Li
hoje que o senhor Sergio Moro, juiz federal de piso no estado do Paraná, fez
distribuir nota com um elogio público do sorteio do ministro Edson Fachin para
a relatoria dos feitos relacionados com a chamada operação "lava
jato".
Eis
o teor da nota, chocante pelo estilo burocrático e canhestro, indigno de um magistrado
e surpreendente num professor com doutorado:
"Diante
do sorteio do eminente Ministro Edson Fachin como Relator dos processos no
Supremo Tribunal Federal da assim chamada Operação Lava Jato e diante de
solicitações da imprensa para manifestação, tomo a liberdade, diante do
contexto e com humildade, de expressar que o Ministro Edson Fachin é um jurista
de elevada qualidade e, como magistrado, tem se destacado por sua atuação
eficiente e independente. Curitiba, 02 de fevereiro de 2017. Sérgio Fernando
Moro, Juiz Federal".
O
juiz de piso escreveu uma carta de recomendação. Como o destinatário declarado,
o ministro Fachin, dela não carece, conclui-se que o verdadeiro destinatário é
o próprio Sergio Moro. Tal impressão não é desfeita pelas referências às
"solicitações da imprensa" ou ao autoproclamado caráter
"humilde" da iniciativa, desculpas esfarrapadas para seu autor
aparecer. Nem é preciso dizer que o juiz desconhece seu lugar. Inebriou-o a
celebridade construída às custas da presunção de inocência dos seus arguidos e
da demonstração pública de justiceirismo populista.
Com
a simplicidade e sabedoria do sertanejo do Pajeú, meu pai, de saudosa memória,
ensinou-me que não se elogia um superior na hierarquia funcional. Fazê-lo pode
parecer sabujice ou soberba. Elogio se faz a subalterno ou, quando muito, a colega.
Um elogio do senhor Sergio Moro ao ministro Fachin nada acrescenta à condição
deste último, que é, ou não, um “jurista de elevada qualidade”
independentemente da opinião do juiz singular, pois o senhor Moro não é igual
nem superior ao ministro por ele elogiado.
Quanto
às "solicitações da imprensa", melhor seria que o juiz singular não
as tornasse públicas, pois, se já é feio um juiz receber tais solicitações —
tecer juízos sobre ministros do STF —, muito mais feia é a sua avidez em
atendê-las. Um magistrado de piso não existe para julgar, para a mídia, os
magistrados de instância superior. Ainda que lhe perguntem, não convém que
responda. Suponhamos, só para argumentar, que o senhor Moro considere o
ministro Fachin um desqualificado; será que "toma a liberdade" e dirá
isso à imprensa? Claro que não, a não ser que seja doido varrido. Logo, dizer
que o ministro Fachin é qualificado sempre levantará a dúvida sobre a
sinceridade do juízo, carente de alternativa assertiva. Por isso, dizem os
antigos: em boca fechada não entra mosca!
Quanto
à humildade, quem deve qualificar nossas atitudes como tais são os outros.
Autoqualificá-las é, por excelência, uma autoexaltação e, portanto, a negação
da humildade.
Segundo
disseminada sabedoria popular, conselho bom é para ser vendido, não dado. Mas
este ofereço de graça ao senhor Moro: fale menos e trabalhe mais discretamente.
Fale nos autos. Evite notinhas. Não jogue para a plateia. Não faça má política,
mas administre a boa e cabal Justiça. Defenda a autonomia do Judiciário e não
aceite ser pautado pela imprensa, que não o ama, apenas o usa e o descartará
quando não for mais útil. Se não acreditar em mim, pergunte ao colega Luiz
Francisco Fernandes de Souza, aquele procurador tão assíduo nas páginas de
jornais durante o governo FHC, hoje relegado ao ostracismo de um parecerista em
instância de apelação.
Um
juiz não deve ser um pop star. Na esteira do velho Foucault, o Judiciário deve
cultivar a timidez e o recato atribuídos pela revista Veja à senhora Marcela
Temer. Isso vale a fortiori para a Justiça penal. Seu objetivo pós-iluminista
não é a exposição de um bife humano esquartejável em praça pública, mas a
suposta “recuperação” do cidadão que cai em sua malha. No Brasil, mui distante
da Noruega, isso é uma quimera, mas é também a meta, sem a qual nunca poderemos
sonhar com a redução do elevado grau de criminalidade. O imputado exposto é um
imputado destruído, sem nada a perder e, portanto, de difícil reacolhimento
social, com ou sem culpa. Conduzido "de baraço e pregão pelas ruas da
vila", exposto à execração pública no pelourinho, é mais provável que se
considere injustiçado e não consiga ver legitimidade na atuação do seu juiz.
Dê-se o respeito, senhor Moro, para que todos possam respeitá-lo (e não apenas
os membros do seu fã-clube, com a cachola detonada pelo ódio persecutório).
Juízos ostensivos sobre magistrados de instâncias superiores não contribuem
para tanto.
É
bom lembrar, por último, ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que sobra
tempo ao juiz Moro. Dedica-se o magistrado de piso a tertúlias com a imprensa,
redação de notinhas, palestras no Brasil e no exterior, verdadeiras tournées de
um artista buscando aplauso. Para tudo isso, recebeu, afora passagens e, quiçá,
cachês ou diárias, o direito reconhecido pela corte regional de funcionar, com
exclusividade, nos processos da “lava jato”, sem qualquer outra distribuição.
Em outras palavras, nós contribuintes estamos pagando por esse exibicionismo,
sem que sejamos compensados com serviço em monta equivalente. No mais, fere-se,
com essa prática de privilégio, o princípio do juízo natural, ao dispensar-se,
esse juiz, da distribuição geral da matéria de competência de seu ofício. O
excesso de trabalho, com certeza, não é motivo crível para tratamento tão excepcional.
Antes pelo contrário: como, a todo tempo, parece se confirmar, no seu caso, o
aforismo “cabeça vazia é oficina do Diabo”, melhor seria devolver-lhe
urgentemente a jurisdição plena por distribuição aleatória, para que se
abstenha de notinhas tão degradantes para a magistratura.
Eugênio José Guilherme de
Aragão é ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, advogado e professor
adjunto da Universidade de Brasília.
http://www.conjur.com.br/2017-fev-04/eugenioaragao-autoelogios-brioso-magistrado-piso?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
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