Com
o debate sobre a reforma da Previdência, uma corrente de economistas e
especialistas rebate o argumento de que a Previdência Social esteja quebrada e
que o envelhecimento da população brasileira inviabilizará o pagamento de
aposentadorias e pensões. Para eles, há alternativas à reforma proposta pelo
governo federal, entre elas o fim da política de desonerações fiscais e a
cobrança das dívidas previdenciárias de grandes empresas.
Essa
corrente também defende que governo e sociedade tenham claro que a Previdência
Social integra o conjunto de ações de seguridade social, destinadas a assegurar
também os direitos relativos à saúde e à assistência social. E, portanto, tem
outras fontes de custeio além das contribuições de trabalhadores e empregadores
a partir dos salários.
O
governo argumenta que o déficit da Previdência continuará a crescer se as
regras atuais de concessão do benefício permanecerem. O ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles, disse que, em 2016, o déficit do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) chegará a R$ 149,2 bi. Em 2017, a expectativa é que atinja
R$ 181,2 bi.
Segundo
o governo, este quadro tende a piorar, pois com o aumento da expectativa de
vida do brasileiro e a diminuição da fecundidade, as regras atuais são
insustentáveis. Citando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a Secretaria da Previdência Social, ligada ao Ministério da
Fazenda, aponta que, hoje, o número de brasileiros em idade ativa chega a 140,9
milhões. Em 2060, a expectativa é que esse número caia para 131,4 milhões.
Já
o total de idosos pode crescer mais de 260% no período. Isso significaria mais
beneficiários, recebendo por mais tempo. Daí a proposta do governo de elevar
para 65 anos a idade mínima para aposentadoria e pelo menos 25 anos de
contribuição. Pela reforma, o trabalhador deverá contribuir por mais 24 anos
(totalizando 49 anos de contribuição) para receber 100% do valor da
aposentadoria a que tem direito. Com a reforma, o governo espera economizar R$
678 bilhões entre 2018 e 2027.
No
entanto, para o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da
Receita Federal (Anfip), Vilson Antonio Romério, a Previdência não é uma mera
questão matemática. "Considerando a Previdência como parte do sistema de
seguridade social, não há déficit. Pelo contrário. O total de recursos que a
União arrecada para custear toda a seguridade social é superior aos gastos. Só
em 2014, sobraram no caixa R$ 54 bilhões. Em 2015, sobraram mais R$ 11 bilhões.
Mas esses recursos têm sido empregados para outros fins, como o pagamento da
dívida pública".
Vilson
Romério concorda que o "fluxo de caixa do INSS" precisa de alguns
ajustes, mas defende que, antes de se exigir mais anos de contribuição dos
trabalhadores, o governo deveria rever as políticas de desoneração e de
renúncias previdenciárias; impedir a desvinculação das receitas destinadas aos
programas sociais e à Previdência; cobrar a dívida bilionária que várias
empresas têm com o INSS, entre outras opções que ele espera que sejam debatidas
no Congresso Nacional.
"Pode-se,
por exemplo, revisar a alíquota da contribuição paga pelos empresários do
agronegócio. Sabemos da importância econômica do setor, mas temos que chamar
esses empresários a contribuir um pouco mais. Hoje, a Previdência rural
arrecada cerca de R$ 7 bilhões e paga algo como R$ 90 bilhões em aposentadorias
e pensões", exemplificou o presidente da Anfip. "Só em 2016, o
governo renunciou a R$ 70 bilhões", acrescentou.
Doutor
em Ciência Econômica e professor da Unicamp, Eduardo Fagnani é taxativo:
"A ideia de déficit na Previdência foi fruto de uma contabilidade
criativa. O orçamento da seguridade social prevê que o trabalhador, o
empregador e o governo contribuam para a manutenção do sistema. A parte do
governo vem de duas contribuições criadas para isso: a Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social Sobre o
Lucro Líquido (CSLL)".
Em
2015, ano em que a arrecadação da Receita Federal caiu devido à crise econômica,
as empresas pagaram menos tributos. Contabilizadas indiscriminadamente, a CSLL
e o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ) totalizaram R$ 183,5 bilhões
(queda real de 13,82% em comparação com 2014). Já a Cofins, somado ao Programa
de Integração Social (PIS), alcançou R$ 266,4 milhões (queda de 4,9%).
Fagnani
reconhece que, na chamada Previdência Rural, o montante recolhido é inferior ao
total pago em benefícios, mas chama a atenção para o caráter especial da
aposentadoria rural. "Se a Previdência é parte da seguridade social e o
orçamento desta é maior justamente para assegurar o direito de todo trabalhador
à saúde, à assistência e à previdência social, o suposto déficit poderia ser
coberto com parte dos R$ 202 bilhões arrecadados em 2015 com a Cofins. Ou com
parte dos R$ 62 bilhões arrecadados com a Contribuição sobre o Lucro. "Se
há fontes de financiamento para cobrir a diferença, não podemos chamar de
déficit", disse.
Para
o mestre em Economia, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) e
diretor do sindicato dos Economistas do Estado de São Paulo, Odilon Guedes, diz
que não há, atualmente, déficit na Previdência, apesar do aumento do desemprego
no país.
"Precisamos
debater a questão do envelhecimento populacional, da maior longevidade e queda
na taxa de fecundidade. Mas esse é um debate que pode ser feito com calma.
Precisamos que todas as receitas e despesas do sistema de seguridade social
sejam divulgadas e esclarecer o que é da conta da Previdência e o que é da
seguridade. Hoje, pelo que se sabe, o governo arrecada mais do que gasta com a
seguridade como um todo, mas tira dezenas de bilhões por meio da DRU
[Desvinculação das Receitas da União] para pagar juros da dívida pública. Além
disso, há a questão das desonerações do pagamento da Previdência para as
empresas e da dívida ativa".
A
professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Denise Gentil, também recusa o argumento de que a Previdência é
deficitária. "Essa reforma não é necessária. É dito que os gastos
aumentaram descontroladamente, mas não em quanto a arrecadação caiu por meio de
renúncias tributárias. Só em 2015, a União deixou de receber mais de R$ 157
bilhões que deveriam ter ido para a Previdência Social. Além da renúncia,
sucessivos governos vêm desvinculando as receitas, retirando recursos do
sistema de seguridade. Em 2017, isso pode chegar a R$ 120 bilhões. Para não
falarmos nas dívidas previdenciárias das empresas, que, já em 2015,
ultrapassava os R$ 350 bilhões".
Para
Denise Gentil, discutir a reforma da Previdência em meio a uma recessão é
sacrificar os trabalhadores e melhor seria estimular a produtividade. "Uma
política macroeconômica recessiva que desempregue e derrube salários é mais
prejudicial para o sistema previdenciário que as questões demográficas. Neste
cenário, a arrecadação da Previdência certamente cai. Ao contrário de um
cenário onde, sendo os jovens minoria no mercado de trabalho, haja ganho de
produtividade, elevação dos ganhos individuais e, portanto, da
arrecadação".
Governo
Em
sua página na internet, a Secretaria da Previdência Social explica que os
recursos para o Regime Geral da Previdência Social não provêm só da Cofins e da
CSLL, mas também de parte da contribuição sobre a renda líquida dos concursos
de prognósticos (sorteios e loterias), além das contribuições sobre a folha de
salários dos trabalhadores, pagas pelo empregador e pelo empregado. Ainda
segundo a pasta, o chamado déficit no regime geral "é a simples diferença
entre o que é arrecadado mensalmente e o montante usado para pagar os
benefícios previdenciários".
O
regime geral é a repartição simples (quem está na ativa sustenta o benefício de
quem já cumpriu as exigências para deixar o mercado de trabalho).
"A
Previdência Social precisa adaptar-se à nova realidade demográfica brasileira
para que a atual geração em idade ativa e as próximas que a sucederão tenham a
garantia de sua aposentadoria. O perfil da sociedade brasileira vem mudando
rapidamente, com o aumento da expectativa de vida e diminuição da fecundidade,
o que altera a proporção de ativos e inativos no mercado de trabalho",
argumenta a secretaria.
As
receitas da Previdência não pagam somente aposentadorias e pensões, mas também
benefícios como auxílio-doença e acidente e salários-maternidade e família.
Alex
Rodrigues - Repórter da Agência Brasil
http://www.brasil247.com/pt/247/seudinheiro/270012/Especialistas-apontam-alternativas-%C3%A0-reforma-da-Previd%C3%AAncia.htm
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