Agora
é a Odebrecht, mas outras dez empresas brasileiras estão sendo investigadas por
autoridades americanas. Entre elas a Petrobrás, a Eletronuclear e outras
grandes empreiteiras. Como a Odebrecht, que pagará multa de R$ 1,3 milhões aos
Estados Unidos e à Suíça (mais R$ 5,3 milhões no Brasil), elas também foram
sangradas pela Lava Jato e ainda têm muito o que sangrar em acordos de leniência
para se livrar de processos que só foram possíveis graças à cooperação dos
procuradores brasileiros com as autoridades estrangeiras, realizada em
desacordo com as normas da cooperação jurídica internacional, atropelando a
autoridade central, que é o Ministério da Justiça e ferindo a soberania
nacional.
Num
tempo em que o sentido real dos fatos é sempre distorcido, o que ouvimos agora
são aplausos à “competência” americana ao deslindar as ações ilícitas
internacionais da Odebrecht e da Braskem. Em algum futuro, Rodrigo Janot,
Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato poderão responder por estas ações
contra o interesse nacional. Por crime de lesa-pátria, na definição do deputado
Paulo Pimenta, que já prepara medidas jurídicas neste sentido.
É
preciso porém dizer que os procuradores foram tão longe na relação bilateral
com autoridades estrangeiras porque o governo Dilma, para não se indispor com a
Lava Jato, deixou o barco correr.
A
cooperação internacional sempre existiu, mas é uma instituição recente no que
tange ao combate à corrupção, ao crime organizado e à recuperação de ativos
desviados. Foi no primeiro governo Lula que o então ministro da Justiça Marcio
Thomas Bastos começou a tomar providências para inserir o Brasil no sistema de
cooperação, criando o DRCI – Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Jurídica Internacional, ligado à pasta. A cooperação internacional pressupõe a
existência, em cada país, de uma “autoridade central”, que no caso do Brasil é
o ministério da Justiça, com apoio do DRCI. O órgão recuperou, por exemplo,
recursos desviados por Paulo Maluf e Jorgina Mattos. Mas não foi assim que aconteceu a cooperação
da Lava Jato com o Departamento de Justiça americano, o DOJ. Foi uma relação direta, com oferta de
delatores e entrega de documentos contra empresas brasileiras.
A
“autoridade central” foi sumariamente atropelada, embora o site do Ministério
da Justiça defina muito bem sua importância na cooperação internacional, quando
diz: “A Autoridade Central é o órgão responsável pela boa condução da
cooperação jurídica internacional. No Brasil, o Ministério da Justiça exerce
essa função para a maioria dos acordos internacionais em vigor, por meio do
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da
Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania (DRCI/SNJ). A Autoridade Central é
um conceito consagrado no Direito Internacional e visa a determinar um ponto
unificado de contato para a tramitação dos pedidos de cooperação jurídica
internacional, com vistas à efetividade e à celeridade desses pedidos. A
principal função da Autoridade Central é buscar maior celeridade e efetividade
aos pedidos de cooperação jurídica internacional penal ou civis. Para isso,
recebe, analisa, adequa, transmite e acompanha o cumprimento dos pedidos junto
às autoridades estrangeiras. Essa análise leva em conta a legislação nacional e
os tratados vigentes, bem como normativos, práticas e costumes nacionais e
internacionais”. Mas a Lava Jato fez
como quis.
A
ofensiva da Lava Jata contra a Petrobrás, a Eletronuclear e outros empreiteiras
brasileiras pareceu, no início, decorrência inevitável da mais ousada
iniciativa de combate à corrupção, numa quadra em que a população já vinha de
uma longa indigestão com os sucessivos escândalos. A Petrobrás foi massacrada,
as empreiteiras demitiram milhares de pessoas, perderam grandes obras dentro e
fora do Brasil, projetos importantes foram interrompidos. Inclusive, para
desgosto dos militares, o do submarino nuclear, que envolvia a Odebrecht. Havia
também o propósito, alcançado este ano,
de contribuir para o impeachment da ex-presidente Dilma. O golpe passou
mas a Lava Jato seguiu seu curso e a cooperação com os estrangeiros avançou. Há
cerca de um mês, soube-se que dois delatores haviam firmado acordos para
colaborar com as investigações americanas.
Tudo
parece ter começado em fevereiro de 2015, quando Rodrigo Janot foi aos Estados
Unidos com um grupo de procuradores e tiveram os primeiros contatos com vistas
à cooperação. As coisas não se passavam de forma ortodoxa, disseram alguns
observadores, solenemente ignorados. Os procuradores, e não o Ministério da
Justiça, é que estavam dialogando com outro país sobre empresas brasileiras,
inclusive sobre a maior empresa estatal do pais, sem a participação do
Ministério da Justiça, do Itamaraty ou da AGU.
Mas, se o próprio governo (Dilma), em nome do Estado brasileiro, nada
estranhava, quem poderia se opor?
Logo
depois da viagem de Janot, a Lava Jato arrancou uma delação contra o almirante
Othon Luiz Pereira da Silva, presidente da Eletronuclear, considerado o pai do
programa nuclear brasileiro. Em segjuida ele foi preso na Operação
Radioatividade, por fatos relacionados com a construção da usina de Angra III,
não relacionado com o esquema da Petrobrás, que tem Moro como juiz responsável.
Angra III hoje é um projeto condenado pela crise econômica e pelo escândalo.
O
Brasil, de potência emergente e líder sul-americano, voltou a ser um país
bananeiro. As grandes empresas de infraestrutura estão em frangalhos. A
economia, na UTI. A projeção internacional do país, obtida na Era Lula,
esmaeceu completamente. O governo Temer solicitamente atende aos interesses do
capital financeiro hegemônico, “aproveitando a impopularidade” para tomar
medidas impopulares, socialmente regressivas. E a principal liderança do campo
da esquerda, Lula, está sob o fogo da Lava Jato, para que não seja
candidato. Para os interesses
geopolíticos americanos, fatura praticamente liquidada. Para o Brasil, Game
Over.
Durante
a ditadura, por muito tempo foi dada como lenda a participação americana no
golpe de 1964. Até que vieram documentos comprovando a participação do
embaixador Lincoln Gordon nas conspirações golpistas e o deslocamento, para o
Caribe, de uma esquadra que, se fosse preciso, invadiria o Brasil para socorrer
os golpistas. Num certo futuro, talvez
saberemos também, e documentalmente, como se deu a cooperação da Lava Jato com
forças estrangeiras, enquanto boa parte dos brasileiros festejavam o combate à
corrupção, a destruição das empresas, a prisão de políticos e a falência da
democracia representativa. Neste momento, as palmas são para a eficiência do
FMI, ao estimar exatamente o gasto da Odebrecht (US$ 1 bilhão) com o pagamento
de propinas em 12 ´países. Entre estes, não figuram nem os Estados Unidos nem a
Suiça mas eles ficaram com 20% do valor total da multa a ser paga pela
Odebrecht. Por que mesmo? Porque o dinheiro ilícito teria transitado por instituições financeiras dos dois países,
é o que se diz.
http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/271840/A-Lava-Jato-e-o-Tio-Sam.htm
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