“Quem
invade indevidamente é grileiro, é assim que a gente chama.” Com essa frase,
Luiz Alberto Esteves Scaloppe, procurador de Justiça do Ministério Público de
Mato Grosso, referiu-se ao ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Homem
forte do governo Michel Temer, o peemedebista foi acusado na última semana,
entre outras coisas, de ocupar terras irregularmente no estado. Esse tipo de
acusação não é novidade para o braço direito do presidente da República. Ocorre
que Padilha tem o poder de alterar ou derrubar os entraves que dificultam a
vida daqueles que usufruem ilegalmente dos terrenos alheios. O primeiro passo
nesse sentido já foi dado.
O
termo grileiro vem da antiga prática de usar grilos para envelhecer documentos
forjados com o objetivo de conseguir a posse de um terreno. Essa técnica deixou
de ser usual há tempo, mas a ação de se apropriar de terras devolutas ainda é
bastante frequente no país do latifúndio. No último mês de dezembro, às
vésperas do recesso de fim de ano, o governo federal publicou a Medida Provisória
759, que trata de regularização fundiária rural e urbana, créditos para a
reforma agrária e “mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de
alienação de imóveis da União”.
Segundo
especialistas ouvidos por CartaCapital, a MP abre precedentes perigosos para
que grileiros consigam regularizar terras públicas invadidas. Isso tudo em meio
às acusações de que o próprio ministro-chefe da Casa Civil é envolvido nesse
tipo de prática. Em dezembro passado, Padilha foi um dos alvos de ações civis
públicas, por desmatamento irregular, contra fazendeiros localizados no
interior do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, na cidade de Vila Bela da
Santíssima Trindade.
O
parque fica na região da fronteira entre Brasil e Bolívia e abriga inúmeras
nascentes, além de reunir a Floresta Amazônica, o Cerrado e o Pantanal. É nesse
local que o ministro e outros fazendeiros teriam desmatado perto de 19 mil
hectares entre 1998 e 2015. De acordo com o Ministério Público, Padilha e seus
sócios seriam responsáveis pelo corte da vegetação nas áreas das fazendas
Paredão I e Cachoeira, o que totaliza mais de 2 mil hectares de desmate, ou
aproximadamente 2,8 mil campos de futebol.
A
partir da ação do Ministério Público Estadual, a Justiça autorizou o bloqueio
preventivo de cerca de 100 milhões de reais do ministro e seus sócios, o que
não significa que eles tivessem esse valor em contas bancárias. Com um mandado
de busca e apreensão, as polícias Militar, Civil e Ambiental do estado
apreenderam também 1,9 mil cabeças de gado no local e 18 armas de fogo.
O
ex-assessor do ministro Padilha Marcos Antônio Tozzati seria o proprietário dos
animais. Há suspeita ainda de trabalho escravo nas dependências da fazenda, por
conta das condições degradantes nos cômodos destinados aos funcionários da
propriedade, o que foi reportado pelo MP aos órgãos competentes.
Entrou
no jogo então a Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso. O governo
estadual, sob comando de Pedro Taques (PSDB), conseguiu derrubar na Justiça a
liminar contra Padilha e os outros fazendeiros porque a ação obrigava o estado
a tomar providências em relação às irregularidades na área do parque. Foi nessa
ocasião que Scaloppe acusou Padilha de atuar como grileiro na região, com o
respaldo do governador tucano.
“Considero
uma indignidade o governo de Mato Grosso agir em defesa de interesses
privados”, criticou o procurador ao explicar que o Ministério Público Estadual
começou a sofrer pressão após a repercussão do caso. “Uma pessoa que consegue
mover um governador, um vice-governador e a diretoria da Sema-MT tem de ser
poderosa, e eu deduzo que seja o ministro Eliseu Padilha.”
Em
dezembro, o Estado de S. Paulo revelou também que Padilha é alvo de um processo
no Rio Grande do Sul, no qual é acusado de ocupar irregularmente um terreno de
1.929 hectares em Palmares do Sul, no litoral do estado. A área, em região de
dunas e de frente para o mar, é considerada propícia para a construção de um
parque eólico.
No
entanto, pertenceria à empresa Edusa Edificações Urbanas, que briga na Justiça
para retomar a posse do local. De acordo com a publicação, o ministro alega ter
direito à propriedade por usucapião, ou seja, um instrumento legal em que
admite não ter pago pelo terreno, mas de ter ocupado o local por tempo
prolongado.
Essas
implicações não inibiram Padilha para cuidar diretamente da MP 759. No ano
passado, ao extinguir o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Casa Civil
começou a pressionar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) em busca de uma solução para aquilo que considerava problema, ou seja,
ter terras públicas sob seu controle. Do ponto de vista neoliberal, que norteia
as ações da gestão Temer, o governo federal não precisa possuir essas terras.
Esse é um dos pilares ideológicos que sustentam a MP.
Uma
das formas encontradas pelo Instituto para atender ao pedido foi estender o
programa Terra Legal para todo o território nacional. Programa lançado durante
o governo Lula com o objetivo de tentar resolver, num prazo de dez anos, o
problema entre agricultores familiares e grileiros na região da Amazônia Legal.
A ideia era identificar os posseiros e facilitar a regularização dos terrenos
para, em seguida, controlar o desmatamento e evitar conflito por posse de
terra.
Com
a MP, qualquer grileiro no Brasil pode solicitar a regularização de um terreno
da União, ocupado indevidamente antes de 2004. Na prática, isso vai facilitar a
ação de fazendeiros que costumam utilizar essa artimanha para concentrar a
posse do latifúndio em regiões como Goiás e Mato Grosso do Sul. O texto ainda
libera a prática em áreas urbanas, o que deve beneficiar diretamente
condomínios.
Outro
ponto polêmico da Medida Provisória é a subversão do Programa Nacional da
Reforma Agrária. O texto elaborado pelo governo Temer provoca a municipalização
desse processo, pois oferece às gestões municipais a possibilidade de organizar
projetos de assentamento, o que deve fortalecer o poder político nos rincões do
Brasil.
Além
disso, a proposta flexibiliza as regras para emancipação dos assentados da
reforma agrária, concedendo o título definitivo das terras para os beneficiados
– atualmente, a maioria recebe uma espécie de concessão de uso para fortalecer
a função social da terra. Na prática, isso vai aumentar o assédio financeiro de
fazendeiros sobre pequenos agricultores beneficiados com terrenos da União. Com
pouca estrutura, muitos assentados serão seduzidos por ofertas tentadoras.
Consequências: possibilidade de o agronegócio entrar na disputa de 88 milhões
de hectares de terras já distribuídos em assentamentos rurais, até então
protegidos pelo sistema de distribuição do estado.
“Essa
MP vem para acabar com o processo da reforma agrária. Esses políticos todos aí
querem legalizar as terras griladas que eles têm para conseguirem seus títulos
de posse e fazerem a negociação da terra. É um componente de ações entre o
Incra, a Casa Civil e o Congresso Nacional que visam acabar com a reforma
agrária”, explica Alexandre Conceição, membro da coordenação nacional do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. O movimento promete um levante contra a
medida para o mês de março deste ano, além de grandes ocupações de terra.
As
medidas nessa área parecem fazer parte de um projeto maior, que se
complementará ao longo deste ano com a apresentação de outro projeto de lei
ainda mais nocivo: a liberação da venda de terras brasileiras para
estrangeiros. Sob o comando de um ministro acusado de grilagem.
Outro
lado
A
reportagem de CartaCapital procurou a Casa Civil para questionar sobre
possíveis conflitos de interesse na edição da MP759, mas não recebeu retorno da
assessoria de imprensa ou do ministro-chefe Eliseu Padilha.
http://www.cartacapital.com.br/revista/938/eliseu-padilha-o-senhor-das-terras
Nenhum comentário:
Postar um comentário