"Quando
a direita nacional é a tábua de salvação da ex-esquerda, é porque somos de fato
dominados por uma camarilha de colonizados", afirma Bruno Lima Rocha,
professor de ciência política e de relações internacionais.
Segundo
ele, "definitivamente a projeção imaginária da burguesia nacionalista se
provou um pesadelo distópico. O golpe foi orquestrado, em sua etapa final,
pelas federações empresariais. Para quem acredita em "burguesia nacional
progressista", "empresariado do bismarckismo tropical" ou outras
projeções imaginárias de uma classe dominante que não existe, eis outra prova
cabal – mais uma em centenas destas – que aliança de classes no Brasil é apenas
por coerção. É a parábola do sapo e do escorpião. Diante da ausência de
projeção de poder no Sistema Internacional, o empresariado brasileiro ajudou a
virar a mesa destituindo o governo que mais o favoreceu na história do
Brasil".
Eis o
artigo.
Findas
as Olimpíadas, o Brasil retoma sua rotina de crise política e isolamento do
conflito em sua esfera institucional. No modelo jabuticaba de governabilidade,
a maioria política é a condição do exercício do governo de fato, mesmo que
quando eleito ou eleita, a governante tenha de ser sancionada pelo escrutínio
popular. Logo, na coação desta garantia de maioria parlamentar e em pleno
tribunal de exceção, o Senado da república se assemelha ao Senado romano, onde
os magistrados e tribunos são plenipotenciários e fazem o que querem, ou quase.
A
manhã de 26 de agosto de 2016, na sessão especial do julgamento do Senado
presidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski,
demonstrou a ruptura entre a oligarquia e a ex-esquerda. Ao definir o andamento
do processo de impeachment, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL),
definiu o mesmo como “um hospício” e na sequência afirmou que fez pressão e
intermediou a retirada do indiciamento da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e de
seu marido, o ex-ministro das Comunicações e do Planejamento, Paulo Bernardo.
Neste
texto, aponto a dimensão substantiva do equívoco da proposta de realizar uma
aliança de classes com uma classe dominante que só quer dominar internamente e
abrir mão da disputa de poder no Sistema Internacional. Sem a direita
nacionalista, o projeto de poder da ex-esquerda revelara-se uma casca vazia. A
escolha do vice-presidente eleito e reeleito é a prova cabal desta aliança
absurda que se propôs a trair em nome de ambição desenfreada e apetite
insaciável.
Na
sessão do Hospício do Senado Federal, aponto a seguinte assertiva: "Quando
os keynesianos e pós-keynesianos são de "esquerda", é porque a
direita é muito dominante!"
Podemos
ter noção do abismo entre a proposta da aliança e o exercício político da mesma
quando do depoimento de uma das sumidades da economia política brasileira. Em
26 de agosto, a marcha dos debates se arrastava na tarde da Câmara Alta e
revisora da nação. Afirmar o sistema de crenças neoliberal é um atalho para o
desmonte do aparelho de Estado como intermediário das relações sociais. Isso,
em termos econômicos, é muito perigoso. Tal insensatez alegada por Luiz Gonzaga
Belluzzo, professor titular de economia da Unicamp, na sessão do Senado parece
encontrar uma parede vazia de frente ao "informante". Não adianta
apelar para um acórdão de elites ou uma espécie de Estado Maior de concertação
e coordenação do capital. O ajuste do austericídio praticado pela presidente
Dilma Rousseff no início do seu segundo mandato foi exatamente o que pregoava o
adversário derrotado. Logo, em tese, deveria haver sido elogiado pelos ultra
liberais e oportunistas de sempre. Deu-se o oposto.
Contradição
explícita, ouvidos de mercador pelos senadores golpistas. Na sequência,
retomaram a alegação de que o financiamento do Plano Safra com juros
subsidiados foi uma operação ilegal segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF). Ora, criminalizar o financiamento do capital através do Estado ou é a
liquidação absoluta do aparelho de Estado ou então é uma nova hegemonia, esta
sim, popular e bem à esquerda. O que ocorre é a aposta entreguista na primeira
hipótese - desmontar tudo ou quase tudo, doa a quem doer.
Na
sequência, duas falas de senadores me chamaram a atenção. O senador Capiberibe
(AP-PSB) traçou a profecia da desgraça anunciada. O que será feito dos mais de
30 milhões de pessoas que tiveram mobilidade social? Possivelmente estamos
retornando não apenas a um período recessivo, mas de clima de fim de festa e
retorno ao passado recente distópico. O senador Armando Monteiro (PE-PTB)
marcou a hipótese de fim da concertação de classes. Os golpistas estão
apostando no caos completo e abandonando qualquer possibilidade de
sobrevivência do Estado desenvolvimentista, ainda que no modelo
liberal-periférico.
Como
o mapa político-ideológico brasileiro hoje é pautado pelos posicionamentos
estadunidenses, estamos de volta aos tempos dos Chicago Boys chegando ao poder,
só que pela via da internet, como parte de uma nova elite dirigente arrivista,
ao lado de paladinos liberais de toga e promotores. Armando Monteiro chama,
conclama novamente à concertação de classes, na defesa do "empresariado
brasileiro". A profecia de Monteiro é muito assertiva, e de fato estamos a
caminho das expectativas anunciadas do caos bombardeado como verdade, e não
como fato.
Repito
o caminho das ilusões: se ilude quem aposta em alguma via de soberania nacional
através de aliança com o capital brasileiro, sendo que a burguesia restante
aqui presente sequer é nacionalista, sequer vê o país como "seu".
Igualmente, se ilude quem aponta ser possível um grande pacto de classes
conclamando "a razão de governabilidade" ou "ação anti
insensatez", como proclama Belluzzo na Mesa do Senado. Estão literalmente
criminalizando a política nacional, e blindando a economia como área única e
pura, onde a “contaminação da política” inibe a iniciativa individual. Essas
balelas e outros absurdos semelhantes, podem não ter efeito concreto, mas como
arma de publicidade da direita entreguista têm uma difusão devastadora.
Para
concluir a apelação para a “racionalidade responsável”, o senador Requião
(PMDB-PR) apontou a farsa estruturante do hospício político brasileiro e seu
suporte midiático. "O ajuste fiscal se transforma em acusação de
criminalidade como motivador jurídico para cassar a presidente reeleita!"
Quem
aposta na aliança com partes da direita, morre afogado de braços dados com ela
(tal como em 1954 e 1964), ou então morre com uma faca cravada pelas costas por
esta, tal como está ocorrendo neste exato momento.
A
busca incessante por uma direita econômica e empresarial que seja nacionalista
O
professor de economia Luiz Gonzaga Belluzzo deu uma aula de economia política
no Senado, quando falou como “informante”, em 26 de agosto de 2016. O problema
é sempre de premissa, contando com uma teoria modernizante sem burguesia
nacional à altura do crescimento capitalista tardio. O problema é mais
complexo; a direita empresarial é nacionalista, quando é, apenas por coerção ou
conveniência. Ele mesmo citou a boa impressão que o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND) deixou nos mandarins chineses no início da Era Deng. E
depois, sem nenhuma coincidência, a própria FIESP pula fora do planejamento
nacional. Ou seja, o entreguismo e a condição vira-lata da direita econômica é
estruturalmente ideológica, embora profundamente ignorante. Em termos de
debate, a postura dos financistas e neoliberais é vergonhosa mesmo dentro de um
patamar conservador. O que Belluzzo falou no Senado é conteúdo de 3º semestre
de Relações Internacionais e nem assim “convence”. Que horror....
Definitivamente
a projeção imaginária da burguesia nacionalista se provou um pesadelo
distópico. O golpe foi orquestrado, em sua etapa final, pelas federações
empresariais. Para quem acredita em "burguesia nacional
progressista", "empresariado do bismarckismo tropical" ou outras
projeções imaginárias de uma classe dominante que não existe, eis outra prova
cabal – mais uma em centenas destas – que aliança de classes no Brasil é apenas
por coerção. É a parábola do sapo e do escorpião. Diante da ausência de
projeção de poder no Sistema Internacional, o empresariado brasileiro ajudou a
virar a mesa destituindo o governo que mais o favoreceu na história do Brasil.
A
dimensão substantiva do golpe
Para
alegria do Império e danação dos brasileiros, a conta do golpe vai ser muito
salgada. A dimensão substantiva do golpe em andamento - PPPs para hospitais e
presídios, já são mais de 600 mil famílias descredenciadas do Bolsa Família (em
tese, elas mudaram de faixa de renda, mas com a recessão, podem voltar e não
terão como e quem ampará-las), "reforma" da Previdência, PPPs no
saneamento, creches (rede de pré-escolas); enfim, a rede de proteção social
será invertida completamente como um novo modelo de negócios em expansão.
Esta
é a conta da aventura do golpe com apelido de impeachment. A ex-esquerda foi
muito à direita, dando margem para, sem serviço de inteligência por cima,
aparato de mídia ou a correspondente mobilização popular, ficar entregue para a
puxada de tapete dos oligarcas e dos partidos que perderam na urna por quatro
eleições consecutivas.
Washington
ri à toa, sem dar nenhum tiro, sem desembarque de Marines, sem ameaçar com
porta-aviões, sem operações clandestinas violentas. John Kerry agradece,
Hillary também.
O
latifúndio vai salvar o lulismo?
Quando
a direita nacional é a tábua de salvação da ex-esquerda, é porque somos de fato
dominados por uma camarilha de colonizados. Eu li e jurei que estava vendo uma
miragem, mas sim, parece que há uma ínfima parcela de empresários-políticos
brasileiros com dilemas de consciência. A última salvação do governo de
centro-direita e com verniz de algum nacionalismo seria esta liderança
empresarial que entendeu o projeto lulista como o maior defensor do capitalismo
brasileiro em todos os setores. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), parece que
não desiste, e aponta para a virada no Plenário do Senado.
Independente
de eu julgar que estamos diante de um golpe branco à moda paraguaia, especulo
que seja blefe da ex-líder da Confederação Nacional da Agricultura. Será que o
latifúndio salvaria o lulismo?
Apontando
conclusões nos argumentos contraditórios
Desde
quando oligarcas exigem compromisso entre discurso de palanque e prática no
Poder Executivo?! Tem muita gente, muita gente, afirmando que a presidente
Dilma Rousseff cometera estelionato eleitoral. Dilma foi à reeleição de forma
quase plebiscitária e derrotou o adversário através de um acirramento
aparentemente ideológico. Daí, logo no ano de 2014, convocou um Chicago Boy
para estar á frente da Fazenda e começou sua desgraça recente. Isso é
estelionato, perfeito. Mas, convenhamos. A oligarquia brasileira e as elites
dirigentes e mesmo os setores do empresariado e dos financistas querem uma
democracia onde o compromisso quebrado pode retirar o direito do exercício de
mandato?
Essa
gente não quer isso, nunca quis, a não ser quando a democracia era censitária.
Aí sim, na minúscula democracia inglesa, o mandato era imperativo, mas o
colégio eleitoral era mínimo e só para comerciantes, nobres e todos os votantes
e elegíveis, homens. Quando a democracia é massiva e o direito político está
vinculado ao compromisso pronunciado publicamente, isso é uma democracia
semi-direta. Ou seja, o horror dos representantes profissionais, o terror dos setores
dominantes que praticam a sobre-representação (representam a si mesmos).
Eu
adoraria ver regras de compromisso no Brasil, mas definitivamente, nem os
golpistas e tampouco a ex-esquerda quer uma democracia sob o controle popular
com mecanismos de tipo participativo ou direto. Ou querem?
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/559455-a-sessao-final-do-golpe-com-nome-de-impeachment-no-senado-parte-1
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