A
corajosa e competente senadora Gleisi Hoffmann causou comoção e polêmica ao
dizer, no plenário do Senado, que metade daquela Casa não tinha moral para
julgar a presidenta honesta. Houve até embate com o presidente Renan Calheiros,
que, numa tentativa pouco racional de defender a instituição, chamou o Senado
de “hospício”.
Evidentemente,
a Senadora Gleisi não fez uma crítica pessoal a ninguém. Ela fez uma crítica,
inteiramente pertinente, ao processo do impeachment sem crime. Afinal, não há
fraude com moral. Não há golpe ético.
E
indivíduos éticos podem aderir a monstruosidades morais coletivas. A História
está cheia de tragédias desse tipo. Assim, há aqueles que aderiram ao golpe por
convicção, embora haja outros que o fizeram por puro oportunismo ou por motivos
pouco republicanos.
Mas
o fato concreto, iniludível, é que o golpe já nasceu desmoralizado. A
“assembleia geral de bandidos presidida por um bandido”, como bem a definiu
Miguel de Sousa Tavares, deu o pontapé inicial no golpe com claro desvio de
poder de seu presidente acusado de corrupção. O mundo inteiro reagiu com asco
moral ao espetáculo dantesco.
A
cada dia que passa, o golpe se desmoraliza mais, daí a pressa dos golpistas em
“liquidar a fatura”.
O
episódio da Senadora Gleisi acabou encobrindo fato crucial a esse respeito. Na
última quinta-feira, a arquitetura intelectual e técnica do golpe foi
inteiramente desmascarada. O auditor do TCU, Antonio D´Ávila, acabou
confessando, talvez por vaidade e certeza de impunidade, que ajudou a redigir a
peça acusatória que o procurador do TCU, Júlio Marcelo, apresentou para ele
mesmo julgar. É como se um juiz redigisse a peça acusatória para um procurador
para que ele mesmo proferisse depois a sentença. Pior: esse processo
fraudulento foi feito alijando-se a Secretaria de Recursos daquele órgão,
instância que deveria ter se pronunciado sobre o assunto e que tinha opinião
divergente dos arquitetos intelectuais do golpe.
Isso
é gravíssimo. Houve clara violação da imparcialidade exigida de auditores e
procuradores e do código de ética de conduta dos funcionários públicos. Assim,
o golpe começou com desvio de poder, no campo político, e com claro desvio
ético, no plano técnico.
O
golpe está definitivamente desmoralizado, política e tecnicamente.
Porém,
a mais grave imoralidade do golpe é a sua desonestidade intelectual.
Em
sua narrativa cínica e mentirosa, o golpe apregoa que os governos de Dilma
Rousseff promoveram uma “gastança”, maquiada por “pedaladas fiscais”, a qual
precipitou o país na maior crise da sua história.
Mentira
deslavada. Até 2014, os governos do PT gastaram menos do que arrecadaram, isto
é, fizeram vultosos superávits primários. Ao contrário do que dizem, de forma
mentirosa, as despesas primárias discricionárias em todos os níveis de governo
permaneceram estáveis: foram de 4,7 % do PIB, em 2012, 4,8% do PIB, em 2013, e,
de novo, 4,7% do PIB, em 2014. A dívida líquida da União também permaneceu
estável, em torno de 34% do PIB. Já as despesas com pessoal e encargos, caíram
de 4,6% do PIB, em 2009, para 3,9 % do PIB, em 2014.
Em
2015, com a crise instalada, o governo promoveu o maior ajuste fiscal da
história do Brasil. Foram cortados nada menos que R$ 80 bilhões de despesas
orçamentárias discricionárias, isto é, aquelas que podiam ser objeto de cortes.
Mesmo assim, houve déficit. Por quê? Porque as receitas fiscais tiveram uma
queda brutal de R$ 185 milhões.
Assim,
a crise não foi provocada por “excesso de gastos” e, muito menos, por
“pedaladas” e créditos suplementares. O déficit não provocou a crise. Foi a
crise que provocou o déficit, pelo encolhimento brutal das receitas. Na
realidade, alguns importantes economistas, como Luiz Gonzaga Belluzzo,
argumentam que, se houve erro de Dilma em 2015, não foi um inexistente
descontrole de gastos, mas, ao contrário, um excesso de responsabilidade
fiscal. Não foram as pedaladas. Foi a grande “despedalada” de R$ 80 bilhões que
teria contribuído para a queda da atividade econômica, num ambiente de redução
do consumo e dos investimentos privados.
Mas
a queda brutal da receita e da atividade econômica, que frustrou o grande
esforço fiscal realizado, foi devida, em sua maior parte, a um decisivo fator
que precipitou e aprofundou a crise: o terceiro turno e o golpismo. Foi a crise
política gerada pelo terceiro turno e pelo golpismo que impediu que as medidas
econômicas tomadas em 2015 surtissem o efeito desejado. Deve-se ter em mente
que ajustes econômicos só funcionam devidamente num ambiente político estável.
Não
foram as “pedaladas fiscais” que levaram o país à crise. Foram as pedaladas
contra democracia.
Essas
pedaladas desmoralizantes foram complementadas agora pela maior fraude
eleitoral da história. O interino, que foi eleito, como vice-presidente, com o
mesmíssimo programa de governo da presidenta, agora tenta implantar um plano que
é o inteiro oposto do programa aprovado nas urnas por mais de 54 milhões de
brasileiros. Isso é ético? Isso é democrático? Ou isso é uma gigantesca fraude?
Isso não significa dar um golpe baixo nos eleitores? O pior é que essa
gigantesca e imoral fraude poderá, de acordo com a PEC 241, perdurar por 20
anos.
São
essas pedaladas contra a democracia e contra a vontade popular que mais
desmoralizam os golpistas, as instituições e o Brasil perante o mundo. O
respeito formal às regras não substitui o respeito à vontade do povo. E não há
decoro parlamentar que possa encobrir a suprema vergonha de se condenar uma
inocente.
O
que começa mal, termina mal. O que começa sem ética, termina coberto de
vergonha. Todos os jornais internacionais comentam a vergonha que é o golpe
brasileiro.
Assim,
não é apenas Câmara, o Senado e a classe política que estão sem moral. O golpe
nos converteu numa republiqueta de bananas. O golpe desmoralizou o Brasil.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/marcelozero/252081/Golpe-desmoraliza-o-Brasil-n%C3%A3o-apenas-o-Senado.htm
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