Requião
compara dois PMDBs
O
Conversa Afiada reproduz a transcrição de importante pronunciamento do senador
Requião no Senado, ontem, 3/Agosto.
Requião
compara Sarney e Temer: duas gestões radicalmente opostas do PMDB que revelam
muito
Os
‘donos do poder’ trabalham duro para apagar a verdadeira história e criar a
falsa história. A falsa história iguala os diferentes e separa os iguais. Cria
o vilão perfeito e o herói perfeito. Querem que o cidadão comum – acostumado
com a superficialidade do roteiro maniqueísta criado pelos grupos de
comunicação – perca a capacidade de enxergar as pessoas e interesses reais que
existem na política. Massacrado pela propaganda maniqueísta, o cidadão fica
horrorizado com o poder emancipatório do espelho tão humanamente imperfeito da
sociabilidade política. Porém, Deus criou a política como jogo para o homem
exercitar sua inteligência e sua coragem; como espelho para ensinar o homem que
julgar os erros dos outros é apenas uma forma de revelar os próprios erros;
como instrumento da ação coletiva para mostrar ao homem que ele só pode criar,
transcender, construir o belo com a comunhão de seus iguais tão diferentes;
como espaço de sociabilidade imperativa para mostrar que ele é um ser social e
só pode se realizar quando se vê obrigado a se relacionar também com aqueles
que não fazem parte de seu círculo mais íntimo e que só pode ser feliz quando
sua imperfeita parcialidade seja útil para a dinâmica perfeita do todo.
O
PMDB não é nem o vilão como querem os moralistas da esquerda e nem o herói
temporário que pode destruir outro suposto vilão como quer a direita. O PMDB é
fruto do processo histórico brasileiro. Pelas linhas tortas traçadas pelo
destino, seus militantes fizeram, fazem e farão parte nos acertos e erros úteis
ao processo de construção da consciência do povo brasileiro sobre sua
capacidade de tomar as rédeas de seu belo destino.
Para
que os brasileiros mais jovens não tomem essa desastrosa interinidade
presidencial como expressão do PMDB, como se fosse manifestação pronta e
acabada do que seja o nosso partido e do que pensam nossos militantes, vou
relembrar hoje uma outra presidência do PMDB, igualmente circunstancial,
herdada ao sabor dos acontecimentos, mas da qual, ao contrário da presente,
podemos ter orgulho.
Dois PMDBs
E
faço essa relembrança não apenas para cotejar a oposição aos princípios básicos
do programa do PMDB pelo governo de hoje com a fidelidade a esses princípios
pelo governo de José Sarney.
Registro-o
também para homenagear o ex-presidente, tão exposto ao desrespeito, como tem sido
usual nestes tempos de pré-julgamento, da sentença antes do processo, de
supressão do pressuposto de inocência. Nestes tempos em que a mídia
transforma-se em tribunal popular, aos moldes dos regimes de exceção, sob a
batuta de promotores e juízes que consideram “feio o que não é espelho”.
Vamos
ao cotejo entre a interinidade do PMDB de Temer, de Padilha, de Jucá, de
Moreira Franco, de Eduardo Cunha, de Henrique Alves com o PMDB de Sarney, de
Celso Furtado, de Dante de Oliveira, de Luís Henrique da Silveira, de Marcos
Freire, de Paulo Brossard, de Pedro Simon, de Renato Archer, de Rafael de
Almeida Magalhães, de Bresser Pereira, de Waldir Pires, de Fernando Lira, de
Ulysses Guimarães.
Política
Exterior
De
saída, vamos comparar a política de relações exteriores de um e de outro.
O
Itamaraty de Sarney fundava-se no princípio da autodeterminação dos povos,
recusava o alinhamento automático às grandes potências, defendia a
multipolaridade, a integração e cooperação regional.
Sarney,
com o presidente argentino Raul Alfonsin, criou o Mercosul. Recusando-se
submeter o Brasil aos interesses geopolíticos norte-americanos, Sarney
normalizou nossas relações com Cuba e aproximou o nosso país dos países do
leste europeu e com a China.
Quando
o Fundo Monetário Internacional quis impor seu receituário de recessão, de
cortes de gastos públicos, de arrocho salarial, Sarney optou pela moratória, em
nome de nossa soberania.
E hoje, o
que temos?
Temos
o Itamaraty retrocedendo às trevas, à política de linha auxiliar da agenda
norte-americana. Voltamos a tirar os sapatos para o falido consenso de
Washington. Há poucos meses, o Brasil está perfilando ao que existe de mais
atrasado e obtuso na América Latina e conspira contra o Mercosul.
Enquanto
os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos convergem na oposição firme
a acordos comerciais que prejudiquem o país, Temer e Serra parecem querer
ressuscitar a Alca e acorrentar o Brasil ao proveito da globalização
neoliberal. O Itamaraty concede asilo ao um modelo de economia, e de relações
internacionais, que está sendo escorraçado no mundo todo.
Eis
aí, opondo-se como a água ao óleo, o PMDB de Sarney e o PMDB de Temer.
Direitos
Trabalhistas e Sociais
Em
relação aos direitos dos trabalhadores e dos aposentados, aos direitos sociais,
aos programas sociais, ao amparo aos mais pobres, à proteção dos excluídos como
agiu o PMDB de Sarney e como age o PMDB de Temer?
Hoje,
a conta da crise cai pesadamente sobre o lombo já lanhado dos trabalhadores e
dos aposentados. A reforma da Previdência pretende aumentar a idade para a
aposentadoria a um patamar que supera a expectativa de vida de alguns estados
brasileiros.
É
a chamada aposentadoria “pá, buf!”: aposentou, morreu.
A
reforma trabalhista quer revogar a CLT, porque, dizem, ela é muito antiga.
Seguindo
esse raciocínio, vão querer revogar também, a Lei Áurea, que é mais antiga
ainda.
Querem
impor a prevalência do “negociado entre a raposa e a galinha” sobre o
“legislado pelos representes políticos eleitos”.
Em
uma situação de crise como a de hoje, com o desemprego em alta, com os
sindicatos enfraquecidos e com algumas centrais sindicais apelagadas e
cúmplices do golpe, vão acabar impondo corte de salários, aumento das horas
trabalhadas, fim do 13º, redução das férias e do descanso remunerado e assim
por diante.
Ora,
já não houve um líder empresarial falando em aumento da jornada para 80 horas
semanais? Daí para extinção da Lei Áurea é um “passinho”...
Enquanto
isso, o ministro interino da Saúde desanca o SUS, ofende os clientes do SUS e
acena com a privatização da saúde pública. Ameaça ainda o cancelamento do
programa “Mais Médicos" e profere sandices, como um arremedo de Donald
Trump, contra os médicos estrangeiros.
Estivesse
vivo Stanislaw Ponte Preta, como toda a certeza Ricardo Barros seria o
protagonista desse novo Festival de Besteiras que Assola o País.
Na
mesma toada, o ministro “responsável” pelos programas sociais, revela toda
sorte de preconceitos contra os beneficiários das Bolsas compensatórias.
E
quer também cortar “abusos” dessa pobretada mal-acostumada que “depaupera” as
finanças públicas. Finanças públicas, que, para eles, deveriam servir só aos
bancos e rentistas.
Repressão
aos movimentos social
A
reforma agrária e os movimentos sociais que a empalma, criados na maioria no
governo Sarney, voltam a frequentar o “index”, o alvo, dos serviços de
informação e segurança.
Os
movimentos urbanos pela moradia são igualmente satanizados e colocados na mira
dos guardiões da segurança nacional. Afinal, a nova lei contra o terrorismo
abre imensas possibilidades para a repressão de qualquer manifestação de
revolta e inconformismo ou meramente reivindicatória. Os serviços dos caçadores
de comunistas são bem-vindos, novamente.
A
lista de retrocessos, em menos de 60 dias, de governo interino, sob a batuta da
cúpula peemedebista, alonga-se.
Os
méritos pouco conhecidos do Sarney
Relacionemos
agora, algumas iniciativas nessas áreas do governo do PMDB de José Sarney.
.
Universalização da assistência médica, com a implantação do SUS.
.
Criação do Seguro Desemprego
.
Criação do Vale Transporte
.
Extensão da Previdência Social ao campo
.
Impenhorabilidade da casa própria
.
Programa Nacional do Leite, gênese das bolsas compensatórias.
.
Reconhecimento e respeito aos Direitos da Mulher
.
Iniciativas pioneiras de garantia aos Direitos dos Deficientes
.
Retomada da política de reforma agrária.
.
Direito de voto para os analfabetos
.
Garantias à organização sindical. Liberdade e respeito às manifestações
sociais.
.
Respeito aos direitos trabalhistas elencados pela CLT.
Depois
de mais de duas décadas de ditadura militar, tempo em que os partidos e
organizações de oposição, os sindicatos, os movimentos sociais e as expressões
culturais populares foram perseguidos e criminalizados, Sarney trouxe de volta
o povo brasileiro e suas demandas ao centro das atenções governamentais.
Não,
Sarney não presidiu uma transição lenta, gradual para a democracia, como alguns
queriam, especialmente os setores mais conservadores de nossas elites. O PMDB
de Sarney escancarou as portas para que a democracia e suas manifestações
iluminassem cada canto escuro de nosso país.
Mencione-se
ainda que José Sarney convocou a Assembleia Nacional Constituinte, restabeleceu
as eleições diretas para a Presidência da República e legalizou os partidos
comunistas.
Na
área econômica, o governo peemedebista de Sarney enfrentou as pressões dos
interesses financeiros globais, não se submeteu ao FMI e colocou em prática o
primeiro grande ensaio para romper com os pressupostos ortodoxos da política
econômica, o Plano Cruzado. Um ensaio bombardeado e sabotado por todos os lados
porque não atendia prioritariamente, como hoje sob Temer e Meirelles atende, as
demandas da banca, dos especuladores do capital financeiro global. Coisa
diversa aconteceu com o Plano Real, tão acolhido pelos rentistas e pela mídia
monopolista e, porque não arranhava os privilégios de classe, não foi sabotado.
Ao
mesmo tempo, quando os organismos financeiros internacionais pressionaram para
que o país adotasse um amplo programa de privatizações e concessões, Sarney
resistiu. Mais de uma vez defendeu a intocabilidade da Petrobrás, entendendo-a
como um dos pilares da soberania nacional, do desenvolvimento nacional.
Temer
E
hoje, o que o PMDB apresenta ao país na área econômica?
A
capitulação em regra ao mercado, aos interesses financeiros globais, à
geopolítica imperial. As privatizações, as concessões, a entrega desavergonhada
do petróleo voltaram à ordem do dia.
Fazem
de tudo, com a colaboração sempre prestimosa e atenta da mídia monopolista,
para abater a autoestima nacional.
Quando
imaginávamos fosse coisa do passado as manifestações explícitas de entreguismo,
as reverências sabujas, servis, adulatórias aos interesses imperiais, eis que
este governo surpreende-nos, retrocedendo aos tempos dos governadores gerais a
serviço da metrópole, não mais sediada em Lisboa, claro.
Parece
que o ideal, hoje, é transformar o Brasil em um Estado associado do império,
uma espécie de Porto Rico gigante.
As
preocupações e iniciativas de Sarney para a construção de um país soberano,
defensivamente forte, forças armadas bem equipadas, que recusasse e rompesse a
camisa de força imposta pelo bipolarismo, preocupações nem sempre reveladas,
por óbvio, contrastam com a sofreguidão com que o atual governo do PMDB
submete-se e enquadra-se à pauta da geopolítica das grandes potencias.
Senhoras
e senhores senadores, é o cotejo que faço entre um e outro governo do PMDB. É a
homenagem que presto a José Sarney. É o desagravo que registro ao
ex-presidente, diante da ligeireza irresponsável e suspeita dos que o acusam.
Não
estou canonizando Sarney e nem o condenando ao fogo do inferno. O mundo não é
tão simples como querem os moralistas. As imperfeições são inerentes ao homem,
mas úteis à evolução. Estou somente mostrando que esse homem deve ser julgado
pela história como estadista, pois ao atrasar o processo de dominação do país
pelo neoliberalismo, permitiu que fosse construída uma das mais belas
constituições do mundo e também que a estrutura do Estado e bases sociais
resistissem a um longo e intenso bombardeio neoliberal até florescerem
novamente por 12 anos e ainda hoje estarem em condições de resistir. Isso foi
mérito do Presidente Sarney e do PMDB que tinha à época 22 governadores dos 23
existentes e que hegemonizava o congresso nacional. O Brasil será eternamente grato
por aquele corajoso mandato do Presidente Sarney.
http://www.conversaafiada.com.br/brasil/sarney-deu-de-10-a-0-no-temer
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