A
jornalista Eleonora de Lucena publicou, no Facebook, artigo que lhe foi
encomendado pelo jornal argentino Clarín e não publicado porque lhe exigiram
“amenizar” trechos. Especificamente,”não queriam que eu falasse em ‘submissão
aos EUA”, diz ela.
Os
pregoeiros da “liberdade de imprensa” em nosso continente são a favor da livre
expressão do pensamento. Da do deles, é claro.
Republico o
texto de Lucena, ótimo como sempre:
O
julgamento de Dilma Rousseff atropela a democracia e expõe de maneira crua o
embate de interesses antagônicos na América Latina. De um lado, um projeto de
integração regional sem submissão aos Estados Unidos; de outro, a volta das
conhecidas “relações carnais” com o império do Norte.
O
governo de Michel Temer mostra que quer esvaziar o Mercosul. Repetindo ardis
usados internamente no país, manobra para golpear essa construção da união
sul-americana que vai muito além de acertos comerciais.
De
supetão, dá início a uma onda de privatizações, vendendo um naco do pré-sal
brasileiro, onde estão valiosas reservas de petróleo. Tenciona desidratar e
esquartejar a Petrobras, ícone de uma proposta independente de desenvolvimento
e objeto de desejo de companhias estrangeiras.
Temer
anuncia cortes em gastos em saúde, educação e previdência. Planeja desmantelar
conquistas trabalhistas obtidas desde meados do século 20. Almeja transferir
renda dos mais pobres para os mais ricos: projetos sociais serão podados para
garantir o pagamento dos juros estratosféricos pagos à elite.
É
a reedição de um enredo já desenhado no Paraguai e em Honduras: um golpe sem
tanques que corrói as instituições para minar a independência. Num ritual
kafkaniano, políticos acusados de corrupção votam a cassação de uma presidente
que todos reconhecem ser honesta.
Nos
anos 1990, com governos neoliberais, a América Latina experimentou uma
combinação de concentração de renda, desindustrialização, privatizações
selvagens e perda de soberania. A Argentina viveu com radicalidade esse
processo. Nas ruas, o derrotou.
Agora,
as mesmas armações daquele tempo tentam ressuscitar no continente. Aproveitam a
situação adversa na economia e disseminam um discurso de ódio, preconceito e
intolerância. Conquistam, assim, fatias das classes médias, muitas vezes
refratárias à ascensão que os mais pobres obtiveram nos últimos anos.
O
movimento precisa ser entendido dentro da atual crise capitalista e das
mudanças na geopolítica mundial. O capital financeiro busca garantir ganhos na
América Latina. Necessita derrubar barreiras de proteção na região _o que é
mais viável com governos dóceis, também dispostos a vender ativos a preços
baixos.
Enquanto
se atolavam na guerra do Iraque e adjacências, os EUA viram a influência da
China crescer de forma exponencial no continente sul-americano. O petróleo, os
minérios, a água, os mercados internos, as empresas inovadoras _tudo é alvo de
interesse externo.
Nesse
contexto de disputa é que devem ser analisadas as intenções norte-americanas de
instalar bases militares na Argentina _na tríplice fronteira e na Patagônia. O
império volta a se preocupar com o que considera o seu eterno quintal.
O
impeachment de Dilma é peça chave no xadrez de poder da região. Afastar quem não
se submete a interesses dos EUA será uma advertência aos países. O processo,
que deixa as instituições brasileiras em farrapos, demonstra, mais uma vez,
como a voracidade dos mercados e a força imperial são incapazes de conviver com
a democracia.
http://www.tijolaco.com.br/blog/um-golpe-democracia-e-soberania-na-al-por-eleonora-de-lucena-apesar-do-clarin/
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