Se
o ministro da Cultura, Marcelo Calero, não estivesse na Suíça, a foto oficial
do lançamento do programa Criança Feliz repetiria o que já se tornou rotina na
era Temer: só homens nos principais lugares da cerimônia. A ausência de Calero
foi providencial. Sentada entre o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e o
senador José Medeiros, a interina da Cultura, Mariana Ribas, pôde servir de
cota feminina e evitou que a primeira-dama Marcela Temer, designada “embaixadora”
do programa, aparecesse cercada por engravatados nas imagens.
Trajando
um delicado vestido azul claro com detalhes em renda, Marcela representava ali
o protótipo da “mulher ideal” sob a ótica machista que norteia o governo do
marido. Doce, linda, submissa, disposta a “ajudar” os mais necessitados, mãe e
esposa. Fez inclusive questão de frisar que será um trabalho “voluntário”,
afinal é casada, não precisa de salário. Em pouco mais de três minutos de um
discurso vago e cheio de clichês, a primeira-dama transmitiu a defesa dos
cuidados na primeira infância, assunto do qual se tornou especialista (ela é
advogada de formação) apenas por ter um filho pequeno.
Os
objetivos do programa são ainda mais vagos que o discurso de Marcela,
denunciando que o Criança Feliz foi criado às pressas com a função de alojar a
mulher de Temer. “O programa Criança Feliz atenderá crianças de 0 a 3 anos do
cadastro do Bolsa Família, com a integração de ações de várias áreas, como
saúde, assistência social, educação, justiça e cultura. O objetivo é oferecer
às famílias mais informação e interação com suas crianças, para identificar
oportunidades e riscos ao desenvolvimento infantil”, diz a página oficial do
Palácio do Planalto. O que exatamente isso quer dizer?
Quanta
diferença daquela senhora já passada em anos, grossa, acima do peso,
ex-guerrilheira e mal vestida que ousava, imaginem, governar o país! Agora,
sim, a mulher foi colocada em seu devido lugar, um lugar de onde nunca deveria
ter saído: o de primeira-dama. Ora, como se não fosse uma honra estar ao lado
do presidente da República, inclusive na intimidade. Para que mais, gente? Já
diz o ditado, “atrás de todo grande homem existe uma grande mulher”, não é
mesmo?
Teve
até site de direita comemorando o fato de Marcela ter “escrito o próprio
discurso”. Lógico, é um feito e tanto para uma mulher escrever um texto. Ainda
mais bonita como a primeira-dama. Só faltou pegarem na bochecha da moça e
dizer: “Coisinha fofa, sabe até escrever, gente. Cuti, cuti”. Pobre Marcela.
Será que algum dia, como a princesa Diana que parece inspirá-la, ela irá
descobrir que existem outros mundos onde a mulher não precisa ser um enfeite ao
lado de maridos poderosos?
Desde
a época do império que a mulher exerceu o posto que foi destinado a Marcela,
que ingressa, aos 33 anos, na a galeria das primeiras-damas que se dedicaram ao
lar e ao assistencialismo. Dona Iolanda Costa e Silva era carola; Lucy Geisel
oferecia chás da tarde para as esposas dos militares e controlava a dieta do
marido. Entre as mulheres dos ditadores, Dulce Figueiredo foi a única do
balacobaco: gostava de frequentar as boates mais badaladas do Rio de Janeiro e
de São Paulo. Scila Médici era tão “recatada e do lar” que, em 1969, enviou uma
mensagem louvando o fato de ter sido primeira-dama a vida inteira.
“Sou
e serei sempre o que fui: a esposa de meu marido, duas vezes mãe. Ao longo de
minha vida, não me tem feito maior diferença a função que ele exerce desde que
permitido me seja estar ao seu lado. Minha valia é tão pouca, minha missão é
tão fácil e tão suave. A mim toca fazer-lhe a casa amiga e serena, fazê-lo
sentir-se o homem simples e confiante que sempre foi, fazer o presente
encontrar-se com as raízes de si mesma no amor de nosso lar”, declarou Scila.
Todo um modelo para Marcela Temer.
Com
a volta da democracia, as primeiras-damas se dedicaram a “obras sociais” além
de pajear o marido. Rosane Collor assumiu a presidência da LBA (Legião
Brasileira de Assistência), de onde saiu por denúncias de desvio de verbas
públicas. Mesmo a antropóloga Ruth Cardoso, intelectual de destaque, feminista,
dirigiu um programa social durante os governos do marido, Fernando Henrique, o
Comunidade Solidária. Marisa Lula da Silva não quis, preferiu manter-se
praticamente anônima.
Quando
Dilma Rousseff se tornou a primeira mulher a assumir a presidência, contava
sempre uma história, que tinha encontrado uma menininha chamada Vitória que
queria saber se mulher podia ser presidenta da República. E Dilma respondeu:
“Mulher pode”. Após o golpe que a arrancou do poder, voltamos várias casas.
Agora, essa menininha terá que ouvir que mulher não pode se tornar presidenta
do Brasil senão vem um monte de homem e a derruba. Mulher só pode ser
primeira-dama. Aí sim ela é aplaudida, elogiada e, quem sabe, ganha até presente
do marido.
http://www.socialistamorena.com.br/o-lugar-de-primeira-dama-assistencialista/
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