Todas
as vezes que querem atacar as ideias da esquerda em defesa de mais igualdade e
justiça social, chamam de “populismo”. Pode reparar. Chamavam Leonel Brizola de
“populista”, assim como seu cunhado João Goulart foi criticado como “populista”
ou Lula é hoje chamado de “populista”; Hugo Chávez foi xingado de “populista” e
Bernie Sanders, o pré-candidato à eleição nos EUA que se define como
“socialista”, ouviu o termo “populista” lançado em sua direção. Praticamente
todas as lideranças de esquerda do mundo um dia receberam esta alcunha.
Por
outro lado, o direitista Donald Trump também é tido como “populista”, assim
como o italiano Silvio Berlusconi e um dos líderes do Brexit, o ex-prefeito de
Londres Boris Johnson. O “populismo” de direita, aliás, está em alta em vários
países desenvolvidos, graças ao desalento das classes mais pobres, que se
sentem excluídas pelo processo de globalização. Na Europa e nos EUA, esta
população virou terreno fértil para o discurso xenofóbico da direita
conservadora, exatamente a que recebe o rótulo de “populista”.
De
um modo geral, o “populismo” é visto como nefasto, o que me parece
contraditório em se tratando de supostos defensores da democracia. Ora, se a
democracia é o poder emanando do povo, e o “populismo” seria, em tese, colocar
os interesses do povo em primeiro lugar, qual o problema exatamente com ele?
Mas acontece algo curioso: quando se trata da esquerda, o “populismo” é algo
ainda mais horrendo e abominável, uma verdadeira perversão. Quando é de
direita, o “populismo” é tratado como um mal menor, insignificante, que afeta
“grandes líderes”. Abafa!
O
“populista” britânico Boris Johnson, por exemplo, atualmente está aboletado na
cadeira de ministro das Relações Exteriores da badalada primeira-ministra
Theresa May, saudada por dez entre dez direitistas como a “nova Margaret
Thatcher”. Isso significa que, após liderar a saída do Reino Unido da União
Europeia, Johnson está com seu prestígio na estratosfera, “populista” ou não. O
ex-presidente dos EUA Ronald Reagan é apontado como “populista”, mas a
admiração por ele não pára de crescer entre os reaças e seu “legado” foi
resgatado pelos liberais. Afinal, o “populismo” é mesmo ruim ou só quando é de
esquerda?
O
flerte da direita com o “populismo” vem de priscas eras, já que a história do
nacionalismo muitas vezes se confunde com a sua. Adolf Hitler, líder
nacionalista e “populista” de direita, só se tornou quem se tornou graças ao
apoio milionário dos capitalistas da época. Na Itália, o fascista Benito
Mussolini também foi ajudado pela elite econômica de seu país. Na França de
hoje, Marine Le Pen é uma nacionalista populista e fã declarada de Reagan. Se
algum dia chegar ao poder, será rejeitada pela elite francesa? Duvido. Trump
por acaso está sendo?
Para
Darcy Ribeiro, a ideia de populismo é “uma falsificação” que iludiu inclusive a
esquerda, em suas palavras, mais “ingênua”. “Se criou no Brasil uma geração
intelectual de mulas-sem-cabeça que, desconhecendo o passado, flutua fora da
história. Os mais espertinhos deles inventaram as teorias mais inverossímeis
para explicar nossa realidade e legitimar sua postura. A principal delas é a
teoria do populismo, que descreve os governos que mais lutaram pelos interesses
do povo e do país como irremediavelmente ruins porque, sendo demagógicos e
anti-revolucionários, operariam como sustentadores da ordem vigente. Os
teóricos do populismo não vêem a realidade da história. (…) Trata-se,
evidentemente, de uma falsificação, mas ela foi tão repetida através dos anos,
com tais ares de unanimidade, que ganhou foros de verdade incontestável porque
incontestada”, escreve Darcy no livro Testemunho.
“A
expressão poderia até ser útil se designasse governos essencialmente
demagógicos como os de Ademar de Barros ou Jânio Quadros, que aliciam o voto
popular tudo prometendo em seus discursos, tão-só para uma vez no poder fazer a
política da velha classe. Mas é tão-só um absurdo teórico quando aplicada aos
movimentos populares reformistas e a seus líderes, responsáveis pelas grandes
tentativas registradas em nossa história de reformar as bases institucionais em
que se assenta o poderio das classes dominantes.”
Entenderam?
O problema real com o “populismo” é, na verdade, a demagogia e não o populismo
em si. “Populista” não é automaticamente sinônimo de “demagógico” e pode muito
bem ser sinônimo de democrático. Mas quem são os demagogos pseudopopulistas que
se arvoram em defensores do povo? Os direitistas, claro! “Para uma vez no poder
fazer a política da velha classe”, repito Darcy. Em resumo: o que incomoda no
“populismo” da esquerda é que ele não é demagógico, é de fato contra o status
quo, e não apenas da boca para fora, como faz a direita, de Jânio a Donald
Trump. O populismo que incomoda é aquele que vem diretamente de “popolo” e é
antônimo de “burguesismo”, “riquismo”, “aristocracismo”, “classedominantismo”.
Um perigo.
É
de um cinismo ímpar: o “populismo” como arma de campanha, o que serve para
atrair o povo, ludibriá-lo e engajá-lo nas ideias das classes dominantes, sem
nelas causar qualquer arranhão, é bem visto, é o ideal para as elites: um
populismo de fachada, onde o povo não manda, onde o povo só serve como o ombro
forte para que os privilegiados pisem em cima. Este populismo eu também vou
combater sempre, claro. Mas o “populismo” de quem quer governar com o olhar
voltado para os menos favorecidos, para os que mais necessitam, jamais. Isso aí
para mim é elogio.
http://www.socialistamorena.com.br/qual-o-problema-com-o-populismo-afinal/
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