O
governo Temer pretende fazer reformas na legislação trabalhista e
previdenciária. Essas reformas surgem por pressão especialmente dos segmentos
empresariais – como a Fiesp, de Paulo Skaff – que apoiaram Temer no processo
que levou ao impeachment da presidenta Dilma.
A
cobrança dessa fatura política começou logo após o afastamento de Dilma, mas já
estava prevista no programa Uma ponte para o futuro, lançado em outubro de
2015. Esse Programa já prenunciava a política que é agora abraçada por Temer.
Desde
o ano passado, inúmeros projetos de lei surgiram no Congresso Nacional tratando
de alterações na legislação trabalhista e previdenciária.
Neste
artigo, vamos nos restringir aos projetos da reforma trabalhista. Analisaremos
apenas os projetos enviados ao Congresso entre 2015 e 2016, bem como alguns
anteriores que começam a ter sua tramitação apressada agora. Registre-se que o
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) apontou 55 projetos
que tramitam no Congresso e que são prejudiciais à classe trabalhadora [1].
As
centrais sindicais foram as primeiras a se posicionarem contra as propostas em
discussão pelo governo. Dezenove ministros do Tribunal Superior do Trabalho de
um total de 27 [2] produziram manifesto que aponta para a precarização das relações
de trabalho e denuncia os cortes de gastos especialmente com a Justiça do
Trabalho, que, segundo o manifesto, é um “declarado propósito de retaliação
contra o seu papel social e institucional, levando à inviabilização do seu
funcionamento”. Na mesma época, o deputado Nelson Marchesan Jr, do PSDB,
defendeu na Comissão de Trabalho da Câmara o fim de Justiça do Trabalho.
Retrocesso
na jornada de trabalho
Em
recente reunião com Temer e mais cem empresários, o presidente da Confederação
Nacional das Indústrias (CNI), ao sair do encontro, sugeriu que a jornada do
trabalhador deveria ser de 80 horas semanais e 12 diárias. Segundo ele, a
jornada seria a mesma que a da França.
Entretanto,
o presidente da CNI preferiu ocultar que, na França, o limite de jornada é de
35h semanais. Naquele país, foi aprovada recentemente a realização de horas
suplementares em caráter excepcional totalizando, no máximo, 60h semanais. No
Brasil, atualmente temos 44h semanais e 8h diárias. Essa jornada pode ser
prorrogada por mais 2h extras diárias, totalizando, no máximo, 60h semanais.
Uma jornada de 80h semanais e 12h diárias nos remeteria às condições de
trabalho existentes no século 19. Um retrocesso tamanho que poderíamos levar
mais duzentos anos até recuperarmos o patamar atual. Elevar a carga horária
para este nível implica sobrecarregar quem está trabalhando, piorando suas
condições sociais e de saúde, além de elevar o desemprego.
A
elevação da jornada é incompatível com um país que precisa criar empregos. No
Brasil, a taxa de desemprego já alcança 11% da população ativa em busca de
trabalho.
O
que gera empregos é justamente a redução da jornada e não a sua elevação. De
acordo com estudo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) [3], a diminuição da carga horária para 40 horas
semanais geraria 2,2 milhões de novos postos de trabalho. A eliminação de horas
extras teria o potencial de criar mais 1,2 milhões de postos de trabalho.
A
redução da jornada de trabalho não impede o incremento da competitividade. O
mesmo estudo do Dieese indica que, entre os anos de 1990 e 2000, o nível de
produtividade do Brasil aumentou em 6,5%. Isso, embora a jornada de trabalho tenha
diminuído de 48 para 44 horas semanais com a Constituição Federal de 1988.
Prevalência
do negociado sobre o legislado
O
atual ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, defende claramente em suas
manifestações públicas a prevalência do negociado sobre o legislado. Esse
mecanismo, se transformado em lei, fará com que os acordos coletivos firmados
entre empregadores e sindicatos tenham validade, mesmo que viessem a
estabelecer regras contrárias à CLT.
O
Projeto de Lei 4.962/2016, do deputado Júlio Lopes (PP/RJ), representa essa
proposta. De acordo com o referido projeto, o artigo 618 da CLT, que dispõe
sobre os acordos coletivos [4], seria alterado. Assim, desde que respeitados os
direitos previstos na Constituição Federal e nas normas de medicina e segurança,
o acordo prevaleceria sobre a lei ordinária.
O
projeto ignora princípios elementares do Direito do Trabalho, como o da
proteção ao trabalhador. Por esse princípio, qualquer alteração do contrato de
trabalho só é lícita com o consentimento do empregado e desde que não traga
prejuízos a ele. Assim, alterações que visem, por exemplo, aumentar
competitividade via diminuição de direitos trabalhistas jamais podem ser
objetos desses acordos. Entretanto, como exposto, o PL 4962 joga esse princípio
no “lixo”.
Acrescente-se
que o artigo 7º da Constituição Federal [5] estabelece os direitos mínimos dos
trabalhadores. O artigo menciona ainda que outros direitos infraconstitucionais
poderão ser criados a fim de melhorarem as suas condições sociais. Não para
piorarem ou restringirem essas condições.
Mas
não é só isso. A questão da falta de representatividade de inúmeros sindicatos
também é fator que torna ainda mais grave os efeitos do projeto que faz
prevalecer o negociado sobre o legislado.
Temos
no Brasil mais de 10 mil sindicatos de trabalhadores [6]. A maioria foi criada
apenas com o propósito de receber contribuições sindicais. Esse tipo de
sindicato não detém legitimidade para negociar direitos de trabalhadores,
conquistados há mais de um século.
A tentativa
de desmantelar o movimento sindical
Recentemente
foram apresentados o PL 6148/2016, do deputado Paulo Martins (PSDB-PR), e o PL
4977/2016, do deputado Alberto Fraga (DEM-DF), que tratam da contribuição
sindical. O primeiro projeto torna a contribuição sindical facultativa. O
segundo determina a prestação de contas dos sindicatos, federações,
confederações e centrais ao Tribunal de Contas da União, em razão de receberem
a contribuição sindical, imposto de natureza obrigatória.
O
fim da contribuição sindical obrigatória não pode ocorrer por uma canetada e no
contexto de uma política anti-sindical.
A
Central Única dos Trabalhadores, historicamente, desde a sua criação na década
de 1980, defendeu o fim do imposto sindical. Criado no governo Lula, o Fórum
Nacional do Trabalho, no qual participaram representantes dos empresários,
trabalhadores e governo, chegou a um relativo consenso na formulação de
proposta de um novo modelo sindical [7], após intensas discussões sobre o tema.
Pela proposta, a contribuição sindical seria extinta gradativamente. Os
sindicatos receberiam a mensalidade sindical dos seus sócios, e também a taxa
negocial, conforme os acordos coletivos que fizessem. Ou seja, somente
sindicatos comprometidos com os trabalhadores é que conseguiriam sustentação
financeira.
A
partir dos projetos de lei acima referidos, é possível afirmar que o claro
intuito dos referidos projetos é acabar com a organização sindical e atrelar o
seu controle ao Estado. Isso contraria a liberdade sindical duramente
conquistada na Constituição Federal de 1988.
A
terceirização
O
projeto da terceirização (PLC 30/2015, antigo PL 4330) tem sido objeto de
intenso debate já há algum tempo. Entretanto, esse projeto, com essa
sinalização do governo atual de flexibilizar direitos, vem agora com toda
força. Para prejuízo dos trabalhadores.
Já
aprovado na Câmara dos Deputados, o projeto permitirá que as empresas
terceirizem toda a sua atividade econômica. Um banco, por exemplo, poderá
terceirizar os caixas, os gerentes, os departamentos. Os banqueiros ficarão
apenas com a parte que mais lhes interessa: o domínio da marca.
A
terceirização representa a fragmentação da classe trabalhadora. Ela dificulta a
organização sindical, promove a perda de identidade da classe, diminui os
salários, aumenta a jornada média, causa doenças. E os trabalhadores
terceirizados demitidos têm grandes dificuldades em receber seus direitos
trabalhistas, mesmo na Justiça. É o caos para os trabalhadores.
Contrato de
Trabalho Intermitente
Vale
também mencionar o PL 218/2016, do Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que cria
o contrato de trabalho intermitente.
O
contrato intermitente prevê que o empregado irá permanecer a disposição da
empresa e pode ser chamado a qualquer momento para trabalhar. Apesar de ficar à
disposição da empresa, o trabalhador não tem direito a receber as horas que
permanecer de sobreaviso. O trabalhador receberá somente aquelas que
efetivamente trabalhar.
Em
resumo, na semana que tiver serviço, o trabalhador vai trabalhar e recebe por
isso. Do contrário, fica em casa, sem nada receber. No final do mês, é
garantido ao trabalhador apenas o salário mínimo por hora trabalhada. Ou seja,
se o empregado trabalhou pouco, ele poderá receber menos de um salário mínimo
no mês.
Mas
a precarização não para por aí. Se, de um lado, a lei prevê plena flexibilidade
do trabalhador, que fica à disposição da empresa, de outro, ela estabelece
plena rigidez ao empregado, que é impedido de prestar serviço a outra empresa
sem a anuência do seu empregador [8].
Jovem entre
14 e 16 anos como empregado em tempo parcial
A
PEC 18/2011, de autoria de vários deputados, voltou a ser cogitada. Essa PEC
altera a Constituição Federal ao permitir que o jovem entre 14 e 16 anos possa
trabalhar como empregado em tempo parcial. Atualmente, a Constituição Federal
permite o trabalho nesta idade somente para jovens enquadrados como aprendizes.
Ou
seja, não contentes que os trabalhadores se aposentem somente depois dos 65
anos de idade (que é o que pretende a reforma previdenciária, que abordaremos
em outro artigo), os defensores das atuais reformas trabalhistas querem “sugá-los”
desde os 14 anos de idade.
Simples
Trabalhista
O
PL 450/2015, de autoria do deputado Júlio Delgado (PSB/MG), cria o Simples
Trabalhista para pequenas e microempresas. Este Simples Trabalhista institui na
prática o trabalhador de segunda categoria – aquele que tem direitos reduzidos.
O
PL prevê que haverá acordos coletivos específicos que poderão prever piso
diferenciado (menor), supressão do adicional de horas extras, PLR diferenciado
(mais reduzido) e trabalho aos sábados e domingos.
O
PL possibilita também que empresas e empregados possam fazer acordos
individuais (entre empresa e empregado), sem a assistência do sindicato, em
itens como horário normal durante o cumprimento do aviso prévio; parcelamento
em até 6 vezes do 13º salário; concessão de férias em até três períodos.
Para
todos os trabalhadores, o FGTS, segundo o referido projeto de lei, será de 2%.
Além disso, o contrato poderá ser por prazo determinado, independentemente da
situação. Os conflitos poderão ser resolvidos por arbitragem.
A decisão do STF sobre a
greve no serviço público
No
final de outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os
servidores públicos que entrarem em greve podem ter os salários imediatamente
cortados, sem a necessidade de prévia decisão judicial.
Trabalho
escravo
A
proposta de regulamentação da emenda constitucional 81/2014, do trabalho
escravo, propõe a supressão da jornada exaustiva e trabalho degradante das
penalidades previstas no artigo 149 do Código Penal (PL 3842/2012 – Câmara, PL
5016/2005 – Câmara e PLS 432/2013 – Senado).
Salão parceiro
e profissional parceiro
O
Projeto de Lei nº 5230/2013: ao invés de “patrão” e “empregado”, teremos o
“Salão Parceiro” e o “Profissional Parceiro”.
O
Projeto de Lei nº 5230/2013, do deputado Ricardo Izar (PSD-SP), foi apresentado
em março de 2013, e, após ter tramitado sem muito alarde na Câmara e no Senado,
aguarda agora a sanção do presidente Michel Temer. O projeto de lei
apresenta-se como uma proposta “simpática”, que pretende “beneficiar”
categorias específicas que atuam em salões de beleza, formadas por
cabeleireiros, barbeiros, manicures, esteticistas e outros profissionais.
Contudo, como mostramos neste artigo, por trás deste ato de “simpatia”, e em
que pese até a sua boa fé, esconde-se um grande perigo para as conquistas da
classe trabalhadora brasileira como um todo, e não apenas para os profissionais
do segmento de beleza.
Os
impactos - positivos e negativos - do Projeto de Lei nº 5230/2013 já seriam
grandes, se seus efeitos se circunscrevessem nos limites deste segmento.
Veremos, contudo, que estes efeitos vão além e podem atingir vários outros
segmentos também.
O
Projeto cria a possibilidade de que a relação entre o dono do salão e o
profissional deixe de ser encarada como uma relação de emprego sujeita às
regras da CLT para ser tomada como uma relação de parceria, por escrito
(comprovada por duas testemunhas), entre o “salão parceiro” e o “profissional
parceiro”.
O
Projeto de Lei nº 5230/2013, em sua justificativa, argumenta que ele
contribuiria duplamente: ao formalizar parte do contingente de profissionais do
segmento (ou manter sua formalização) e ao eliminar a insegurança jurídica para
o dono do salão de beleza, retirando a possibilidade futura da alegação do
vínculo trabalhista.
Na
prática, no entanto, trata-se, a nosso ver, de mais uma porta de entrada para a
flexibilização trabalhista com perda de direitos de uma categoria numerosa. Mas
não só: o projeto é uma porta ainda mais perigosa, porque sua aprovação
certamente servirá de referência para que outros tantos profissionais, com
funções muito distintas dos profissionais de beleza, sejam objeto de projetos
de lei semelhantes.
Estatuto
das estatais
Recentemente
o Congresso aprovou, em caráter de urgência, o Estatuto das Estatais, uma
regulamentação que estava pendente há 28 anos, desde a Constituição Federal de
1988. O PL 4918/2016, que deu origem à lei, sofreu forte resistência do
movimento sindical.
O
caráter privatista do projeto original foi amenizado com a intervenção do movimento
sindical. Essa intervenção conseguiu retirar a obrigatoriedade das estatais de
se tornarem sociedades anônima; acabou com a exigência de que as empresas
estatais não podem ter ações preferenciais; e passou a exigir a aplicação do
estatuto apenas para empresas com mais de 90 milhões de receita (caso este
estatuto fosse aplicado para empresas com faturamento menor, essas empresas não
conseguiriam cumprir o estatuto).
Apesar
disso, houve retrocessos. Um deles é que a lei aprovada proíbe que o representante
dos empregados nos Conselhos de Administração destas empresas sejam também
dirigentes sindicais. Trata-se de uma clara violação ao direito constitucional
de representação dos sindicatos.
Conclusão
Como
se pode ver, o que está em curso é o desmantelamento dos direitos dos
trabalhadores. A precarização do trabalhador é a tônica de todos os projetos
que estão em curso. Sob a falsa alegação de enfrentamento da crise, o governo
atual e aqueles que representam esse ideário neoliberal pretendem continuar as
mudanças que tiveram início na década de 1990, mas que foram interrompidas por
doze anos.
O
ataque é feroz. Por isso, é importante estabelecer as trincheiras da
resistência em todos os níveis da sociedade brasileira.
* Este artigo é uma
versão ampliada de artigo assinado em conjunto com Luiz Cláudio Marcolino e
publicado originalmente no site do ABCD Maior.
* Jefferson José da
Conceição é professor doutor e atual gestor da Escola de Negócios da
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Foi secretário de
Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo de São Bernardo
(jan.2009-jul.2015), superintendente do SBCPrev (ago. 2015-fev. 2016); diretor
Técnico da Agência São Paulo de Desenvolvimento (mar.2016-jan.2017). É
economista licenciado do Dieese.
Notas:
1. A relação dos
projetos está disponível em
http://www.diap.org.br/index.php/noticias/agencia-diap/25839-55-ameacas-...
2. O manifesto está
disponível em
http://s.conjur.com.br/dl/manifesto-ministros-tst-defesa-direito.pdf
3. DIEESE. Nota Tecnica
nº 57. Disponível em
http://www.dieese.org.br/notatecnica/2007/notatec57JornadaTrabalho.pdfAcessado
em 25 set. 2016.
4. Tramita também na
Câmara um PL ainda mais nocivo, o PL 8294/2014, que estabelece a negociação
entre o empregado e a empresa sem a participação dos sindicatos, o que levaria
fatalmente a total precarização do emprego.
5. Constituição Federal:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social”.
6. Dados da Secretaria
de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, divulgado no
Diário Oficial da União em 09/04/2015.
7. Foi enviado também
para a Câmara o PL 5795/2016, de autoria dos Deputados Paulo Pereira da Silva
(SD/SP) e Bebeto (PSB/BA), que institui a taxa negocial em substituição à
contribuição assistencial. Mas ele nada menciona sobre a contribuição sindical.
8. Este tipo de contrato
era feito pelo McDonald’s (jornada móvel) e foi objeto de uma ação civil
pública. De acordo com a decisão do TST, essa jornada transfere o risco do
negócio para o empregado PROCESSO Nº TST-RR-9891900-16.2005.5.09.0004.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2017/03/reforma-trabalhista-e-ataque-aos.html
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