O
Estado de exceção que cresce no país tem tentáculos no Ministério Público
Federal, na Polícia Federal, no Congresso, na grande mídia, no empresariado,
mas se sustenta no Judiciário. É aí que está o Sergio Moro. E é aí que está o
poder de deflagrar, sustar, deixar prosseguir desmandos, abusos e efetuar
prisões.
No
Judiciário, o Supremo Tribunal Federal é o grande guarda-chuva dessa turma
toda. Tem setores e membros próximos dos ideais democráticos e nacionais, mas
nem todos.
Tendo
em vista que as batalhas mudam a cada hora, mudam também os posicionamentos
dessas pessoas. Na batalha do impeachment, por exemplo, houve magistrados com
posturas abertamente golpistas.
Como
indivíduo, o alvo principal da sanha fascista que se espraia pelo país é o
Lula, exposto ao maior linchamento político que já se viu no país, da parte dos
que, com o apoio do Judiciário, querem sua prisão, a qualquer custo, para
retirá-lo da cena política.
Como
instituição, o alvo principal da sanha fascista que se espraia pelo país é o
Congresso Nacional, eleito diretamente pelo povo. Em nossa história,sempre que
uma ditadura emerge, golpeia o Congresso, fechando-o, ou cassando seus mais
destacados membros.
O
Congresso atual está extremamente desgastado e desprestigiado junto ao povo por
duas razões básicas: pelo conservadorismo exacerbado que nele predomina, o que
o faz votar as mais das vezes contra o povo, e por ser vítima da grande mídia
que sempre descreve a chamada “classe política”, os deputados e senadores, com
as feições mais cruéis, como se fossem os responsáveis por tudo de ruim que acontece.
Em
contraposição, paira sobre os ombros togados dos membros do STF uma auréola de
gente séria, de respeito, como se todos fossem de alta respeitabilidade, o que
não é verdade.
Na
batalha política que se trava hoje no Brasil, o Congresso foi freqüentemente
pusilânime, sobretudo quando uma de suas Casas, a Câmara, esteve sob o tacão de
um político da pior espécie.
Mas,
apesar de tudo isso, não se deve perder de vista que um dos esteios do Estado
de direito que ainda sobrevive no país, pilar essencial da Constituição em
vigor, é a separação entre os Poderes, sua existência como “independentes e
harmônicos” (Art 2º, CF), sem subordinação de nenhum a qualquer outro.
Este
preceito é tão fundamental que a Constituição o relaciona como “cláusula
pétrea” (Art. 60, parágrafo 4º, III).
Para
evitar que algum Poder usurpe o Poder de outro e rompa com o Estado de direito
democrático, a Constituição define a função e as prerrogativas de cada um, o
que é conhecido como Sistema de Freios e Contrapesos. É para que nenhum
interfira em nenhum outro.
Nesse
período recente, em pouco mais de um ano, o Supremo atentou três vezes contra a
independência dos Poderes, intervindo arbitrariamente contra o Legislativo,
reinterpretando a letra da Constituição, que, assim, não foi por ele defendida
mas conspurcada.
Primeiro.
Em 25 de novembro de 2015, o senador Delcídio Amaral foi preso por ordem de um
ministro do Supremo. Contra o senador, revelaram-se fatos altamente
desabonadores, que chocaram a opinião pública, porque eram imorais. Mas o
indecoroso político era senador, no pleno uso de suas funções, e como tal só
poderia ser preso, com base na Constituição, “em flagrante de crime inafiançável”
e, mesmo nesse caso, caberia ao Senado “resolver” sobre a continuidade de sua
prisão.
O
fato é que não houve flagrante contra Delcídio, pelo que ele não poderia ter
sido preso. Como o Supremo, através de um de seus membros, mandou prende-lo,
teve que se contorcer para acobertar o arbítrio, criando o conceito de “estado
de flagrância” e de “crime permanente”, inteiramente estranhos à Constituição,
para driblar o límpido preceito constitucional que diz: “os membros do
Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável” (Art. 53, prg 2º). O pleno do Senado acatou essa prisão
arbitrária de um de seus membros, não defendendo as prerrogativas e direitos da
Instituição. Poderia colocar o Delcídio em liberdade – fazendo-se respeitar –
e, em seguida cassar seu mandato por quebra de decoro.
Segundo.
O Supremo decidiu, através de liminar de um de seus membros, a 5 de outubro de
2016, afastar o senador Renan Calheiros do exercício da presidência do Senado,
por entender que ele não poderia ter a expectativa de ocupar a presidência da
República em caso de afastamento temporário do presidente efetivo. Pelo bom
direito, uma decisão por liminar só deve ser expedida ante o “periculum in
mora”, ou o perigo da demora, ou seja, ante o risco iminente de acontecer um
prejuízo de impossível ou difícil reparação, se a decisão não for tomada.
No caso, não estava em cogitação nenhum
afastamento do presidente da República; se isto viesse a acontecer, não seria o
Renan quem o substituiria, mas o Maia. Portanto, não havia risco algum de
prejuízo iminente de difícil reparação. O magistrado que expediu a liminar,
poderia aguardar o julgamento pelo pleno, em poucos dias. Ademais, a liminar
baseava-se em uma decisão do Supremo, estribada em uma votação que não se
completara, portanto a decisão não existia. Finalmente, afastava o presidente do
Senado, prerrogativa exclusiva do pleno do Senado, podendo tê-lo proibido de
assumir a presidência da República, se esta hipótese remota aparecesse, como
aliás foi decidido pelo pleno do próprio Supremo.
Terceiro.
O Supremo, sempre pela iniciativa isolada de um de seus membros, no dia 14 de
dezembro de 2016, expediu liminar ordenando que um projeto a ser apreciado pelo
Senado, já devidamente aprovado na Câmara, não mais o fosse, mas deveria
retornar à Câmara para que esta anulasse tudo que fez, e votasse tudo de novo,
de outra maneira, no suposto de que era uma proposição oriunda de iniciativa
popular e que precisava de um rito próprio.
Das
três ingerências feitas pelo Supremo no Congresso Nacional, parece-me esta a
mais berrante. É “indefensável”, diz Renan, presidente do Senado. É “supressão
de direito do parlamentar”, diz Maia, presidente da Câmara.
É
minha opinião que todos os parlamentares e políticos contrários à emergência de
um Estado de exceção, especialmente os de esquerda, devem se levantar com
energia contra esse despautério e buscar resolver a questão sem ser às custas
da desmoralização do Congresso.
*
Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do
Partido Comunista do Brasil.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/12/supremo-investe-de-novo-contra-o.html
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