A
invasão policial à Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra ( MST) e a autorização judicial para uso de
técnicas de tortura a fim de forçar a desocupação de escolas no Distrito
Federal são alguns exemplos do Estado de exceção em curso no país. O jurista
Pedro Serrano, a presidenta da União Nacional dos Estudantes ( UNE) Carina
Vitral e Joaquim Piñero, do MST, debateram o tema nesta sexta-feira (11), na
sede do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo.
A
repressão aos movimentos sociais, segundo os debatedores, escancara a mão de
ferro do golpe que destituiu Dilma Rousseff da presidência. Para Serrano,
estudioso do fenômeno golpista na América Latina, as ferramentas do Estado de
exceção tem sido usadas no interior da democracia. “O que ocorre é uma fraude”,
aponta. “Utiliza-se as autoridades e as estruturas democráticas, com a
legitimidade inerente a elas, para fraudar a democracia. É dar aparência de
legalidade para encobrir algo que é ilegal”.
O
Estado de exceção, explica o professor de Direito Constitucional na PUC-SP, não
é necessariamente o nazifascismo da época da segunda guerra mundial, mas sim um
paradigma. “Falar em Estado de exceção é falar da suspensão dos direitos para o
combate ao inimigo. Isso ocorreu em diversos momentos da história e o discurso
é sempre o mesmo: de que é algo temporário, provisório, por mais permanente que
seja a intenção”.
O
paralelo com o governo Temer é inevitável. Desde que assumiu o poder, o
peemedebista não apenas vem impondo medidas antipopulares e de regressão
social, mas também tem usado o que Serrano descreve como “aparato brutal de
violência estatal e de supressão das liberdades públicas”. A criminalização dos
movimentos sociais é parte desse pacote de “elementos caóticos”. A tendência,
alerta o estudioso, é o Estado de exceção se expandir até atingir o ápice desse
caos.
O ataque ao
MST
O
episódio da invasão policial, à bala e sem mandado, no centro de educação e
formação do MST em Guararema (SP), ocorrido no dia 4 de novembro, ilustra bem a
face ditatorial da “fraude” golpista. “Sabemos que essa ação é parte do golpe”,
explica Piñero, integrante da coordenação nacional do MST. “Muitos de nós
entendem o caso como mais um balão de ensaio, similar ao que foi feito na
condução coercitiva de Lula pela Operação Lava Jato. Não temos dúvida de que é
parte desse processo”, diz. De acordo com ele, os atores por trás deste processo
incluem, além do juiz Sérgio Moro, o Ministério Público Federal, o governo
federal e a grande mídia.
Apesar
da intenção clara, Piñero remonta ao ano de 2015 para explicar a ação policial
que ocorreu em Guararema, em Sidrolândia (MS) e no Paraná. “O MST ocupou uma
fazenda emblemática no Paraná ano passado, onde funcionava a empresa madeireira
Araupel. A fazenda é considerado irregular pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ocupamos aquela terra para pressionar os
poderes constituídos a aplicarem a lei, que é a nossa tarefa. Esses
trabalhadores foram perseguidos e investigados. Recentemente, expediu-se um
mandado de busca e apreensão de 14 companheiros nossos que estavam na ocupação.
A polícia sabia que alguns desses companheiros estariam nas nossas escolas e
por isso armaram a operação”.
O
episódio da Escola Nacional Florestan Fernandes, entretanto, foi classificado
por Piñero como o mais truculento. “Os policiais chegaram às 8h da manhã, sem
mandado e, sem autorização para entrar, o fizeram à força. Estávamos com
dezenas de estudantes de 34 países, realizando cursos de artes e cultura. Uma
feliz coincidência que esses estrangeiros e a nossa direção estivessem
presentes, pois sem eles certamente haveria mais agressões e hostilidade”.
O
que ajudou a conter a brutalidade da ação, na opinião do coordenador do MST,
foram as denúncias rápidas do que estava acontecendo. As mídias alternativas,
segundo ele, foram fundamentais para isso. Enquanto a Mídia Ninja transmitiu ao
vivo em vídeo com mais de 170 mil visualizações, os grandes meios de
comunicação calaram sobre o episódio.
Onde
há injustiça, há resistência
A
juventude tem conquistado protagonismo ao ocupar centenas de escolas no país e
resistir contra a terra arrasada que o governo Temer pretende impor em diversas
áreas e, em especial, na educação. “A juventude brasileira, hoje, é empoderada.
Fazemos assembleia nas ocupações. Contraditoriamente, é o novo e antigo
movimento estudantil presente”, avalia Carina Vitral, presidenta da UNE. “A
juventude sabe que seus direitos estão em jogo e escorrendo pelos dedos. Por
isso a luta e, também por isso, a repressão”.
A
autorização judicial para o emprego de técnicas de tortura contra ocupação de
escolas no DF, segundo ela, é um exemplo grotesco do Estado de exceção. Mas não
para por aí. O governo federal quer cobrar da UNE e da União Brasileira de
Estudantes Secundaristas (Ubes) os prejuízos financeiros em relação ao
adiamento da aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
“Falar em Estado de exceção é falar da
suspensão dos direitos para o combate ao inimigo. Isso ocorreu em diversos
momentos da história e o discurso é sempre o mesmo: de que é algo temporário,
provisório, por mais permanente que seja a intenção” – Pedro Serrano, jurista
“Quem
foi que adiou o ENEM? Foi o Ministério da Educação, numa ação precipitada. Uma
semana antes do Enem, teve segundo turno das eleições municipais e, através do
diálogo e graças à maturidade desta jovem geração, foi garantido o uso do
espaço de escolas para todos os processos eleitorais”, rebate. “Os alunos
ocupados são os principais interessados em que o Enem ocorra, até porque sabem
que pode ter sido o último. Com a PEC 55, não se faz prova para mais de 8
milhões de estudantes, com inscrição a R$ 60 e isenção de taxa para estudantes
de baixa renda”.
A
perseguição ao movimento estudantil, sublinha Carina, está diretamente
relacionada aos ataques do governo ilegítimo contra o MST. “A agenda imposta
por Temer e expressa no programa Ponte Para o Futuro não passaria pelas urnas e
pelo crivo do povo brasileiro. Por isso está sendo levado a cabo a partir do
golpe. E eles sabem que, se há recrudescimento no trato com o povo, há
resistência por parte dos movimentos”, diz. “Se há parte da esquerda que
subestima o movimento social, a direita não subestima. Por isso a assertividade
e a intensificação da repressão aos movimentos sociais”.
“Se há parte da esquerda que subestima o
movimento social, a direita não subestima. Por isso a assertividade e a
intensificação da repressão aos movimentos sociais” – Carina Vitral, presidente
da UNE
Sobre
a CPI da UNE, Carina conta que as 200 assinaturas necessárias saíram logo após
ela e outros integrantes da entidade iniciarem uma petição popular pela
cassação de Eduardo Cunha. Os argumentos da CPI, explica, são
inconstitucionais, já que a Une é uma entidade de interesse público mas de caráter
privado, o que excede a competência do Congresso.
“O
primeiro ato da ditadura militar foi incendiar a sede da UNE, que já havia sido
metralhada, dias antes, por movimentos anticomunistas. Algo como os ‘MBL
[Movimento Brasil Livre] da época’”. Segunda ela, o plano de fundo de uma CPI é
impedir a reconstrução dessa sede na Praia do Flamengo, que é um objetivo
antigo da entidade. “Não subestimemos a repressão ao MST e à UNE. Para eles,
não basta surrupiar o poder sem passar pelas urnas. Querem nos dizimar.
Precisamos nos apoiar”, finaliza.
http://www.pt.org.br/criminalizacao-de-movimentos-sociais-escancara-estado-de-excecao/
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