E
qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d´água... Breve homenagem a
Darcy Ribeiro e um brinde a Raduan Nassar no botequim mais próximo
Viu
só, professor, o Raduan botou pra quebrar na cerimônia de entrega do Prêmio
Camões. Cesse tudo que a musa antiga canta, que uma voz antigolpista mais alto
se alevanta.
Que
falta você faz entre nós, professor Darcy, a essa altura do vexame do governo
que tomou de assalto a política. Rapaz, a gente é um copo até aqui de cólera.
Qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d´água... Só nos resta samplear
o xará Buarque a essa hora.
Vinte
anos esta noite, assim se passaram duas décadas desde que partiu dessa aldeia
mestiça. Que várzea, professor, quanta indigência em verde e amarelo. Outro
dia, só para ter uma ideia, empacotaram uma tal reforma do ensino médio sem
ouvir a turma do pó de giz. Bonito, né? A rapaziada guerreira que ocupou as
escolas também foi abestalhadamente ignorada.
E
assim, professor, aos trancos e barrancos, o vice que deu o bote no mandato da
presidente eleita segue o implacável roteiro reformista sob a fanfarra gozadora
da Casa Grande. O acordão segue a galope. Pocotó, pocotó, pocotó... Quem dita
os rumos da educação, amado mestre, é o esquema do ensino privado que bancou o
Mendoncinha como ministro do ramo. Chega. Juro que vou cessar as más notícias
que lhe mando nesse post. O amigo não merece tal desfeita nesta data tão nobre.
Vinte
anos, caríssimo Darcy, que falta nos faz com sua ventania verbal, sua teoria
combinada a uma prática que fazia ferver a sala de aula, o chão da tribo
indígena e o coração das moças. Desce, vai, quebra essa, chama também o
Brizola. Aqui estão deixando barato. Tem gente que nem admite ainda que foi
golpe. Só rindo, mesmo sabendo que o roteiro traçado no edificante diálogo de
Jucá e Sérgio Machado tem sido cumprido. Ponto a ponto, sob a bênção do notório
saber da dita corte superiora.
No
que recordo o seu mantra, meu querido: “Só há duas opções nesta vida: se
resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca."
Diz
pra mim, já que tocamos no assunto dos resignados, como tem sido incrível o
Raduan Nassar, não acha? Não foi somente no palco da glória literária. Mandou
na lata também ao rés do chão da crônica política. O bicho da lavoura me faz
lembrar a gracilianíssima brutalidade do autor de Angústia e Vidas Secas. Um
naco de nada mais irônico na beirada do sorriso. Tipo de gente nada pop, nada
agro.
Que
falta, seu Darcy, nestes 20 anos de ausência física. Que falta nos faz nesses
tempos mendoncinhas, nesses tempos lobões e seus aumentativos genéricos, nesses
tempos meia-boca da febre do rato, da moléstia dos cachorros, da gota serena,
do istampô-calango! Desculpa aí, mas o afeto não se encerra em duas
decadazinhas de nada.
Mantra de
botequim
“O
Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na
sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de
descaso.”
Ontem
mesmo no boteco, seu Darcy, mandei essa da sua lavra, e brindei até com os
coxinhas infiltrados. Mas deixa quieto. Hoje temos que celebrar essa sua
partida como se nunca tivesse havido. Que falta!
Poderia
ficar aqui a noite toda relembrando frases e sabedorias avulsas. Jovens,
procurem nas bibliotecas e na amostra grátis do Google, vocês jamais se esquecerão
de tais pérolas e sabenças tantas. Prefiro agora recordar nosso primeiro
encontro, no Recife, retrato deste cronista enquanto jovem repórter dos anos
80, sob o olhar da esfinge do Araripe -o governador Miguel Arraes. Donde em vez
de alguma pergunta sobre real-politik, quis saber do gênio mineiro de Montes
Claros banhado no socialismo moreno carioca, outra parada: “Seu Darcy, e aquela
história da lindeza de namorar três mulheres ao mesmo tempo?”
Havia
lido em alguma revista um gracejo do antropólogo. Ele dizia que o ideal é amar
três mulheres ao mesmo tempo. E que elas também amassem um trio, ora bolas. Não
era uma simples receita babaca contra o tédio. O tédio não existe nos trópicos,
seus existencialistas franceses vagabundos (risos).
O
professor fez Arraes e este matuto metafísico gargalhar no palácio do Campo das
Princesas. Lindas e impenetráveis vulgaridades vulvísticas. Foca de tudo,
fiquei corado.
Em
tempos medonhos de mediocridades com moral midiática e mendoncismos murrinhas,
a saudade só aumenta, professor Darcy Ribeiro. Um brinde, com direito a Raduan
urgente e providencial no perigo da hora. Lindo.
Xico Sá,
escritor e jornalista, é autor de “Big Jato” (editora Companhia das Letras) e
comentarista do “Papo de Segunda” (GNT).
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/17/opinion/1487365029_057236.html
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