Sabia-se
que denunciariam Lula, como tudo farão para vê-lo atrás das grades,
independentemente de provas e da ordem jurídica
A
cidadania e o que resta de consciência jurídica neste país macunaímico, foram
agredidos por três infâmias desde sempre anunciadas, como a morte de Santiago
Nasar que Gabriel Garcia Márquez tornou simbólica em sua novela genial: a
anunciada denúncia dos procuradores contra Lula, sua anunciada recepção por um
juiz irrecuperavelmente suspeito e, finalmente, o esperado despacho do presidente
do Senado Federal, condenando ao arquivo das peças mortas dois pedidos de
impeachment interpostos contra o inefável ministro Gilmar Mendes.
Sabia-se,
sabiam o céu e a terra, que os jovens aprendizes de Torquemada denunciariam
Lula, como tudo farão para vê-lo atrás das grades, independentemente de provas,
independentemente da ordem jurídica, ferida, agredida, desmoralizada dias após
dia.
Denunciariam
porque, para a consolidação do golpe (um golpe em processo) é preciso liquidar,
no mais rigoroso sentido da palavra, o ex-presidente, que insiste em manter-se
à tona; sabíamos, sabiam até as pedras de mármore do STF, que o juiz Sérgio
Moro aceitaria a denúncia.
Sem
precisar lê-la (aceitaria mesmo antes de recebe-la), pois essa era sua missão
(como é amanhã a de condenar, com provas ou sem provas) em todo esse processo
ignominioso, que ficará em nossa História como ficaram para sempre, paradigmas
do horror policial-judicial, os processos stalinistas contra os dissidentes
soviéticos, como ficaram as perseguições e a violência do macarthismo nos EUA
(apoiado no Congresso e aplaudido pela mídia), assim como já faz parte da má
história do Judiciário brasileiro a condenação, pelo STF, de Olga Benário à
deportação e sabidamente às câmeras de gás da Alemanha nazista.
Todas
elas barbaridades perpetradas ‘com amparo da lei’, como o golpe do impeachment,
pois o formalismo jurídico jamais foi instrumento de defesa dos direitos
individuais, da democracia ou das liberdades. Ao contrario, é frequentemente
usado como instrumento de opressão, manipulado pelos senhores da vez.
O
celebrado juiz Sérgio Moro (que se julga ‘eleito pelo Senhor’) atua, em um
mesmo processo, a um só tempo, como policial, investigador, promotor e
julgador, o que, além de injusto para com o acusado, todo e qualquer acusado,
viola tanto a legislação processual quanto a garantia constitucional de
processo justo.
Não
há que se falar em processo justo (e muitos menos legal) se o juiz é injusto. É
a hora de repetir, com a ministra Cármen Lúcia, o seu discurso de posse no
Supremo Tribunal Federal: “Há de se reconhecer que o cidadão não há de estar
satisfeito, hoje, com o Poder Judiciário”. Não, não pode estar satisfeito. Não
sei, porém, se nossas insatisfações têm a mesma raiz.
Convicção
formada
Os
juízes do Tribunal de Segurança do Estado Novo e os juízes das auditorias
militares e do Superior Tribunal Militar da ditadura implantada em 1964, que
condenaram centenas de resistentes, não precisaram de ‘provas’; como aos
promotores de hoje, bastava-lhes naqueles tempos a mera a ‘convicção’.
Chegavam
todos para as sessões com seus votos prontos, convicção firmada.
O
resto, era simplesmente a liturgia. Também não precisavam de provas – elas
seriam obtidas na tortura – os sicários que atuavam nos porões da ditadura, em
dependências das três forças e de todas as polícias estaduais, condenando, para
depois julgar, suas vítimas. Eles também se julgavam ‘eleitos’ para a santa
missão de ‘livrar o Brasil do comunismo materialista’.
A
regra dos Estados autoritários, aqui e agora, como em toda a parte e em todos
os tempos, rotineiramente com a conivência ou mesmo a participação do Poder
Judiciário, como hoje, é sempre a mesma: escolhe-se o inimigo (e a escolha já
implica condenação), decidem-se as penas e depois, ‘julga-se’.
Quem
viveu os ‘anos de chumbo’, quem frequentou uma auditoria militar, quem assistiu
a uma só sessão do STM sabe de que estou falando.
No
caso de Lula, a condenação anunciada (e sabe-se que será condenado pelo juiz
Moro, independentemente de sua defesa e da existência ou não de provas) é
apenas instrumental, contingente, pois o grande objetivo é a condenação na
segunda instância (o Tribunal Regional Federal), já anunciada pela Folha de S.
Paulo do último dia 21, para, assim, alcançada a penalidade da Lei da Ficha
Limpa, inviabilizar sua eventual candidatura em 2018, no que jogam todas as
forças conservadoras deste país.
O
resto é filigrana, ou, em bom português, ‘conversa para boi dormir’, a que se
dedicarão procuradores, juízes e os colunistas da grande imprensa.
Os
novos agentes da velha ordem são movidos pela mesma convicção de que se sentiam
possuídos os juízes da Santa Inquisição que condenaram Giordano Bruno.
Messiânicos,
se atribuem a tarefa, ditada pelos céus, de ‘limpar’ o país da corrupção, e
assim, auto escolhidos cruzados modernos, partem para massacrar os ímpios e os
hereges e o que fizerem será sempre justo porque terão agido, em nome de Deus.
Cumprindo
sua parte num roteiro pré-elaborado, o senador pelas Alagoas (que já nos deu o
velho Teotônio Vilela e nos dá insistentemente Fernando Collor), leu,
balbuciante, claudicante, o texto tatibate que lhe escreveram, para declarar,
sem jamais justificar, o não conhecimento de duas petições justificadas e
fundamentadas, firmadas por uma dúzia de juristas brasileiros e eminentes
professores de direito constitucional, contra o ministro Gilmar Mendes.
Como
todo o país sabe, sabe todo o Senado, sabem todos os ministros do STF e do TSE,
sabem todos os viventes e até o reino mineral, a atuação judicante desse
ministro está comprometida pela sua clara, ostensiva, evidente, inegável
filiação partidária, filiação que não precisa de assinatura de ficha na
secretaria do PSDB, pois se consagra na comunhão fática, programática,
eleitoral e ideológica.
Enfim,
na comunhão de interesses.
Essa
atuação facciosa, além de jamais negada pelo ministro, foi, exaustiva e
documentalmente, demonstrada nas duas peças que o presidente do Senado
desconheceu, sem precisar ler, repito, pois rejeitá-las era seu compromisso de
vida ou de morte.
Aliás,
a rejeição foi previamente anunciada, já antes mesmo do ingresso das peças
jurídicas.
E
como poderia o senador Renan Calheiros dar provimento a esse pedido de sincera
defesa da magistratura, se tem sob seus ombros algo como nove inquéritos e
alguns processos já com denúncia, os quais, em função do foro privilegiado a
que faz jus, serão jugados pelo STF, onde pontifica seu protegido-protetor?
Também
não podia, ainda por força de suas circunstâncias pessoais de eventual réu,
arguir sua própria suspeição em face de processo que poderia atingir um de seus
prováveis julgadores. Não, não podia, pois, cabia-lhe, era sua parte
indescartável nesse jogo de cartas marcadas, tão-só deter no nascedouro
qualquer ameaça à judicatura política de Gilmar Mendes.
Desta
feita, Renan Calheiros não enganou. Procurado para marcar data e hora para o
ingresso de uma das petições, negou-se a receber seus autores. Indicando-lhes o
protocolo do Senado, antecipou, de logo, que determinaria o arquivamento do
pedido, como já o fizera, aliás, com cinco outros.
A
justificativa, comentam seus colegas no cafezinho do Senado, seriam os muitos
favores por ele devidos ao ministro. Agora, talvez, possa dizer, em seu
proveito, que a recíproca é verdadeira.
À
solta, com a imprensa a reverberar suas declarações, entidades de classe de
toda ordem a chamá-lo para palestras sobre tudo, em meio às suas viagens durante
a semana de trabalho (que tempo lhe sobra para a judicatura em dois tribunais
superiores?), o ministro moureja para que o julgamento do pedido de impugnação
das contas da chapa Dilma-Temer, que pode levar à cassação do vice feito
presidente, não prospere. No caso, as atribuições ou tratativas do magistrado
são várias.
Uma
ele já anunciou e reanunciou em suas sucessivas entrevistas; separar a campanha
de Dilma daquela de seu lamentável vice, salvando este dos efeitos da cassação
da chapa na qual foi eleito sem fazer campanha própria e sem ser votado. Por
resguardo e segurança, trata, o ministro, agindo como líder político, de evitar
que o processo prospere ou, pelo menos, que seja julgado ainda neste ano.
A
razão é simples: nos termos da Constituição Federal (Art. 84) haverá eleição
direta (e dela os donos do poder fogem como o diabo da cruz) se a vacância da
presidência, no caso a cassação da chapa eleita em 2014, ocorrer antes do fim
do mandato (1º de janeiro de 2017). Dando-se a vacância depois dessa data, a
eleição do novo Presidente da República far-se-á por eleição indireta, ao
encargo do Congresso.
Nessa
eleição o PSDB, como demonstraram as votações do impeachment de Dilma Rousseff
nas duas Casas, terá todas as condições de eleger um Aécio Neves qualquer, ou,
quem sabe, repetindo 2015 nas eleições para a presidência da Câmara, um Eduardo
Cunha qualquer. O ministro Gilmar está atento e maquinando.
Temer
que se cuide, pois sua garantia vence no final do ano.
A
militante periculosidade do juiz partidário se agrava com a cumulação do papel
de ministro do STF com o de presidente do TSE, máxime em ano eleitoral.
Violência
Chega
a notícia de mais uma arbitrariedade, violência e ilegalidade do sempre impune
juiz Sérgio Moro, determinando, sem justificativa, a prisão, já relaxada, do
ex-ministro Guido Mantega, apanhado em um hospital paulistano quando
acompanhava a cirurgia de sua esposa, vitima de um câncer. Os tolos antes nele
não acreditavam; hoje só os despidos de caráter podem negar a existência de um
Estado autoritário sustentado por uma ‘ditadura constitucional’, a pior delas,
a da toga.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/09/as-tres-infamias-da-operacao-lava-jato.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário