vazia, parecia manhã de
domingo. Com um agravante: não vi sequer um ônibus circulando num trajeto de
cerca de oito quilômetros.
Pelas
redes sociais, saltavam imagens idênticas Brasil afora: ruas vazias, terminais
de ônibus desertos. Esse era o mundo real. Mas do rádio do carro brotava a voz
do collorido comentarista Claudio Humberto, que apresentava outra realidade: “o
país segue vida normal”, dizia o ex porta-voz de Collor, hoje travestido de
jornalista temerário. A imagem acima mostra a estação Sé do Metrô em São Paulo:
vida normal?
Da
tela das tevês, também brotava o divórcio com a realidade. Relatos de colegas
jornalistas eram de que as chefias, nas redações, tinham uma cartilha definida:
proibido usar a expressão greve geral; obrigatório mostrar imagens de pequenos
grupos de manifestantes nas ruas vazias (pra dar a ideia de “manifestação de
poucos”); valorizar cenas de confrontos/brigas, acrescidas da informação de que
a greve foi organizada “pelos sindicatos” (ia ser organizada por quem? pelo
Silvio Santos?); e destacar sempre o drama dos trabalhadores “prejudicados”
pela greve.
O
dia 28 de abril deixou claro que se pratica no Brasil um jornalismo de guerra.
E o alvo não é apenas a esquerda partidária, não é apenas Lula, mas todo tipo
de manifestação coletiva que ouse desafiar o projeto de desmonte dos direitos
sociais sob comando de Temer/PSDB. Mais triste: o alvo é a verdade; mente-se
descaradamente.
A
mídia tradicional, azeitada por anúncios federais, tentou construir a narrativa
de uma greve de poucos. E antes que algum incauto embarque nesse discurso,
explique-se: greve não é comício! Objetivo de greve não é encher as ruas, mas
esvaziar locais de trabalho, e barrar a produção. É a luta mais básica no
capitalismo: quem produz recusa-se a produzir.
Por
isso, a insistência de certos canais de TV em mostrar ruas vazias era além de
tudo obtusa. As cenas do vazio, em plena sexta-feira, indicavam a vitória, e
não o fracasso da greve.
Às
14 horas, fui ao centro de São Paulo. Metrô Anhangabaú fechado, viaduto do Chá
vazio. Calçadão da Barão de Itapetininga às moscas. De cada 10 lojas, uma
estava aberta.
Ruas
desertas, escolas trancadas, fábricas fechadas, ônibus e metrôs sem circulação.
Não há dúvida de que a greve foi um sucesso. O que me interessa discutir não é
isso, mas o fato de que o dia 28 de abril coloca a disputa em outro patamar.
Trabalhadores perceberam que estão diante de um ataque sem precedentes, que não
é ao PT, aos sindicatos, mas a todo aquele que não é patrão. E a turma do golpe
mostrou que partiu pra guerra total.
De
um lado, a PM com seus carros de combate, que parecem aqueles usados pelos
israelenses para massacrar palestinos, aprofunda a violência – em parceria com
um sistema judicial que mais e mais será utilizado para criminalizar quem se
manifesta. De outro, nas telas a mídia aprofunda a violência simbólica,
ajudando a sustentar essa narrativa.
O
sistema golpista – baseado num componente policialesco, que vende a imagem do
combate à corrupção, mas tem como objetivo eliminar direitos sociais e
trabalhistas – não se sustenta sem uma imprensa mentirosa e, literalmente,
vendida.
Não
se trata mais de jornais e canais de televisão terem posição anti-trabalhista e
deixarem isso claro nas coberturas. Mas se trata de falsear a realidade.
Jornalismo de guerra.
Não
há volta. A mídia, sob comando da Globo, transformou-se em elemento central do
campo golpista. Não se reverterá esse quadro se houver qualquer ilusão de que a
mídia em algum momento cumprirá papel diferente. Esqueça.
Sobre
isso, gostaria de dividir ainda duas reflexões.
Primeiro:
até 2013, quando o país crescia e o lulismo era forte, havia brechas em setores
da imprensa convencional para estabelecer algum contraditório. Isso
desapareceu. Agora, há uma ordem unida sem espaço para qualquer contraditório
nas redações.
Segundo:
setores da esquerda superestimam o instrumento das redes e da internet. De
fato, sem blogs e redes, nossa vida seria pior. Aqui, ao menos, temos alguma
voz (na imprensa convencional, temos perto de zero). Mas o fato é que mesmo na
internet não falamos sozinhos, longe disso; há pelo menos 3 bolhas em disputa,
e que pouco se comunicam: a da esquerda, com algumas nuances; a da direita
antipetista, que se divide entre a liberal e a abertamente fascista; e a turma
nem lá nem cá.
Para
alguns analistas, esse é o desenho dos novos tempos! Toda a estratégia deveria
ser: como conversar com as outras bolhas; e, principalmente, como ganhar
adeptos entre a turma que fica no meio do caminho (nem lá nem cá)…
Tenho
visão diferente. O desenho acima descreve apenas parte do que se passa na
batalha de comunicação brasileira.
No
Brasil atual, convivem dois tipos de comunicação: o mundo das redes,
horizontal, com muitas vozes, e em disputa permanente; e o mundo da comunicação
convencional (corporações de mídia, sob liderança da Globo), absolutamente
vertical, controlado, com um discurso cada vez mais unificado.
O
mundo das redes/horizontal e o mundo da comunicação corporativa/vertical se
interpenetram. A mídia convencional mantem o poder não só de formar o discurso
da bolha de direita, mas a capacidade de influenciar de forma quase
irreversível a turma do meio do caminho.
Num
dia como esse histórico 28 de abril, nós aqui vamos resistir e mostrar que a
narrativa de uma greve de poucos é mentira grosseira. Certamente, o campo que
se informa a partir dessa área terá argumentos e informação para sustentar essa
narrativa.
Mas
do outro lado há a mídia convencional, com um bombardeio absolutamente
unificado. E poderoso. Contra ela, não podemos quase nada. Quem teria força
para enfrentá-la seriam governantes, no poder. Durante 13 anos, governos Lula e
Dilma fizeram o oposto: em vez de desconstruir o discurso dessa mídia, ajudaram
a dar legitimidade a ela.
Milhões
de brasileiros seguem acreditando que o que passa no noticiário
televisivo/radiofônico vem de um lugar neutro, longe da sujeira da “politica”.
Essa legitimidade a Globo e suas sócias menores seguem a carregar.
Só
nas épocas de campanha eleitoral, com o horário gratuito, parecemos ter alguma
força para enfrentar esse discurso unificado que transforma manifestação em
“baderna”, que esconde a greve gigantesca, que mente e manipula.
Acontece
que, até 2018, teremos uma imensa travessia. Só chegaremos lá se conseguirmos a
tarefa gigantesca de enfrentar esse monstro midiático. E hoje, na cobertura
mentirosa sobre a greve, o monstro mostrou que não está para brincadeira
Não
nos iludamos: a partir de amanha, 30% do país saberão (pela internet ou pela
vivência nas ruas) que a greve foi gigante. Outros 30% seguirão a dizer que foi
algo de petistas baderneiros.
E
o terço final? Sob influencia da mídia verticalizada, permanecerá no meio do
caminho, desconfiado, perdido, sob um bombardeio propositalmente confuso?
Pressionará parlamentares contra as reformas? Ou sera dominado pelo discurso de
que a greve não foi tão grande e que as reformas são necessárias? A simples
dúvida é o que basta para que Temer, mesmo impopular, siga no trabalho de
desmonte de direitos. A narrativa de que a greve “não fez assim tanto estrago
nas bases” será repetido pela mídia a soldo do Palácio, para ganhar votos
decisivos nas chamadas reformas.
Portanto,
a batalha do dia 28 prossegue. É preciso manter fogo alto e conquistar corações
e mentes, mostrando o divórcio entre mídia e realidade. Nas Diretas, em 84, a
Globo perdeu ao apostar no divórcio. Mas em 89, com Collor, a Globo ganhou ao
praticar terrorismo eleitoral.
Hoje,
o monstro midiático está mais forte do que há cinco anos, pois que mais
unificado, e menos aberto para contraditório e dissidência. Essa é a força
dele, mas é também sua fraqueza. Quanto mais se divorciar da realidade, maior a
chance de que o monstro possa ser abatido e derrotado junto com o governo
Temer.
Mas
será uma tarefa gigantesca travar esse combate, ao mesmo tempo em que a
principal liderança do campo popular se encontra sob ataque e sob ameaça de
prisão e interdição.
Trata-se
da mesma luta, dividia em duas: resistir ao desmonte social, e garantir que o
campo popular tenha candidato em eleições razoavelmente livres.
Nessa
luta, o adversário principal a ser batido é o mesmo: o monstro midiático da
mentira.
http://rodrigovianna.revistaforum.com.br/palavra-minha/38070/
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