O
coordenador nacional do MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, João Pedro
Stédile faz uma consistente análise do quadro político brasileiro. Em palestra
no Sindicato dos Engenheiros do Rio e em entrevista ao Bafafá, ele afirma que a
conciliação com a burguesia é um casamento desfeito que não adianta insistir.
“Nós, como forças progressistas da sociedade, temos que debater e pensar em um
novo projeto. O carro de som como forma de mobilização não serve mais”,
garante.
Para
Stédile, o neodesenvolvimentismo da era Lula e Dilma esgotou. Caso o
impeachment seja rejeitado, ele defende que Dilma venha a público com uma carta
compromisso com a sociedade. “Não basta ela voltar. Tem de voltar com outro
programa, outro ministério e esquecer esses partidos de merda do Congresso”,
fuzila.
Sobre
o papel do parlamento, Stédile fuzila: “Os capitalistas sequestraram o sistema
eleitoral no Brasil e elegem quem eles querem. Essa história de que todo poder
emana do povo é uma falácia”.
Como
está vendo o momento que estamos vivendo?
A
classe dominante brasileira, ao longo de nossa história, sempre recorre a esses
golpes militares ou institucionais para recompor o seu projeto. Nós fazemos uma
leitura que a sociedade brasileira está vivendo uma grave crise nesse período
de sua história. Uma crise que não é de corrupção, não é apenas uma crise
política. Ela eclodiu em meio a uma crise econômica, em meio a uma crise
política de gestão do estado e uma crise social com os problemas se agravando.
Temos ainda uma crise ambiental fruto da ganância do capital como nunca vimos
em outros períodos de nossa história. Isso é decorrência da vários fatores: da
crise do capitalismo internacional, da dominação do capital sobre o estado e a
produção, da falência da democracia representativa. Os capitalistas
sequestraram o sistema eleitoral no Brasil e elegem quem eles querem. Essa
história de que todo poder emana do povo é uma falácia! O povo nem sequer
lembra em quem votou. Na votação do impeachment da Dilma só 36 deputados tinham
votos próprios para se eleger, o resto entrou de carona. A crise é mais ampla
do que apenas possíveis erros do governo Dilma.
O
MST foi crítico ao governo Dilma?
Nós
criticamos e denunciamos o governo Dilma porque ele foi eleito com um programa
em 2014 e imediatamente montou uma equipe que nada tinha a ver com este
programa, com o Levy à frente. Em 2015, foi um desastre porque ela adotou um
programa neoliberal que tirou o apoio popular dela. Nós sempre fomos críticos,
sobretudo no segundo mandato. Porém, temos que entender que a causa principal
não são os erros do governo. Diante dessa crise histórica, que só aconteceu
antes em 1930, 1960, 1964 e 1980. Para sairmos da atual precisamos de um novo
projeto com nova hegemonia na sociedade. A burguesia, diante da crise, soltou
seus cachorrinhos na rua. Embalados pela Globo com a fantasia que o problema
era a corrupção, fizeram todo aquele latido nas ruas. Ai veio o golpe e agora
estão envergonhados. Nunca se viu tanta corrupção num só governo como o atual.
Três ministros já caíram e tem mais sete arrolados em processos de corrupção.
Como disse o Ciro Gomes, o governo Temer é um sindicato de ladrões.
O
impeachment é golpe?
A
burguesia deu um golpe institucional porque quer aplicar um plano neoliberal
que atenda o capital financeiro e as grandes corporações internacionais. Esse
governo provisório já prega o realinhamento com os Estados Unidos, a
flexibilização da CLT e liberação da terceirização. Vai ser um ataque frontal
ao direito dos trabalhadores. O pior vai ser a apropriação de R$ 220 bilhões em
recursos que eram destinados às camadas populares, em todas as áreas, saúde,
educação, moradia, reforma agrária. Isso para recompor o seu processo de
acumulação. Tem ainda a apropriação dos bens da natureza. No Brasil ainda temos
em oferta a energia elétrica e o petróleo. O minério de ferro não falo, pois já
é deles! Eles precisam se apropriar do Pré Sal, a nossa grande riqueza natural.
Eles precisam se apropriar, pois é a maior reserva conhecida do mundo. O Temer,
em nome da burguesia, quer fazer esse trabalho. Seu governo golpista tem muitas
contradições. O projeto neoliberal dele não é um projeto de nação, ao
contrário. É um programa antinacional e antipopular. Os problemas só irão se
agravar.
Quem
afinal comanda o golpe?
A
direita brasileira está desunida, não tem um núcleo. Tem o bloco de interesse
do poder econômico representado pelo Meirelles, o bloco dos partidos
conservadores como PMDB, PP, PPS, tucanos e o bloco ideológico comandado pela
Globo, o Moro e o Ministério Público. Contradições destes três blocos, por
falta de unidade política, podem nos ajudar.
E
a classe trabalhadora no meio disso?
A
classe trabalhadora tem enfrentado diversos desafios diante da crise. Apenas os
setores organizados estão nas ruas, as manifestações não tem o povão que está
atônito diante da luta de classes. Por que isso? Pelo fracasso ideológico dos
partidos que pararam de fazer formação política, na incompetência dos governos
Lula e Dilma de fazer aliança com a Globo ao invés de enfrentar o poder
econômico. Hoje nós temos uma massa amorfa que está em casa vendo televisão.
Nós temos que cutucar essa massa. O nosso desafio agora é trabalhar firmemente
não só nos sindicatos, mas também nos movimentos populares, no sentido de uma
greve geral. Se a classe trabalhadora não parar não terá força para sinalizar
para a burguesia que é contra o arrocho. Esse é o desafio: a classe
trabalhadora que produz sinalizar para o Temer que ela é um ator importante
para o futuro da sociedade. Ai cabe uma autocrítica da esquerda de reconhecer
que desaprendeu de fazer trabalho de base e de conscientização.
E
os militares, são legalistas ou golpistas?
Os
militares golpistas estão de pijama embora circulem nas redes sociais com
discursos fascistóides. Os militares da ativa estão atônitos e receosos de ter
um protagonismo maior. Cabe-nos criarmos pontes com eles na defesa da
democracia.
E
qual é o desafio para as forças progressistas?
Temos
que pensar num novo projeto para o país. O neodesenvolvimentismo da era Lula e
Dilma esgotou. Não adianta achar que Lula 2018 vai resolver o problema apesar
dele ainda ser o maior líder popular que nós temos. Se não tivermos um programa
por trás não avançaremos. A conciliação com a burguesia é um casamento
desfeito, não adianta insistir. Nós, como forças progressistas da sociedade,
temos que debater e pensar em um novo projeto. O carro de som como forma de
mobilização não serve mais.
É
possível barrar o golpe?
Sim,
temos chance. Tudo é possível diante do caráter golpista e antinacional do
governo Temer. É preciso um intenso trabalho de mobilização em diferentes
setores da sociedade como da saúde, da educação, da moradia, do campo. Temos
ainda a perspectiva de uma greve geral como necessidade de mobilizar as massas.
Nos dias 19 e 20 de julho vamos realizar um Tribunal Internacional para julgar
os golpistas no Teatro Casagrande. O júri será formado por sete personalidades
do mundo, entre eles Andrés Peres Ezquivel. O veredito será levado ao STF e aos
senadores. Queremos ainda organizar uma grande marcha no dia 05 de agosto na
abertura das Olimpíadas aproveitando que estarão na cidade mais de 20 mil
jornalistas. Vamos ainda imprimir milhões de folhetos didáticos explicando a
natureza do golpe. Existe também a possibilidade de entrarmos com um recurso no
STF questionando o mérito do impeachment se vier a ser aprovado. Temos que
associar o golpe ao STF para mostrar à sociedade que ele é conivente com o
golpe.
E
Dilma nisso tudo?
Ela
tem de vir a público e divulgar uma carta compromisso com a sociedade. Não
basta ela voltar. Tem de voltar com outro programa, outro ministério e esquecer
esses partidos de merda do Congresso. Isso é urgente. É besteira ela sinalizar
a direita com um plebiscito sobre a continuidade ou não de seu mandato. Até
porque juridicamente é inviável.
E
se o impeachment for aprovado?
Se
for aprovado temos duas alternativas: recorrer ao STF para julgar o mérito da
questão e paralelamente a isso lutar por um plebiscito que convoque uma
Assembleia Constituinte para fazermos uma reforma política. Sem mudar o sistema
eleitoral não teremos democracia representativa no país.
E
um eventual governo Temer como será?
Não
conseguirá governar uma semana do ponto de vista de ação política porque vai
ser contra os trabalhadores. Vai aprofundar a crise e será instável.
http://www.ocafezinho.com/2016/07/08/joao-pedro-stedile-os-capitalistas-sequestraram-o-sistema-eleitoral-no-brasil-e-elegem-quem-eles-querem/
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