O
governo Temer conseguiu aprovar a proposta que congela os gastos públicos em
seis meses, período menor que o padrão regimental de tempo para tramitação
desse tipo de matéria no Congresso. E quer pressionar a base parlamentar aliada
para apreciar em 2017, com a mesma rapidez, a reforma da Previdência. O
objetivo, segundo cientistas políticos, é claro: cumprir a agenda imposta pela
iniciativa privada e o mercado financeiro pelo apoio no processo de impeachment
de Dilma Rousseff, que o levou ao poder. Mas ninguém, nem da base aliada nem da
oposição, esconde mais o desafio que o presidente tem pela frente. E as apostas
são de que a expectativa lançada pelo Planalto, de a matéria ser aprovada até
maio, dificilmente será cumprida.
Para
o cientista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar
(Diap), Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho, é possível identificar o sistema
financeiro como um interessado na reforma, em especial, por conta dos fundos de
previdência privada. “Na medida em que se restringe o acesso a benefícios de
caráter oficial e se alonga o tempo para acesso, é natural que as pessoas com
renda busquem aportar recursos na previdência complementar. Esse ajuste não tem
só a perna fiscal, de cortar gastos do governo, tem também pressão do mercado,
dos bancos e seguradoras da área de previdência”, afirmou, durante avaliação
feita recentemente para o Portal Outras Palavras.
Segundo
Toninho, “a questão da Previdência é diferente”. “O tema tem um grau de
complexidade a ser discutido por técnicos e parlamentares, sem falar que mexe
com os direitos objetivos das pessoas. Todos vão tentar conhecer o que está
sendo tratado, opinar e participar de alguma forma da discussão”.
De
acordo com ele, no caso da Previdência, “o sujeito vai fazer as contas e ver
que precisará trabalhar mais 15 anos para se aposentar”. “Quem tem direito hoje
a um benefício ou aposentadoria especial, por exemplo, vai ver que a proposta
elimina praticamente todas estas aposentadorias especiais. É uma reforma muito
dura e vai provocar resistência grande. As pessoas vão reagir”.
O
analista político Alexandre Bandeira, diretor da Associação Brasileira de
Consultores Políticos no Distrito Federal (Abcop), também lembra a questão do
tempo para o governo. De acordo com ele, se o Executivo não se articular bem
para votar a matéria até junho ou julho de 2017, “dificilmente conseguirá
depois do segundo semestre”. “Porque as pessoas já começarão a pensar em discutir
eleições e os parlamentares poderão não estar mais tão dispostos a apoiar a
medida e pagar o desgaste com a população”, afirmou.
De
uma maneira geral, conforme dados do Diap, a base do governo Temer na Câmara,
hoje (por onde começa a tramitação da proposta), está montada da seguinte
ordem: oposição de esquerda, com 98 parlamentares, e os outros 415 deputados de
partidos da base. Destes 415, 240 dão apoio consistente ao governo e 175 dão
apoio condicionado. “Isso quer dizer que, desses 175, aproximadamente um terço
poderá discordar da reforma por razões ideológicas e dois terços podem criar
dificuldades por razões fisiológicas, negociar alguma compensação pelo desgaste
de votar com o governo”, avalia Toninho.
Para
o cientista político do Diap, em relação ao tema em si, o apoio condicionado
tende a divergir mais, mesmo com incentivos, do que em outras matérias, uma vez
que todo mundo tem na família, quando não ele próprio, algum interesse que
poderá ser prejudicado com a nova regra previdenciária.
Desgaste da
Lava Jato
Alexandre
Bandeira, por sua vez, lembrou que há várias questões a serem observadas no
próximo ano, durante o trabalho do Legislativo de apreciação da matéria. Uma
delas é a questão da Lava Jato em si, cujas denúncias contra políticos têm chegado
mais perto do governo e de vários parlamentares. Em segundo lugar está a
proximidade de 2018, quando serão realizadas novas eleições presidenciais
(dentro das regras atuais) e, por fim, o desgaste de deputados e senadores com
a população por conta da votação favorável à medida. “Os três fatores podem
interferir e dividir ainda mais o apoio da base aliada ao governo”, disse.
Outra
avaliação feita por Bandeira é de que Temer procurará passar uma ideia de que o
seu governo é de “transição”, como forma de tirar o país de um modelo anterior
que, na visão dos peemedebistas, tinha um caráter mais populista (os governos
do PT) e passar para um modelo que ainda não está bem delineado.
“Ninguém
sabe ainda como será esse novo modelo de governo, caso o mesmo grupo que apoiou
o impeachment continue unido e ganhe as eleições em 2018, porque até os apoios
e possibilidades de candidaturas estão incertos. Então, ou ele (Temer)
demonstra esse caráter de transição de sua gestão e se apressa para aprovar o
que quer e mostrar uma espécie de ‘dever de casa’ para o empresariado que o
apoia até julho, ou perde essa janela de tempo e corre o risco de terminar o
governo sem mostrar a que veio”.
O
analista político lembrou o que considera um “calcanhar de Aquiles” importante
para o presidente, que é a questão da ética na sua gestão, com reflexos no
Congresso Nacional. “Temer precisará criar no empresariado uma sensação de que
pode investir no país. Caso contrário, não conseguirá implantar as medidas que
deseja”, afirmou.
Apelos e
descrença
Entre
os parlamentares, a situação parece ser definida no mesmo tom. Prova disso é
que o líder do governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), encerrou os
trabalhos, na última quinta-feira (15), reconhecendo que o ano foi difícil.
Jucá agradeceu o acordo feito entre as lideranças para conseguir aprovar o
orçamento da União e pediu a ajuda de todos para “ajudar o país a enfrentar a
crise, em 2017”. Enquanto o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse
acreditar no agravamento da situação, de janeiro em diante.
Segundo
Costa “a saída para que o país volte à normalidade é a renúncia do presidente e
a convocação de eleições diretas para presidente da República”. O senador
sugeriu, ainda, a eleição de uma assembleia constituinte exclusiva para votar
uma reforma política necessária ao país.
A
tramitação de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) costuma demorar até
perto de um ano para chegar ao final. No caso de uma aprovação mínima, com a
obediência a todos os ritos regimentais e aprovações de relatórios no mesmo dia
de apresentação, sem pedidos de vista, espera-se um período de aprovação de, em
média, 231 dias. O que dá, aproximadamente sete meses de tramitação. No caso da
PEC dos gastos públicos, a votação durou seis meses.
“Considerando-se
que tivemos um ano de votação de impeachment pelo Congresso, realização de
olimpíadas e eleições municipais no país, esse prazo foi recorde”, afirmou
Toninho. Em outras ocasiões, o prazo até pode ter sido antecipado, mas em
relação a matérias tidas como populares e que trataram de agendas aprovadas
pelos eleitores com a votação dos presidentes que já as tinham incluído em seus
programas de governo – o que não acontece em relação a Michel Temer.
Agora,
o Palácio do Planalto anuncia a expectativa de ter a reforma da Previdência
pronta para ser implantada até maio (alguns falam em abril). Levando-se em
conta que o texto chegou à Casa no final de novembro, tudo indica que 2017 não
será um ano fácil nem para a Câmara dos Deputados nem para o Senado – sejam os
parlamentares da base aliada ou da oposição.
http://www.sul21.com.br/jornal/pressa-com-reforma-da-previdencia-e-divida-com-patrocinadores-do-golpe-dizem-analistas/
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