Gostaria
de escrever um conto fantástico sobre os dons divinatórios de Pieter Bruegel,
dito o Velho, para ser distinguido do seu primogênito, também Pieter, o Jovem.
Extraordinário pintor flamengo do século XVI, autor da obra que ilustra estas
páginas, exposta no Museu de Capodimonte, em Nápoles, e conhecida como Os
Cegos. No meu conto, revelaria que, de verdade, o Velho, batizara seu óleo como
O Brasil, título incompreensível à época, mudado pelos herdeiros do artista
logo após a sua morte, em 1569.
Diz
a biografia do Velho que costumava inventar histórias de terror e fantasmas, a
lhe conferir, isto é certo, uma acesa fantasia. Quanto aos cegos do quadro, são
uma perfeita alegoria do Brasil destes nossos penosos dias, país incapaz de
perceber o destino do brejo.
Cegueira
geral, tanto a daqueles que se supõem espertos quanto a daqueles que não
enxergam mesmo. E o brejo não é pântano, e sim esgoto ao ar livre, como os rios
de São Paulo, a cloaca.
A
casa-grande, certa do êxito do golpe, esmera-se em prepotência, e entrega a
magistrados de naipes diversos e a policiais armados como comandos israelenses
a tarefa outrora reservada a capatazes e jagunços.
O
ex-presidente Lula e o ex-ministro Guido Mantega são personagens neste enredo
de extrema violência, contra a lei, a razão, o senso comum, de sorte a produzir
um fenômeno coletivo de insanidade mental. A casa-grande arroga-se o direito ao
poder ilimitado e não hesita em impor a naturalidade de algo que, se não for
demência, é impecável imitação.
A
casa-grande nos conduz para o desastre, a ponto de justificar a refundação do
País, a redescoberta, e com este intuito trata de eliminar previamente qualquer
obstáculo no caminho. Sergio Moro aceita o indiciamento de Lula, ele próprio
convicto pela convicção do promotor Dallagnol.
O
juiz curitibano gosta de aparecer e não lhe faltam aplausos. Se alguém da
plateia pergunta quando vai prender Lula, ele ri com gosto e certa
condescendência. Com a rombuda arrogância de quem cumpre com garbo o seu papel
a serviço da casa-grande.
Moro,
o camisa-preta, é infatigável. E manda prender o ex-ministro da Fazenda Guido
Mantega, graças a um misterioso depoimento de Eike Batista, para permitir à PF
exibir toda sua capacidade de agir como os janízaros da mais feroz ditadura.
Procurado
em casa, Mantega acabou preso na porta do hospital, onde a mulher está na
iminência de difícil cirurgia, no quadro de uma operação policial de imponência
grotesca. Quando Moro voltou atrás e o ex-ministro foi solto, a demonstração da
truculência robótica dos jagunços contemporâneos já estava exposta.
A
demolição do Partido dos Trabalhadores e do seu líder, como é do conhecimento
até do mundo mineral, é o objetivo, e não parece haver dúvidas de que Moro
cuidará de chegar às últimas consequências.
Detonado
o PT, ou reduzido aos mínimos termos, o governo do golpe se sentirá à vontade
para executar seu programa de loteamento e venda do Brasil: Estado mínimo,
privatizações a granel, cortes profundos dos investimentos sociais, punição do
trabalho, genuflexão ao deus mercado, adesão irrestrita ao neoliberalismo.
Tal
é o plano, já a dar seus primeiros passos. Com o apoio das instituições
falidas, do empresariado rentista, da mídia nativa. Digo evidências, o óbvio
ululante, sugere Nelson Rodrigues. Permito-me incursionar em tal domínio.
Onde
estão os eleitores que se beneficiaram com as políticas sociais do governo
Lula, e de Dilma Rousseff no seu primeiro mandato, quando Mantega era o
ministro da Fazenda? Também eles se confundem no meio do povo retratado pela
alegoria de Bruegel? E até onde funciona a tibieza própria da natureza
verde-amarela?
Disse
em outras ocasiões, e repito: Lula erra ao se dizer perplexo diante da
prepotência dos senhores, na qualidade de corintiano, ao menos ao evocar
reminiscências, deveria entender que a melhor defesa é o ataque.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/09/moro-e-naturalidade-da-demencia.html
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