O
governo do usurpador continua alimentando a recessão combinada com um nível
elevado de desemprego. É óbvio que o Brasil não vai conseguir dar emprego aos
adolescentes pobres que necessitam ingressar no mercado de trabalho. Ao
contrário dos outros jovens (aqueles que nasceram em berço de ouro) eles se
transformarão num peso para suas famílias. Em consequencia, milhares deles
serão presas fáceis do alcoolismo, da dependência química e das gangues de
criminosos.
Eu
pertenço à geração de jovens que foi esmagada por baixos salários e desemprego
durante a década de 1980. Portanto, resolvi narrar como sobrevivi.
Quando
acabei o colegial fiquei desempregado. Apesar de ser Técnico em Eletrônica eu
não conseguia emprego porque não tinha experiência e não tinha experiência
porque ninguém me contratava. Durante um ano eu saia de casa bem cedo para
procurar emprego e não conseguia nada. Depois eu passava a tarde inteira num
bar dos pais de um amigo da mesma idade. Lá eu jogava sinuca com os camaradas e
bebericava algo, desde que não tivesse que pagar a conta. Eu retornava á casa
dos meus pais na hora da novela, para evitar recriminações dos meus familiares.
Estudar?
Nem pensar. Eu não passei no vestibular da USP. Mesmo que tivesse passado não
teria dinheiro para comprar livros e ir e voltar ao campus.
Em
1983, quando já estava me sentindo o pior dos trapos num baú de roupas velhas e
emboloradas, finalmente consegui um emprego. Como “auxiliar de depto. pessoal”
eu ganhava salário mínimo, que na época equivalia ao preço de 152 cervejas de
600 ml*. Todavia, meu pagamento deveria dar para pagar condução, refeição,
cigarro e parte da prestação da casa financiada pelos meus pais.
Meu
consumo de bebida alcoólica se resumia a 3 ou 4 cervejas toda sexta-feira numa
roda de amigos igualmente mal remunerados ou desempregados. Eu fumava os
cigarros mais baratos, ou seja, sem filtro. Beber e fumar eram minhas únicas
diversões. Os livros do meu pai eram os únicos que eu lia, pois não tinha
dinheiro para comprar outros.
Certa
feita um “ajudante de produção” da metalúrgica em que eu trabalhava me pediu um
cigarro. Eu dei a ele um “conticonha” (que era como chamávamos o Continental
sem filtro). O operário rejeitou o cigarro dizendo que ele podia ser um fodido,
mas não estava tão fodido quanto eu e não precisava fumar aquela porcaria.
Confesso que fiquei surpreso e arrasado quando isto ocorreu.
A
filha do dono da fábrica vivia se engraçando comigo. Um dia o pai dela nos
pegou flertando perto do PABX, da central telefônica da fábrica. Ele me chamou
na sala dele e me disse que a filha dele não era para o meu bico e que eu
deveria procurar uma namoradinha da minha classe social. Se eu não me afastasse
da filha dele eu perderia o emprego. Como não conseguiria outro interrompi o
romance.
Na
década de 1980 os adolescentes que tinham carro (uma minoria) sempre se davam
bem com as garotas. Eu não tinha “caranga” e, portanto, não era muito popular
entre elas. Resultado, a energia acumulada era gasta em brigas de bar. Algumas
das brigas que ocorreram na lanchonete que eu freqüentava resultaram em morte.
Felizmente não matei ninguém e não fui morto, mas poderia ter sido em 2 ou 3
oportunidades.
Duas
vezes atiraram contra mim e não acertaram. A única vez em que eu estava sozinho
e poderia ter sido morto a facadas por uma turma rival, um amigo de um amigo
meu entrou na lanchonete com um revólver na cinta. Ele se sentou para beber
comigo (pois sabia que eu era amigo do amigo dele) e a turma rival ficou com
medo de me atacar. A arma do rapaz não funcionava e ele só andava com ela para
zoar.
Em
1985 passei no vestibular para cursar direito na Faculdade de Direito de
Osasco. Na época eu ganhava 2 salários mínimos. No ano seguinte, 1986, comecei
a ganhar 3 salário mínimos num outro emprego. Durante cinco anos a mensalidade
da faculdade consumia 1/2 ou 1/3 do meu salário, mas eu já podia fumar cigarros
com filtro. Foi nesta época que comecei a freqüentar os sebos no centro de São
Paulo. Nunca me senti mal por ter que comprar e usar livros usados.
Naquela
maldita década perdida milhares de garotos riquinhos que tinham carros e motos
se despedaçaram nos postes dirigindo bêbados. Eu nunca corri este risco. Toda
sexta-feira eu bebia até a lanchonete fechar e andava trinta minutos até chegar
a minha “goma”. Nas duas oportunidades em que, como carona, eu estava num carro
que se envolveu num acidente sério nada ocorreu comigo.
O
segredo de eu ter sobrevivido à década de 1980 foi apenas um: sorte com uma
pitada de ironia. Mas a vida não será tão irônica com os adolescentes
condenados à exclusão na década de 2016/2026. A violência urbana é mais letal,
o tráfico de drogas é generalizado e a quantidade de armas de fogo nas ruas é
certamente maior do que na década de 1980.
Não
sinto saudades dos bons tempos da adolescência, porque de fato aqueles foram
tempos bem ruins. O que eu sinto é piedade destes garotos que serão massacrados
por Michel Temer e que, apesar disto, ainda acreditam que Lula/Dilma/PT são os
culpados pelo desastre que começou a ocorrer no exato momento em que, instigado
pela imprensa, Aécio Neves passou a rejeitar a derrota eleitoral.
*O
salário mínimo atual equivale a mais ou menos 156 cervejas de 600 ml
http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/uma-nova-decada-perdida-por-fabio-de-oliveira-ribeiro
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