Estranho
país esse nosso, onde a mídia pauta a lista de preocupações de seus cidadãos.
No momento, os olhos encontram-se voltados para as Olimpíadas – em relação a
qual, nós, que sofremos coletivamente de transtorno bipolar, passamos do
pessimismo profundo à completa euforia. Enquanto isso, no Brasil real, o Senado
continua cumprindo o rito farsesco de votação do impeachment da presidente
Dilma Rousseff. Farsesco porque, como se trata de um julgamento político e não
técnico, desde o princípio sabemos seu resultado: todos os partidos, incluindo
o próprio PT, têm interesse em transformar Dilma Rousseff em bode expiatório.
No
dia 21 ocorrerá a festa de encerramento dos Jogos Olímpicos que deverá ser
acompanhada em êxtase pela maioria da população. No dia 25 ou no mais tardar no
dia 29, ainda de ressaca, notaremos que, findo o processo de impeachment,
Michel Temer ocupa legal, mas ilegitimamente, o cargo de presidente da
República, para o qual não teria condições de ser eleito por mérito próprio.
Então, teremos destituído uma presidente culpada por cometer erros contábeis,
as chamadas “pedaladas fiscais”, substituindo-a por um político sobre o qual
pesam graves denúncias de envolvimento com corrupção.
Em
menos de três meses na interinidade, Michel Temer já contabiliza duas acusações
contra ele formuladas no âmbito da Operação Lava-Jato. Em junho, o
ex-presidente da estatal Transpetro, Sérgio Machado, responsabilizou Temer por
um pedido de R$ 1,5 milhão destinados à candidatura de seu então pupilo,
Gabriel Chalita, candidato à Prefeitura de São Paulo, em 2012. Ironicamente,
Chalita hoje aparece como vice na chapa do prefeito petista, Fernando Haddad,
que disputa a reeleição. Na época, o depoimento de Sergio Machado derrubou dois
ministros de Temer: o da Transparência, Fabiano Silveira, e o da Previdência
Social, Romero Jucá, ex-líder do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no
Senado.
Mais
comprometedora ainda é a revelação de Marcelo Odebrecht, dono da empreiteira
que leva seu nome. Ele afirmou em depoimento oficial que em maio de 2014, a
pedido de Temer, então vice-presidente da República, repassou R$ 10 milhões,
via caixa dois, para o PMDB, dinheiro que teria sido destinado ao presidente da
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, candidato
ao governo do estado de São Paulo (R$ 6 milhões), e a Eliseu Padilha, na época
deputado federal pelo Rio Grande do Sul, mais tarde ministro-chefe da
Secretaria da Aviação Civil no segundo governo de Dilma Rousseff e atual
ministro da Casa Civil (R$ 4 milhões).
Temer
vem confirmar a melancólica sina: todos os presidentes da República do período
democrático estão envolvidos em denúncias de corrupção, desde José Sarney e
Fernando Collor a Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O
quadro para as eleições de 2018 é desolador: além de Temer e Lula, outros
possíveis candidatos têm frequentado as manchetes policialescas, como o senador
tucano Aécio Neves, que tem dois pedidos de investigação protocolados pela
Procuradoria Geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o
livre-atirador José Serra, que, segundo o empreiteiro Marcelo Odebrecht,
recebeu R$ 23 milhões, via caixa dois, para sua campanha à Presidência da República
em 2010.
Aparece
também como candidata a evangélica Marina Silva, da Rede Sustentabilidade,
missionária da Assembleia de Deus, cujo marido, Fábio Vaz de Lima, é réu em
processo que tramita desde 2001 sob a acusação de desvio de R$ 44 milhões liberados
pela Sudam para a construção de uma fábrica de autopeças no Maranhão e que
nunca saiu do papel - o nome de Fábio aparece ao lado do da ex-governadora
Roseana Sarney e de seu marido Jorge Francisco Murad Jr. Além de Marina, surgem
os nomes do deputado fascista Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que teve a desfaçatez de
homenagear o reconhecido torturador, coronel Brilhante Ustra, ao pronunciar na
Câmara seu voto pelo impeachment de Dilma Rousseff, e o prefeito Eduardo Paes
(PMDB), este, no caso, dependente ainda dos resultados efetivos dos Jogos
Olímpicos no Rio de Janeiro, contra quem também há pedido de investigação no
STF por envolvimento com denúncias na Operação Lava-Jato.
Ao
fim e ao cabo, encontram-se todos com as mãos sujas. Por isso, o provável
afastamento em definitivo da presidente Dilma Rousseff aparece como uma solução
que agrada aos políticos de maneira geral, para além de partidos e ideologias.
Quando o vaqueiro se depara com um rio infestado de piranhas, ele sangra um boi
magro e sacrifica-o para que o restante do rebanho alcance incólume a outra
margem. O povo se sente justiçado e os bois gordos podem voltar a encher a
pança com tranquilidade. Há, no entanto, aqueles que, otimistas, creem que em
2018 teremos depurado o plantel e que novos rostos surgirão, comprometidos com
a ética e com o bem comum... Mas há também aqueles, pessimistas, que temem que
das cinzas surja um messias...
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/10/politica/1470837559_461259.html?id_externo_rsoc=FB_CC
Um comentário:
Acho que Sérgio Machado fez grande contribuição para o país pela Lava Jato. torço para que essas investigações sigam, e que peguemos esses bandidos.
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