Segue
importante documento, a íntegra de Apresentação feita em 26.01.2017 – Seminário
Internacional em Sevilha – “Capitalimo Neoliberal, Democracia Sobrante” pelo
advogado do presidente Lula, dr. Cristiano Zanin Martins
Tema
do Painel: Quais são as estratégias da nova ordem internacional para aprisionar
a democracia?
Boa
tarde a todos,
Uma
forma atual de ataque à democracia consiste no uso do “lawfare”.
A
expressão “lawfare” deriva das palavras inglesas “law” (lei) e “warfare”
(guerra). Essa expressão foi usada em algumas obras na década de 90 – e até
antes – mas se tornou mais conhecida a partir de um texto publicado em 2001 em
um jornal de Yale, por um advogado norte-americano especializado na área
militar chamado Charles Dunlap.
Para
Dunlap, “lawfare” seria “a estratégia de usar – ou mal utilizar – a lei como
substituto dos meios militares tradicionais para alcançar um objetivo
operacional”. Ele tinha, portanto, uma visão bastante vinculada à área militar,
até mesmo pela sua formação na área. Tinha um foco muito claro em formas de
atacar o exército norte-americano usando as leis e a opinião publica.
Mas
o fenômeno foi aos poucos sendo objeto de estudos específicos e atualmente a
expressão “lawfare” está bastante identificada com o uso das leis e dos
procedimentos jurídicos para fins de perseguição política e de eliminação do
inimigo político. O “lawfare” é um instrumento para deslegitimar oponentes políticos.
É uma guerra assimétrica realizada por meios jurídicos.
John
Comarroff e sua esposa, Jean Comaroff, que são antropólogos jurídicos da
Universidade de Harvard, escreveram livros específicos sobre o tema. No livro
chamado “Law and Disorder in the Postcolony” (Lei ou Desordem no Pós
Colonialismo) eles definem “lawfare” como o “processo de usar a violência e o
poder inerentes ao direito para produzir resultados políticos” e observam,
ainda, que “a política em si está migrando para os tribunais”.
Concordo
com os Comaroffs que o “lawfare” na contemporaneidade se desenvolve, tal como
as grandes teorias de guerra, em três dimensões. A primeira é a geografia, onde
são travadas as guerras. Exércitos fazem uso estratégico da cartografia, da
paisagem, da geografia. O equivalente em “lawfare” é a jurisdição. Onde o
processo judicial se desenvolve é fundamental para saber se você irá ganhar ou
perder. É possível, ao menos, saber onde a tese jurídica pode ter mais força. A
segunda dimensão da guerra é o armamento. E o armamento no “lawfare” é a
escolha da lei que você irá lutar. Há uma tendência, nesse sentido, em usar
leis que tratam de corrupção, pois muita coisa pode ser encaixada nessa
definição. A terceira dimensão são as externalidades, ou seja, o ambiente que é
criado para usar as armas legais contra as pessoas. E o clássico, nos dias
atuais, é o apoio dado pela mídia quando há identidade de interesses na
perseguição política. A mídia cria um ambiente de suposta legitimidade para
essa perseguição. Cria uma presunção de culpabilidade que tem dois objetivos:
permitir uma condenação sem provas ou, ainda, colocar a opinião pública de
forma a exigir essa condenação.
No
Brasil, principalmente na era da “Operação Lava Jato”, é claro que está
ocorrendo o uso dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política,
e particularmente, do ex-Presidente Lula, de todo o seu legado e, ainda, de
seus aliados políticos.
Como
advogado de Lula, tenho bastante clara essa situação por atuar diariamente na
defesa contra as frívolas suspeitas e acusações que lhe são dirigidas por um
grupo de promotores com a ajuda de setores da imprensa. Lula chegou a ser
acusado por um promotor que chamou todos os veículos de imprensa para exibir um
Powerpoint em rede nacional, no qual o ex-Presidente foi colocado no centro –
com várias flechas apontando para ele. Foi tratado nessa ocasião como se
culpado fosse. Outro promotor que participou da exibição desse mesmo Powerpoint
disse que não tinha provas, mas “convicção” a respeito da acusação de que Lula
seria o “comandante máximo de uma organização criminosa”.
Diante
desse claro cenário de perseguição política por meio das leis, eu e minha sócia
e também esposa, Valeska Martins, passamos a fazer um estudo detalhado sobre o
tema e identificamos na Universidade de Harvard, principalmente, trabalhos
sobre “lawfare” e suas características.
Na
sequência, tivemos a oportunidade de debater com alguns professores de Harvard,
como o já citado John Comaroff, e concluímos que Lula é vítima de “lawfare”,
pois querem usar de procedimentos jurídicos ilegítimos apenas para dar ares de
legitimidade a um processo que tem por objetivo prejudicar sua atuação política
e impedi-lo de disputar novas eleições presidenciais, principalmente em 2018.
Foi neste momento em que eu e Valeska apresentamos no Brasil, com primazia, o
debate sobre “lawfare”.
O
caso de Lula seguramente é um dos maiores casos de “lawfare” hoje no mundo.
Entendemos
que atualmente as principais táticas de “lawfare” são:
–
manipulação do sistema legal para fins políticos;
–
utilização de processos judiciais sem materialidade, com acusações frívolas;
–
abuso do direito para deslegitimar um adversário;
–
promoção de ações judiciais para deslegitimar um adversário;
–
utilização do direito como forma de constranger e punir o adversário;
–
tentativa de influenciar a opinião publica: utilização da lei para obter
publicidade negativa;
–
judicialização da politica;
–
promoção de desilusão popular;
–
utilização das leis como forma de empoderamento;
–
deslegitimar e diminuir a soberania de Estados Democráticos.
Todas
essas táticas são usadas diariamente contra Lula.
De
fato, desde Março de 2016 os traços de “lawfare” contra Lula e do projeto que
ele desenvolveu com a ajuda da ex-Presidente Dilma Rousseff e outros aliados
políticos passaram a ficar mais claros.
Em
março, ele foi privado de sua liberdade por cerca de 6 horas – por meio de uma
condução coercitiva – para prestar um depoimento que ele jamais havia se
recusado a dar; teve sua casa invadida e também a de seus filhos por buscas e
apreensões; teve suas conversas telefônicas particulares grampeadas – e essas
conversas foram posteriormente divulgadas em rede nacional, embora a lei
assegure o sigilo e defina como crime a divulgação desse material. Até mesmo
nós, seus advogados, fomos grampeados – pois o principal ramal do nosso
escritório passou a ser monitorado.
Quem
fez tudo isso – e muito mais? Um juiz, a pedido de um grupo de promotores. Sim,
um juiz, que deveria ser o responsável por zelar pelas garantias fundamentais
dos cidadãos impôs todas essas medidas drásticas em relação ao ex-Presidente
Lula e seus familiares. E o pior: impôs tais medidas drásticas e ilegais sem
que houvesse qualquer indício real da pratica de um crime. As hipóteses
substituíram os fatos. Ele é, basicamente, acusado de ter se beneficiado de
valores espúrios oriundos da Petrobras por meio de imóveis que não são e jamais
foram dele. Imóveis, por exemplo, que ele foi uma única vez para verificar se
tinha interesse na compra. Imóveis, por exemplo, que ele frequenta, mas que
pertencem a amigos, que provaram o uso de recursos próprios na compra.
E
preciso lembrar que no momento em que ocorreram essas arbitrariedades já havia
uma crise política no Brasil. E Lula, evidentemente, tinha um relevante papel
para auxiliar a Presidente Dilma a resolvê-la. Essas medidas, por isso mesmo,
buscavam prejudicar sua atuação politica, deslegitima-lo.
Vejam
o seguinte exemplo: uma conversa telefônica entre o ex-Presidente Lula e a
ex-Presidente Dilma foi gravada pela Polícia Federal apos o encerramento da
autorização de grampo em relação a Lula. Mas o juiz da Lava Jato decidiu
divulgar essa conversa à imprensa. E quando ele fez isso? No dia em que Lula
foi nomeado Ministro de Dilma. E qual foi o resultado disso? A mídia promoveu
uma falsa encandalização e um desvirtuamento daquela conversa, fomentando
protestos de rua.
E
na sequencia Lula foi impedido por um juiz do STF de ser ministro de Dilma sob
o fundamento de tal cargo poderia “prejudicar a Lava Jato” – embora naquele
momento ele não fosse indiciado, réu e muito menos condenado.
O
impeachment de Dilma, nesse contexto, fez parte desse processo de “lawfare”.
Vejam: escolheram uma jurisdição, o Congresso, onde havia algumas pessoas mal
intencionadas e com desejo de recuperar o poder por meio diverso das eleições.
Escolheram uma lei: a lei que define os crimes de responsabilidade de uma forma
absolutamente genérica. E ocorreram as externalidades: era só ligar a televisão
ou ler um jornal para verificar como o tema estava sendo tratado. Um professor
aposentado da Universidade de Manchester, John Gledhill, escreveu o seguinte:
“o que estamos vendo no Brasil é a forma como a aplicação seletiva do que
poderia ser definido como “lawfare” esta promovendo um clima de desilusão
popular em que um governo democraticamente eleito pode ser removido do poder”.
Agora,
esse mesmo grupo de delegados, promotores e juízes, associados, ainda que de
forma tácita, a uma mídia oligopolizada existente no Brasil, querem a qualquer
custo usar de diversos processos penais abertos contra Lula, apenas com
acusações frívolas, para impor a ele uma condenação que seja confirmada em
segundo grau. Isso bastaria para exclui-lo das eleições de 2018, segundo a lei
brasileira.
A
despeito das sólidas defesas jurídicas que apresentamos em todos os processos
não temos expectativa imediata de um recurso eficaz para paralisar essas
violações contra Lula. O Tribunal que julga os recursos da “Lava Jato” decidiu
que ela não precisa seguir as “regras gerais”, vale dizer, a lei. O STF, por
seu turno, devolveu os processos ao juiz que cometeu as violações para que ele
próprio analise a legalidade de seus atos.
Por
isso, levamos o caso em julho de 2016 ao Comitê de Direitos ONU – por acreditar
que as arbitrariedades praticadas contra Lula violaram três disposições do
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos acolhido pela ONU, do qual o
Brasil é signatário. O governo brasileiro deverá apresentar suas informações
até o próximo dia 26 e depois será analisada a admissibilidade do comunicado
que fizemos.
Espero,
sinceramente, que a ONU possa nos ajudar a impedir que esse terrível ataque à
democracia brasileira continue, admitindo e acolhendo o comunicado que fizemos.
Com isso, também irá sinalizar ao mundo a inadmissibilidade desse ataque à
democracia. Mas também é importante saber que pessoas tão qualificadas como
vocês agora dispõem de elementos para analisar o que está ocorrendo no Brasil
em relação a Lula e, com isso, poderão participar do julgamento que também a história
fará para Lula, que é um homem inocente e que realizou um governo de conquistas
sociais e econômicas reconhecidos em todo o mundo.
Muito
obrigado,
Cristiano
Zanin Martins
http://www.ocafezinho.com/2017/01/27/zanin-denuncia-na-espanha-as-artimanhas-do-golpe-no-brasil/
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