Reunidos
a partir das 9 horas da manhã de hoje, os 81 senadores da República têm diante
de si uma decisão crucial para o destino dos 200 milhões de brasileiras e
brasileiros.
Podem
abrir caminho para uma catástrofe histórica, tão ruinosa que pode inviabilizar
por décadas a construção do país como nação soberana e menos desigual, capaz de
oferecer oportunidades aos fracos e excluídos de cinco séculos. Ou podem dar
inicio a uma correção de rumo, retomando um processo histórico que, mesmo envolvendo
inúmeros problemas e limites, erros e omissões, deve ser reconhecido como o
ponto de partida para um necessário esforço na construção de um país a altura
das necessidades da maioria dos brasileiros. A própria população se encarregou
de mostrar isso com clareza absoluta nas últimas quatro eleições presidenciais,
quando se colocou sempre do mesmo lado, em apoio a um mesmo projeto que é,
acima de tudo, uma crítica profunda aos governos voltados para um país dos
ricos, dos bem nascidos e sua magra clientela social.
A
eventual permanência de Michel Temer na presidência implica na consolidação de
um governo incapaz de trazer esperanças para as famílias dos brasileiros. Mesmo
com auxílio permanente dos principais meios de comunicação o presidente
interino foi capaz de oferecer a população aquele mínimo de ilusões -- em geral
passageiras -- que fazem parte da lua de mel com a população, oportunidade
única que sempre foi um direito dos governantes recém chegados ao cargo. Temer
é um presidente novo e impopular demais para quem acaba de assumir. Sempre que
perguntada, a população deixa claro que quer vê-lo fora do governo na primeira
oportunidade.
Essa
fraqueza política estrutural explica movimentos mais recentes dos aliados de
abril-maio, que apontam para um golpe dentro do golpe, que poderia evitar a
permanência de Temer no Planalto até 2018, como determina o calendário da
eleição que Dilma venceu em 2014. Detalhe: o calendário envolve prazos
decisivos nos próximos três meses.
A Constituição determina que, caso a
presidência da República fique vaga até
31 de dezembro de 2016, o Congresso deve convocar eleição para o novo
governo no prazo de 90 dias, permitindo que o povo dê a última palavra numa
questão essencial para sua existência como o poder de Estado. Se a vacância ocorrer depois do reveillon
deste ano, caberá ao Congresso, sim, este mesmo, a casa de Eduardo Cunha, de
tantos órfãos das urnas de 2014, 2010, 2006 e até 2002, apontar o novo
presidente. Este é um novo elemento de instabilidade para Michel Temer. Tudo
será feito para que seja protegido e preservado por 90 dias. Mas, como as
marcas de iogurte, gelatinas e tantas mercadorias disponíveis nos
supermercados, seu governo é um produto com prazo de validade.
Em
pouco mais de três meses no posto, Temer & equipe demonstraram uma voracidade política incompatível com a
própria interinidade. Destinada a prestar contas aos patrocinadores das
manobras espúrias que permitiram trair a presidente eleita e assumir ao poder,
a ilegitimidade do governo foi estampada na testa, denunciada por uma população
que se recusa a esquecer a verdade democrática básica dos períodos que correm,
ensina de baixo para cima, na primeira grande derrota dos articuladores de
abril-maio: "impeachment sem crime de responsabilidade é golpe."
Cavalgando
de modo oportunista a justiça do espetáculo da Lava Jato, instrumento essencial
para a paralisia e afastamento do governo anterior, os novos governantes tentam
salvar a pele num pacto de sobrevivência -- inviável sem a entrega de pelos menos
alguns gladiadores com outra origem, capazes de dar alguma credibilidade ao
circo.
Em
pouco mais de 90 dias Temer foi capaz de produzir uma herança que ameaça o
melhor de nossas conquistas -- ainda limitadas, nunca é demais reconhecer.
Amplamente rejeitado em dois plebiscitos organizados nos últimos 60 anos, o
parlamentarismo está de volta, de contrabando, às costas do eleitor, que encara o Congresso
como endereço do inferno, do pronto para garantir palácios eternos aos amigos e
estrelas do golpe, possíveis campeões apenas de voto indireto. Foi o que
escancarou, sem o mais leve pudor democrático, o ministro Gilberto Kassab,
amigo de todas as horas de José Serra.
No
plano econômico, assistimos ao desmanche de um esforço de crescimento voltado
ao mercado interno e a uma tentativa de recuperação de um projeto que, num
momento de rara franqueza, um dos mais influentes arquitetos da visão tucana de
mundo, o economista André Lara Rezende, foi capaz de anunciar sem maiores
rodeios: promover a integração subordinada aos interesses dos grandes patrões
do capitalismo global.
Esta
orientação explica o apoio a ALCA nos anos de Fernando Henrique Cardoso e, nos
primeiros ensaios de governo Temer, a tentativa de entregar a principal joia da
família, a Petrobras e a riqueza do pré-Sal. Está na origem da sabotagem ao
Mercosul, destinada a abrir os mercados internos da América do Sul para as
grandes empresas norte-americanas e seus associados, inviabilizando qualquer
tentativa de desenvolvimento autônomo, como os países centrais de hoje puderam
atravessar, no momento devido. Também
explica a lei de gastos de Henrique Meirelles, que pretende instituir uma
ditadura de crescimento zero e desemprego alto, numa espécie de colonialismo
interno em benefício do capital financeiro. A privatização da educação,
programa que o governo dos Estados Unidos tentou implantar com ajuda dos
generais do golpe de 64, sendo parcialmente derrotado na rua pela luta dos
estudantes que fizeram a honra e glória da geração 68, está em alta mais uma
vez. Vinte e oito anos depois da Constituição que estabeleceu o SUS, o Ministro
da Saúde fala em planos de saúde privada para os pobres -- que irão gastar o
dinheiro suado com tubarões que nunca irão entregar aquilo que merecem. Trinta
anos depois da quebra do Banco Nacional de Habitação do regime militar, levado
a falência, entre outras razões, pelo delírio de construir apartamentos
subsidiados para a classe média alta, o Minha Casa Minha Vida abandona as
construções voltadas para a população mais pobre.
Contra
um ambiente de caos cada vez mais nítido no horizonte, o retorno de Dilma não é
um milagre nem a salvação de toda a lavoura. Não há dúvida, porém, que
representa a alternativa que permite, em primeiro lugar, preservar a democracia
e os direitos fundamentais. Será a derrota do governo pelo medo, esse sistema
nem sempre visível na fase inicial, quando as verdades nem sempre ousam dizer o
próprio nome -- como Golpe de Estado -- e pouco a pouco liberdades incômodas
são afrontadas, a perseguição a lideranças políticas adversárias se torna um
jogo utilitário, as medidas de exceção se transformam em regra.
Alguém
imagina que desde o início os gregos sabiam tudo o que lhes estava reservado
pelo FMI, Banco Central Europeu, União Europeia? Ou os franceses, vítimas de
falsos socialistas que sustentam François Hollande?
Vivemos
um período histórico no qual direitos que pareciam assegurados a todos, para
nunca mais serem questionados, se encontram sob ameaça constante, em todas as
partes do planeta nas quais governos que expressam interesses de 1% de suas
respectivas populações tentam impor medidas abertamente prejudiciais aos demais
99%, para empregar a imagem muito apropriada do Premio Nobel Joseph Stiglitz.
Pela estreitíssima fresta pela qual é possível imaginar um Brasil possível em
caso da vitória de Dilma no julgamento que se inicia hoje, enxerga-se um país leal
a democracia, que permite a expressão legítima da vontade da maioria e a
alternância no poder -- pelas urnas, sempre pelas urnas, apenas por elas. É o
caminho natural para a defesa de direitos e preservação de conquistas que se
tenta eliminar com a bancada de Eduardo Cunha, aliado número 1 do golpe, nunca
é demais lembrar.
A
experiência universal ensina que não há última chance para os povos. Sempre
haverá oportunidades para lutar e defender seus direitos, como disse a própria
Dilma, na noite de ontem, em Brasília, no auditório do Sindicato dos Bancários,
num ato público contra o golpe que reuniu lideranças dos principais movimentos
sociais. Caso assumam suas responsabilidades perante o país, num gesto de
coragem pelo qual não serão obrigados a murmurar palavras humilhantes de
arrependimento e pedidos de desculpa, destino inevitável de todos os carrascos
das democracias, os senadores ajudarão os brasileiros a livrar-se de um
pesadelo que, iniciado há três meses, parece durar há 30 anos.
http://www.brasil247.com/pt/blog/paulomoreiraleite/251621/N%C3%A3o-%C3%A9-f%C3%A1cil-mas-Dilma-precisa-retornar.htm
Um comentário:
Os senadores prestarão um grande serviço ao país, caso não deixem passar esse impeachment.
Caso contrário, será a destruição do país.
Mas como disse a matéria, os Franceses e Europeus, com tanta experiencia fora enganados.
Nosso povo vai aprender no sofrimento.
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