O
procurador federal Eugênio Aragão criticou, na tarde de sexta-feira (20), a
naturalização do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e a aceitação do
governo Michel Temer como algo legítimo. “Nós podemos ser oposição a um governo
eleito legitimamente, mas não podemos ser oposição a um governo golpista. Não
se faz oposição a um governo golpista, se combate. Eles não são nossos
adversários, são inimigos”, disse o ex-ministro da Justiça durante o painel
“Defesa da democracia e o futuro da esquerda”, realizado no Parque da Redenção
dentro da programação do Fórum Social das Resistências. Aragão criticou também,
no atual contexto político, as propostas de eleições diretas já e de convocação
de uma Assembleia Nacional Constituinte.
“Neste
momento, pautas como Diretas Já e Constituinte são agendas que mais nos
dispersam que nos unem. A agenda fundamental é o golpe que não passou de um
arrastão de trombadinhas. O tema central é o desfazimento do golpe e a
restituição da presidenta Dilma. Não podemos abandonar essa agenda sob pena de
sermos acusados de hipócritas. Não dissemos que esse golpe foi misógino,
machista e antidemocrático? Tudo isso passou? Negar o nosso discurso e trocá-lo
por uma variação é algo que nos enfraquece. Uma nova eleição direta agora
significaria aprofundar o golpe, tornando a reconquista da legitimidade mais
distante. Se tivéssemos uma nova Constituinte agora, a direita transformaria o
Brasil num Estado teocrático”, afirmou.
“Os juristas brasileiros são
os maiores golpistas”
Eugênio
Aragão definiu o atual momento vivido no País como a mais grave crise do
republicanismo brasileiro. “Voltamos a um estágio atrasado marcado pela
desestruturação das nossas instituições e pela destruição de políticas
públicas. A superação desse momento vai depender da nossa capacidade de gerar
coesão. Para isso, precisamos modular o nosso discurso, definir uma estratégia
comum e superar dois vícios históricos da esquerda: o esquerdismo e o
burocratismo”, defendeu. Para o procurador, o discurso do “Volta Dilma” não
precisa ser contrastado com a inviabilidade disso acontecer. “O que é mais
importante agora é a manter a coerência e a unidade. Esse discurso nos unifica.
Precisamos promover um grande debate nacional, formando comitês locais,
organizando seminários, fazendo conversas como esta que estamos fazendo aqui
hoje”.
O
ex-ministro não poupou críticas ao Judiciário, assinalando que, desde o período
do Império, os juristas brasileiros são os maiores golpistas. “Quando a
República foi proclamada, em 1989, o superior tribunal de justiça da época
manteve todos os seus juízes. Não houve nenhuma mudança na passagem da
monarquia para a república. O golpe deles é permanente e muda de face a cada
instante para nos confundir”. Para Aragão, a extrema debilidade do Estado
brasileiro facilitou o golpe. “Quando saímos da ditadura, não fizemos nenhuma
transição democrática de verdade. Quando o STF disse que a Lei da Anistia não
permitia o julgamento dos crimes de tortura, desaparecimentos forçados e
execuções, a anti-anistia se institucionalizou. Recusamos justiça a atrocidades
do passado. Isso foi apenas o começo. Não quisemos discutir os temas da
unificação e da desmilitarização das polícias. Fomos por demais lenientes e deu
nisso: uma geléia geral em que a esquerda se amalgamou com aqueles que querem
destruí-la”.
“O futuro da esquerda passa
pela democracia”
Organizado
pela Central Única dos Trabalhadores e pela Fundação Friedrich Ebert, o debate
também contou com a presença do ex-senador chileno e presidente da Fundação
Chile 21, Carlos Ominami, da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e do
presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo. Ex-ministro da Economia do Chile, Carlos
Ominami fez uma análise dos problemas enfrentados pela esquerda
latino-americana e apontou aquele que é, na sua opinião, o principal eixo
programático para a superação do quadro atual. “O futuro da esquerda passa pela
democracia e o futuro da democracia passa pelo seu aprofundamento”. Para
Ominami, os golpes que aconteceram em Honduras, no Paraguai e no Brasil se
deram não só pela ofensiva da direita, mas também pelos erros cometidos pela
esquerda. “Nós temos democracias de baixa intensidade que são muito frágeis.
Fizemos mal algumas coisas. Não devemos considerar a democracia como um meio
para chegar a outra coisa, mas sim como um fim”, defendeu.
O
ex-senador, que participa atualmente de uma articulação para formar uma nova
frente da esquerda chilena, chamou a atenção ainda para a necessidade de
defender a democracia de seus novos inimigos. Entre eles, destacou o ceticismo
com a política e a democracia, o populismo de direita (expresso exemplarmente,
segundo ele, na vitória de Donald Trump nos Estados Unidos) e o populismo
judicial. “É algo ruim e muito danoso quando juízes começam a legislar e governar
ou quando querem fazer justiça com a imprensa. No caso do Brasil, o que está se
buscando não é fazer justiça, mas sim impedir que Lula volte a disputar o
governo com as armas da democracia”.
“Não há democracia de direita”
A
deputada Maria do Rosário também defendeu a necessidade de a esquerda priorizar
programaticamente a agenda da radicalização da democracia. “A direita despreza
a democracia. Produzir uma democracia renovada é, portanto, uma tarefa da
esquerda. Não há democracia de direita, pois esta não respeita sequer os
valores e princípios clássicos dos liberalismo. Ela trabalha com uma produção
contínua de crises que inviabilizam a continuidade da democracia.
Nós
não estamos vivendo uma crise da democracia hoje no Brasil, pois a democracia
faliu no dia do impeachment da presidenta Dilma. O golpista Temer não tem
nenhuma legitimidade para indicar o novo ministro do STF, após a morte de Teori
Zavascki. Do mesmo modo, o Senado, cheio de investigados na Lava Jato, não tem
nenhuma isenção para sabatinar o novo ministro”, afirmou.
Rosário
sustentou ainda que a esquerda deve retomar o debate sobre o direito à
representação e a qualidade dessa representação. Além disso, acrescentou,
precisa enfrentar o tema do capital.
“Não
há possibilidade de democracia com o atual grau de exploração. Para ser
democrática, a esquerda precisa ser anti-capitalista, humanista e feminista.
Precisa assumir integralmente a agenda dos direitos humanos, que nem sempre
foram um tema central para a esquerda”.
Claudir
Nespolo, por sua vez, definiu a conjuntura atual como um período de
resistência, de acumulação de forças para uma nova fase. “Estamos assistindo a
uma revisão da Constituição de 1988, que está sendo feita sem voto, sem
participação popular e sem um processo constituinte.
O
centro dessa revisão é o ataque à Previdência e às leis trabalhistas”. O
presidente da CUT-RS anunciou que, para enfrentar essa ofensiva da direita,
estão sendo construídos, em todo o país, comitês em defesa dos direitos para
preparar a população para uma grande greve geral em 2017.
*Via
http://www.sul21.com.br/
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