Numa
conjuntura em que apenas malandros profissionais têm motivo real para falar em
recuperação da economia brasileira num horizonte visível, o anuncio de que a
equipe econômica planeja esvaziar o Banco do Brasil com o fechamento de 400
agências e dispensar até 18 000 funcionários em 2017 é a mais recente prova de
irresponsabilidade do governo Temer.
Nunca
será demasiado recordar o drama humanitário provocado pela demissão em massa de
milhares de trabalhadores num período de crise e desemprego recorde. Trata-se
de um sinal político deprimente, agravado pelo fato de que se trata de uma
decisão de governo, que tem a obrigação, ao menos em teoria, de zelar pelo
bem-estar dos brasileiros, em particular trabalhadores e a população mais
pobre. A combatividade dos funcionários do BB, mais antiga instituição
financeira do país, com um espírito de luta reconhecido inclusive durante o regime
militar, nunca deve ser desprezado. O pacote de demissões e fechamento de
agências equivale a ceder uma fatia sempre preciosa do mercado bancário ao
setor privado.
A
discussão sobre o pacote é mais relevante do que isso, porém. Envolve o
presente e o futuro de cada um dos mais de 200 milhões de brasileiros,
mergulhados nas perspectivas sombrias de uma depressão que já é a mais grave
registrada pelos arquivos oficiais. Desse ponto de vista, o enfraquecimento do
Banco do Brasil é uma tentativa de cortar pela raiz um dos instrumentos
necessários para a reconstrução da economia brasileira, tarefa que é sempre
útil encarar sem preconceitos nem cacoetes ideológicos, ainda que seja
impossível enxergar quando isso irá ocorrer.
Já
em 1940, chefe de governo de um país que saiu da crise de 1929 em posição
econômica e social muito mais confortável do que no período anterior, Getúlio
Vargas reconhecia na expansão do Banco do Brasil um papel importante no
desenvolvimento. "A disseminação das agencias do BB para dar ao crédito
expansão crescente, constitui prova flagrante de que, pela primeira vez depois
de implantado o regime republicano, o Brasil pratica uma política de
financiamento executada em proveito das forças que promovem o desenvolvimento
da economia nacional."
No
governo Itamar Franco, a estrutura do Banco do Brasil foi esqueleto para a
campanha contra a Fome e a Miséria, bisavó do programa Bolsa Família. No país
de hoje, as linhas de crédito para a agricultura familiar do Plano Safra --
alvo das denuncias sem pé nem cabeça do impeachment -- garantem a alimentação
de boa parte da população
Num
estudo penetrante sobre a década passada, quando o país enfrentou com sucesso a
crise dos derivativos, dois professores da UFRJ, Elena Soihet e Cesar Murilo
Nogueira Cabral, fazem uma observação pertinente sobre o assunto. Lembram que
"o sistema bancário não é neutro. Ao contrário, desempenha um papel
crucial na determinação da capacidade de uma nação crescer e prosperar numa
situação de crise."
A
partir dos estudos já clássicos de John Maynard Keynes, há pelo menos 80 anos a
humanidade aprendeu que os bancos públicos podem ser de utilidade extrema para
enfrentar uma situação de crise avassalador. Minimizado pelos fanáticos menos
cultos do Estado mínimo, o papel positivo que as empresas estatais -- onde
bancos públicos têm um lugar essencial -- podem jogar na recuperação econômica
foi reconhecido, em 2012, pela Economist, revista inglesa que é a bíblia do
mercado financeiro mundial.
Numa
reportagem de capa intitulada "A ascensão do capitalismo estatal," a
publicação sublinhava o rápido crescimento da China e seus efeitos sobre a a
economia mundial, lembrando a permanente associação do Estado chinês com a
economia -- inclusive com o setor privado. Lembrando que não se tratava de um
evento novo, a revista recordava uma lição sempre útil nos dias de hoje:
"potencias em ascensão sempre recorreram ao Estado para um crescimento
rápido: pense no Japão e na Coréia do Sul no pós guerra de 1950, na Alemanha em
1870, nos Estados Unidos após a Guerra de Independência."
No
texto "Crise de 2008 e o papel determinante dos bancos públicos na
recuperação da economia brasileira", Elena Soihet e Cesar Murilo Nogueira
Cabral fazem uma boa síntese do papel dos bancos público no combate a crise.
Disponível na internet, o artigo é ilustrativo sobre o papel oposto que
instituições públicas e privadas desempenharam naquela conjuntura. Você pode
achar que é preconceito deste blogueiro, mas a conclusão é fácil de enxergar.
Enquanto os bancos privados ficaram de olho para ver o que acontecia,
preservando suas reservas a qualquer custo, o setor público atuava na direção
contrária e passou a ocupar uma fatia do mercado superior à dos bancos privados
-- posição que é a verdadeira razão para entender por que os economistas do
Estado Mínimo tenham um cuidado especial em demonizar a política do período em
todas as oportunidades que surgem.
Obedecendo
a uma orientação política do governo Lula e do ministro da Fazenda Guido
Mantega, foram para cima da clientela e conquistaram mercados, numa estratégia
simples e direta. Numa conjuntura em que de um ano para outro a inadimplência
crescia 48% (em 2008) e 18,8 % (em 2009), foram atrás de clientes abandonados
pelo setor privado. O Banco do Brasil cresceu 31,5%, a Caixa Econômica, 51,4% e
o BNDES deu um salto de 140%. Em média, o setor público deu um salto de 66,7%,
para assumir 49,5% do crédito disponível Os bancos privados, enquanto isso,
caíram de 63,5% para 49,2%.
Essa
redução ocorreu num período em que, para estimular o setor privado, o Banco
Central liberou uma bolada fantástica de R$ 99,7 bilhões dos chamados depósitos
compulsórios. Pouco adiantou. Mesmo autorizados a emprestar, preferiam ficar
com montanhas de dinheiro em caixa. Nos anos de vacas gordas, o crédito privado
chegou a crescer 25% ao ano. Caiu para 10% nos tempos difíceis. Mesmo perdendo
terreno, o setor privado não tomou iniciativas para atrair novos clientes, como
diminuir a taxa de spread, que é a diferença entre aquilo que um banco paga
pelo dinheiro depositado e aquilo que recebe pelo dinheiro que empresta.
Num
comportamento que representava uma dificuldade óbvia para a conquista de novos
clientes, os bancos públicos sempre cobraram, ao longo da história, um spread
inacreditavelmente mais alto do que os privados. A diferença se inverteu
durante crise. Em 2009, o spread do setor público era 20% inferior ao do
privado. Outro dado refere-se a lucratividade das instituições. Mesmo perdendo
terreno e clientes, o que deveria ser ruim para o resultado final, em 2009 a
margem do setor privado era de 14,3%, contra 8,2% para o setor público.
Um
ponto curioso é que, naquele período, o atual ministro da Fazenda Henrique
Meirelles se encontrava no segundo posto da área econômica, a presidência do
Banco Central. Analisando a atuação de Meirelles naquela época, Elena Soihet e
Cesar Cabral registram um fato notável. Depois de iniciar uma alta nos juros
com o argumento de que era preciso conter ameaças inflacionárias "o Banco
Central não reduziu a Selic mesmo com agravamento do cenário internacional a
partir de agosto de 2008. Houve repetidos aumentos da meta da taxa de juros ao
longo do ano 2008. Entre 24/07/2008 a10/09/2008 a Selic situava- se em 13,00% e
no auge da crise, durante o período de 11/09/2008 até 21/01/2009, o Comitê de
Política Monetária(COPOM) aumentou a Selic para 13,75%." Depois disso, a
Selic iniciou uma queda, situando-se em 8,75%, que se manteve ao longo de 2010.
Para
muitos economistas, como Luiz Gonzaga Belluzzo, o estrago já estava feito -- e
a oportunidade perdida naquele momento favorável está na origem dos
desequilíbrios e dificuldades de maior porte que a economia brasileira
enfrentaria nos anos seguintes.
É
possível concordar ou não com essa visão. Não há como negar, no entanto, a
importância dos bancos para abrir a porta de saída da crise.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/266576/Ataque-ao-BB-amea%C3%A7a-o-pa%C3%ADs-inteiro.htm
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