Expectativas
e mistério rondam o comparecimento da Presidente Dilma no próximo 29 de agosto
no Senado da República, o tribunal de exceção da fase final da farsa do
impeachment.
Com
freqüência o processo da Dilma é equiparado ao de Getúlio Vargas, atacado
covarde e implacavelmente pela oligarquia golpista e seus meios de comunicação
até o último instante de vida, quando deferiu um tiro no próprio peito. A Carta
Testamento, deixada para o povo brasileiro em 24 de agosto de 1954, tem sido
evocada como referência para o pronunciamento de Dilma no Senado. É uma
referência necessária, porém de eficácia histórica parcial.
Existem
três semelhanças importantes entre os dois processos históricos. A primeira é
que ambos, eleitos com uma plataforma de reformas, foram vítimas do ódio
udenista [Getúlio] e peessedebista/peemedebista [Dilma]: “não poderiam ser
candidatos; se fossem candidatos, não poderiam vencer as eleições; se vencessem
as eleições, não poderiam assumir; se assumissem, não poderiam governar; caso
governassem, seriam derrubados”.
A
segunda semelhança é a índole anti-povo e anti-nação da oligarquia conspirativa
que agiu incansavelmente para golpeá-los. Na Carta Testamento, Getúlio
denunciou que “a campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos
grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho”.
Ele
escreveu que “contra a Justiça da revisão do salário-mínimo se desencadearam os
ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas
através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se
avoluma. A Eletrobrás foi obstacularizada até o desespero. Não querem que o
trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente”.
A
terceira semelhança é o papel desempenhado pela imprensa golpista que, através
da repetição nauseante e fascista do discurso do “mar de lama da corrupção”,
fez terra arrasada da imagem de Getúlio, como faz com as imagens de Dilma, do
Lula e do PT.
A
diferença é que o processo da Dilma não vai se encerrar num ato extremo de
sacrifício, o suicídio. Dilma é vítima de um julgamento de exceção envernizado
com aparência de normalidade institucional que não vai tirar sua vida, mas vai
assassinar a Constituição e o Estado de Direito para viabilizar a restauração
neoliberal ultra-conservadora e reacionária.
O
comparecimento ao tribunal de exceção do Senado representa, neste sentido, a
ocasião derradeira para a Presidente transmitir uma mensagem corajosa para a
História.
Pela
segunda vez na vida, Dilma vai ocupar o banco de réus no qual deveriam estar
sentados seus algozes, e não ela – quase 40 dos seus julgadores ou são réus, ou
investigados por crimes diversos, ou beneficiários de propina da Petrobrás. A
farsa está consumada, o rito é pura teatralidade. Sabe-se de antemão que uma
maioria corrupta deve condená-la, mesmo diante da absoluta ausência de
fundamentos jurídicos e constitucionais.
A
tragédia é que uma mulher digna e inocente estará sendo condenada sem provas
por julgadores que não estão amparados na Constituição e nas Leis, mas
unicamente no ânimo fascista que move maiorias circunstanciais.
Um
caso histórico de repulsa contra a tirania de uma condenação injusta é a defesa
que o escritor Émile Zola fez do capitão do exército francês, o judeu Alfred
Dreyfus – um inocente condenado injustamente, com base em mentiras e
falsificações, em um processo fraudulento. O caso Dreyfus foi posteriormente
tomado como fonte de estudo de Hannah Arendt para “As origens do
totalitarismo”, livro no qual a autora autopsia o nazismo.
Na
carta Eu acuso, publicada no jornal A Aurora e endereçada ao então Presidente
da França em janeiro de 1898, Zola acusa vários personagens funestos do
Exército e da política francesa implicados na trama para incriminar
injustamente Dreyfus: “Quanto às pessoas que eu acuso, não as conheço, nunca as
vi, não nutro por elas nem rancor nem ódio. Não passam para mim de entidades,
de espíritos da malevolência social. O ato que aqui realizo não é nada além de
uma ação revolucionária para apressar a explosão de verdade e justiça. Não tenho
mais que uma paixão, uma paixão pela verdade, em nome da humanidade que tanto
sofreu e que tem direito à felicidade. Meu protesto inflamado nada mais é que o
grito da minha alma”.
No
tribunal de exceção do Senado, os conspiradores – dentre eles, 6 ex-ministros
traidores – deveriam ser formalmente acusados pelo atentado perpetrado à
Constituição. A trama golpista, urdida desde dentro do Palácio do Planalto pelo
vice-presidente Temer e seu braço direito Eliseu Padilha em sintonia com
Eduardo Cunha, deve ser desmascarada e denunciada nas suas minúcias. E o povo
deve ser conscientizado quanto aos objetivos do golpe: a destruição dos
direitos e conquistas sociais e a entrega da soberania e da riqueza nacional às
potências estrangeiras.
Nada
há a temer e, menos ainda, a perder. Como disse Zola, ao final de Eu acuso:
“Que ousem, portanto, levar–me perante o tribunal do júri e que o inquérito se
dê à luz do dia!”, e não no obscurantismo seletivo de justiceiros do
Judiciário, da Polícia Federal e do Ministério Público, que agem fascistamente
com interesse partidário.
É
impossível não recordar outro momento clássico da luta libertária contra a
tirania, como a auto-defesa feita por Fidel Castro em 1953 [teve proibida a
assistência jurídica] do ato legítimo de insurgência contra a ditadura
Fulgêncio Batista, na tentativa frustrada de tomada do Quartel Moncada. Na
auto-defesa e na defesa dos seus camaradas, Fidel declarou, ante um tribunal
com a decisão pré-concebida de condená-los, que “só quem foi ferido tão fundo, e
tenha visto tão desamparada a Pátria e vilipendiada a Justiça, pode falar em
uma ocasião como esta com palavras que sejam sangue do coração e vísceras da
verdade”. E Fidel concluiu: “condenam-me, não importa, a História me
absolverá!”.
Dilma
tem a verdade histórica ao seu lado, que é o lado da esquerda, dos
progressistas, dos democratas, dos humanistas. Dilma carrega no seu DNA a
tradição do trabalhismo democrático de João Goulart e Leonel Brizola.
Brizola,
aliás, a peça-chave da resistência contra a oligarquia golpista, em 25 de
agosto de 1961 lançou a Campanha da Legalidade, para assegurar a posse de Jango
que a direita queria impedir depois da renúncia de Jânio Quadros: “Cumpre-nos
reafirmar nossa inalterável posição ao lado da legalidade constitucional. Não
pactuaremos com golpes ou violências contra a ordem constitucional e contra as
liberdades públicas. Se o atual regime não satisfaz, em muitos de seus
aspectos, desejamos é o seu aprimoramento e não sua supressão, o que
representaria uma regressão e o obscurantismo”.
O
comparecimento de Dilma ao tribunal de exceção do Senado, do ponto de vista dos
golpistas fascistas, será apenas uma etapa ritualística do processo farsesco.
Para
a democracia e para o Estado de Direito, contudo, poderá ser uma oportunidade
de conclamação do povo para a luta intransigente da resistência democrática,
que só deverá se encerrar com o fim do governo usurpador e com a realização já,
imediatamente, de nova eleição presidencial.
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/08/dilma-no-tribunal-de-excecao.html
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