Dormiam
bem, em suas camas quentes, no país dos sem teto, terra e vez. Por mérito,
podiam ter seus dentes e engoliram 2016. Hipócritas comuns à luz do dia, às
escondidas eram bem mais lobos, compravam a notícia mais macia das vitrines
febris de rede globo. Sua verdade toda poderosa tinha o cheiro de um podre
recorrente e sua acusação religiosa era a fogueira, a cruz e a corrente.
Habituaram-se a tratar por bosta a arte, a ciência e a cultura e exigiam de
Deus, como resposta, os vagabundos numa viatura. E vagabundo era todo mundo que
não fosse um reflexo no espelho, Chico Buarque era vagabundo, vagabunda era a
dama de vermelho, os estudantes, os educadores, os sonhadores de uma ideia
bela, os miseráveis com as suas dores e a Geni, Letícia Sabatella. Então caçaram
os heróis diários, lendários, fatigados e feridos, também filósofos e operários
e todos precisavam ser detidos. Perigosos eram os questionadores, os que
clamavam por justiça isenta, pra não dizer que não falei das flores… olhos
cegados e sprays de pimenta. Odiavam os gays, os comunistas, punks, poetas e os
black power e mandavam pro inferno algum artista nalgum descontraído happy
hour. Seus ídolos, perfeitos e fascistas, muito machos com medo de mulher,
cagavam suas pérolas machistas que seus filhos comiam de colher. Temiam mães
com as mamas de fora e execravam pobres infelizes, levaram a corrupção embora
dando gordos aumentos aos juízes. Seus olhos não sabiam enxergar, mesmo assim,
eram onissapientes, matavam pra não ter que argumentar, felizes, governados por
serpentes.
Havia,
entrementes, mil sementes, plantadas desde sempre e sem lamúrias, pelos solos
do mundo e pelas mentes cientes das angústias e injúrias. Havia gente que
ousava crer, que não há maior lucro que o amor, que a liberdade pode vir a ser,
antes da volta de um “Nosso Senhor”. Havia quem nascesse para a luta, pra
caminhar pra frente como espécie, pra desbancar cada ilusão fajuta, pra dar as
mãos e não mentir em prece. Havia quem soubesse da prisão dos dogmas, das leis
e do normal e quem abrisse a mente e o coração antes de abrir o bolso ao
capital. Havia gente cheia de esperança, que não se acovardava por decretos,
que via um líder em cada criança e justiça no mundo de seus netos. Havia os
descendentes da poesia, havia os crentes na felicidade, libertos dessa
intolerância fria, unos na imperfeição da humanidade. Havia os dissidentes de
um sistema que escravizava os frutos bons da Terra, adeptos de uma
transformação extrema, seguiram pela paz, em meio à guerra. Seus olhos tinham
brilhos diferentes e os diferentes fomos todos um, unimo-nos no belo que há nas
gentes, em amplas frentes pelo bem comum.
Então,
simples assim, de tanto querer bem que a vida deu, ninguém no mundo era menor
que eu e o mal do desamor chegou ao fim, aí fomos irmãos no mesmo lar e havia
liberdade em toda parte, pela luz da ciência e pela arte, na intenção de amar,
amar, amar…
http://cartacampinas.com.br/2016/09/libertacao/
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