Para
o advogado e procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São
Paulo Roberto Tardelli, o pacote anticorrupção do Ministério Público Federal
inaugurará a República dos Delatores, "ou então a República dos
Reportantes – e estão mais do que lançadas as bases para o país mais perigoso
do mundo para se viver. Está feito o serviço sujo a que nem os militares se sujeitaram",
afirma; Tardelli diz estar "aliviado" por não fazer mais parte do
órgão que "que conspirou contra a democracia, que trouxe o terror de
estado, o medo institucional, que transformou esse país em um lugar em que
canalhas serão celebrados como heróis"
Jornal GGN - O
pacote anticorrupção do Ministério Público Federal criará uma comissão para
receber denúncias de corrupção, inaugurando a República dos Delatores. A
opinião é de Roberto Tardelli, advogado e procurador de Justiça aposentado, que
afirma que a ditadura chegou aos braços do MPF, justamente quem tem o dever
constitucional de lutar pela democracia.
Tardelli
diz estar “aliviado” por não fazer mais parte do órgão que “ que conspirou
contra a democracia, que trouxe o terror de estado, o medo institucional, que
transformou esse país em um lugar em que canalhas serão celebrados como
heróis”.
Leia
o artigo completo abaixo:
Do
Justificando
A
história marcará o Ministério Público como quem trouxe o terror institucional
Roberto
Tardelli
Advogado
e Procurador de Justiça aposentado
Tempos
de horrores e de morte do estado Democrático de Direito. Tempos sombrios, eu
era criança quando surgiu o AI-5 e já era um promotor de justiça quando ele se
foi, sem deixar – imaginávamos – saudades.
Deixou
saudades e deixou marcas. Uma delas é o pacote anticorrupção do Ministério
Público Federal, que, dentre outras vergonhas contemporâneas, cria a Comissão
para recebimento de denúncias de corrupção, uma espécie de Gestapo, para
acossar em nome da moralidade.
Está
inaugurada a República dos Delatores – ou então a República dos Reportantes – e
estão mais do que lançadas as bases para o país mais perigoso do mundo para se
viver. Está feito o serviço sujo a que nem os militares se sujeitaram.
Brasil,
o País do Medo. O País da Comissão que vai desmoralizar, constranger, achacar,
pressionar, anular, humilhar, expor os inconvenientes. No mais sombrio período
stalinista, havia essas comissões no Partido Comunista, que se espalharam pelos
países do leste europeu. Era a submissão ou a exclusão, as opções que essas
comissões davam.
A
Ditadura chegou nos braços do Ministério Público. Chegou nas mãos de quem tem o
compromisso constitucionalmente posto de lutar pela democracia. Veio nas mãos
do Ministério Público, que fique claro isso, que fique claro que as pessoas que
saíram ingenuamente às ruas pedindo adesão a um abaixo-assinado que não
compreendiam foram enganadas, foram traídas.
Elas
queriam apenas que alguém combatesse a corrupção que nos inferniza – ou que nos
foi posto goela abaixo que nos inferniza mais que o fosso da desigualdade
econômica – e obtiveram uma tirania, uma ditadura em que não mais existe um
ditador, personalista e egocêntrico, mas incontáveis pequenos tiranos, egóicos
e narcísicos, que vão destilar arbítrio por onde passarem.
Não
serão todos os promotores nem todos os procuradores, apenas os mais
proeminentes, apenas o que se acham cheios de brilho, apenas os que vão
comandar os destinos do Ministério Público, explicita ou nas sombras da
floresta obscura do Poder.
Os
que não suportarem serão perseguidos; antes, serão desmoralizados. Depois,
perseguidos, serão punidos; a ira santa irá queimá-los nos corredores. A fúria
purificadora dos samurais irá estimular a deduragem, o denuncismo, irá estimular
que se poderá ganhar uma grana a mais, que para ganhar uma grana a mais,
bastará denunciar, bastará denunciar como se estivesse em uma pescaria, uma
hora o peixe da recompensa pelo dedurismo vai chegar e o carro será trocado. É
uma canalhice jurídica sem tamanho.
O
dedo-duro recebe nome de ficção científica: reportante. Vale repetir, esse será
o mau caráter do Séc. XXI, protegido por lei, o primeiro canalha a ser
protegido por lei, o reportante, o canalha intocável, intangível, superior aos
que não foram canalhas. A canalhice será virtuosa, se for em nome do Bem; se os
canalhas se proliferarem, todos reportarão todos e quem quiser um esparadrapo
em um posto de saúde haverá de suplicar de joelhos por isso.
Digo
aliviado: não mais pertenço aos quadros da Instituição que traiu o país, o
povo, a democracia, que conspirou contra a democracia, que trouxe o terror de
estado, o medo institucional, que transformou esse país em um lugar em que
canalhas serão celebrados como heróis.
Os
indesejáveis e os inconvenientes vão sentir a perseguição
Não
haverá privacidade, intimidade a ser respeitada, eis que o interesse público
será superior a tudo isso e o telefone será a corda que envolverá o pescoço e a
tecnologia, maravilhosa para libertar, será usada para oprimir. O Grande Irmão
está na aristocracia do serviço público.
O
amigo, a amiga está se divertindo com a delação premiada, que todos os dias
anima o Jornal Nacional e alimenta a VEJA? Pois bem, a maioria de vocês nem faz
idéia do que seja, nunca viu essa banda tocar, mas gosta e se deleita vendo
gente ser presa, político é tudo ladrão.
O
que você não sabe é que a delação é um acordo, um negócio, que pode ser
extremamente lucrativo se for feito com uma dose mínima de pragmatismo
bilateral.
Esse
acordo, my friends, é feito sem que se conheçam as tratativas, muito embora
versem sobre dinheiro público, ninguém, salvo os diretamente envolvidos, sabem
o que rola nas conversas, o que é prometido, o que é incluído e o que é tirado.
A prisão é um horror e a delação é a chave da cadeia. Não há nenhum registro de
como se operam essas delações, essas conversas. O nome disso é Justiça
Negocial, isso, a Justiça vira uma mercadoria a ser transacionada, vendida,
trocada, vira um carrinho usado, posto num feirão de domingo.
O
Ministério Público é o dono do armazém, onde se barganham informações, penas,
em outro nome legal pra coisa, plea bargain, que nos habituamos a ver nos
filmes americanos e que se tornou a pior experiência jurisdicional do mundo
ocidental. Por quê? Porque nossos Bravos Rapazes Americanos são líderes em
prisões e nem por isso diminuiu-se a criminalidade por lá.
Parece
um pesadelo. Não é. Aos amigos e amigas, digo honestamente que a democracia
sofreu o mais duro golpe dos últimos trinta anos, ou mais até. Democracia que
amanhecerá bem menor, amanhecerá quase morta, olhando pra gente, com o olho que
sobrou, pedindo socorro. Socorro.
O
estado, desgraçadamente, é muito grave
Roberto
Tardelli é Advogado Sócio da Banca Tardelli, Giacon e Conway. Procurador de
Justiça do MPSP Aposentado.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/267514/%E2%80%9CMPF-ser%C3%A1-marcado-como-quem-trouxe-o-terror-institucional%E2%80%9D.htm
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