O
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso avalia que a Operação Lava Jato já
cumpriu seu papel, ao contribuir para o afastamento da presidente Dilma Rouseff
e para o desgaste do PT.
Agora,
no momento em que novas delações se aproximam se deu partido, ele pede um
basta. "Não é hora só para acusações, é hora também para a busca de
convergências", diz ele.
Leia, abaixo, seu artigo
deste domingo:
Um pouco de
bom senso
Descartes,
em frase famosa, escreveu que o bom senso é a faculdade melhor distribuída no
mundo. Na época, bom senso se referia à razão. Traduzindo para hoje: a
inteligência das pessoas se distribui entre elas seguindo uma curva normal.
Pode ser. Mas o common sense dos americanos é outra coisa: a sabedoria. Seja no
sentido francês, seja no inglês, parece que o mundo de hoje perdeu o senso. De
hoje?
Muito
comumente os que tomam decisões pouco se preocupam com os dias futuros. O tempo
passa, e quem paga a conta são as gerações futuras. A falta de senso vem de
longe. Basta olhar para o que vimos ainda esta semana. Seja o Isis, seja quem
for o responsável pelos ataques terroristas na Turquia, eles são respostas
irracionais a atos também irracionais do passado.
Não
foi o colonialismo inglês que partiu o Oriente Médio em Estados-nação que
controlam etnias, religiões e culturas distintas? E, na África, os ingleses não
contaram com a ativa cooperação dos franceses e demais potências ocidentais
para criar países artificiais? Mais recentemente, não foram os americanos no
Iraque, os europeus na Líbia, e todos juntos na Síria, que fizeram intervenções
para restabelecer o “bom governo” e deixaram os países divididos e
ingovernáveis?
E
não foram outras pessoas que pagaram com a vida, décadas depois, o ardor
missionário dos terroristas de vários tipos? Mais recentemente, a maioria dos
britânicos votou por separar o Reino Unido da Comunidade Europeia. Só depois se
assustaram. Amanhã, acaso os americanos não podem pregar uma peça neles
próprios (e em todo o mundo) e eleger o Trump?
Espero
que não. Mas, em qualquer dos casos (e ainda que os ingleses tenham lá seus
argumentos contra a “burocracia de Bruxelas”), as consequências, como a sabedoria
de Eça fazia o conselheiro Acácio dizer, vêm sempre depois. Escrevo isso não
para justificar, mas para tentar explicar algo do que ocorre entre nós.
Assim
como no passado outras visões do mundo puderam levar alguns povos,
momentaneamente, à insensatez, e esta cobrou seu preço no transcorrer do tempo,
no mundo atual há um sentimento antiordem estabelecida, que poderá cobrar preço
alto no futuro. Está na moda, por motivos compreensíveis, colocar no pelourinho
a política e os políticos.
Não
é só aqui e vem de longe. O mesmo movimento que levou à ampliação da interação
social, saltando grupos, Estados e nações, baseado no acesso à informação e às
novas tecnologias, pôs em xeque as instituições tradicionais, tanto das
ditaduras como das democracias representativas. Foi assim na “primavera árabe”,
do mesmo modo que nos movimentos dos “indignados” da Espanha, agora no
anti-Bruxelas da Grã-Bretanha.
E
não é de outra índole o tipo estranho de protesto que permitiu Trump derrotar
os “donos” do Partido Republicano, ou o susto que o senador Bernie pregou em
Hillary. Por todos os lados há um mal-estar, um inconformismo: todos vêm e
sabem que a vida pode ser melhor, sentem que o progresso material cria
oportunidades, mas delas se apoderam alguns, não todos.
Deriva
daí, como do desemprego, que é outra faceta da desigualdade básica de
apropriação de oportunidades, uma insatisfação generalizada que se volta contra
“los de arriba”. O horizonte parece toldado, mas não ao ponto de impedir que
“los de abajo” vislumbrem bom tempo para alguns, o que irrita. Irrita mais
ainda quando há um sentimento de impotência, porque os que sabem e possuem têm
vantagens desproporcionais diante da maioria que vê o bonde da História passar.
Essa
constatação só aumenta a angústia e a responsabilidade dos que dela têm noção.
Tivemos no Brasil, à nossa moda, algo disso. Há responsáveis, mas não vem ao
caso acusar. Provavelmente alguns deles, se forem intelectualmente honestos,
estão se perguntando: por que não vi antes que endividar irresponsavelmente o
país, mesmo que a pretexto de aumentar momentaneamente o bem-estar do povo e
criar ilusões de crescimento econômico, é algo ruinoso, que as gerações futuras
pagarão?
Exemplo
simples: quando foi derrotada a emenda na Previdência Social de meu governo,
que definia uma idade mínima para as aposentadorias, não faltou quem gritasse
vitória. Alguns dos mesmos que década depois se deram conta de que não se
tratava de “neoliberalismo”, mas de projetar no futuro próximo as consequências
financeiras de tendências demográficas inelutáveis. Diante do estrago, não
adianta chorar: é darmo-nos as mãos e ver se encontramos caminhos.
Digo
há tempos que o sistema político atual (eleitoral e partidário) está “bichado”.
Sou defensor das ações da Lava-Jato e sei que sem elas seria mais difícil
melhorar as coisas. Mas não nos iludamos: sem alguma forma de instituição
política e sem políticos que a manejem, não será suficiente botar corruptos na
cadeia para purgar erros de condução da economia e da política.
Que
se ponha na cadeia quem for responsável, mas que não se confunda tudo: nem
todos os políticos basearam sua trajetória na transgressão, e nem todos que
financiaram a política, bem como os que receberam ajuda financeira, foram
doadores ou receptores de “propinas”. Se não se distinguir o que foi doação
eleitoral dentro da lei do que foi “caixa dois”, e esta do que foi arranjo
criminoso entre governo, partidos, funcionários e empresários, faremos o jogo
de que “todos são iguais”. Se fossem, que saída haveria?
Está
na hora de juntar as forças descomprometidas com o crime, e elas existem nos
vários setores do espectro político, para que o bom senso volte a imperar e
para que possamos recriar as instituições, entendendo que no mundo
contemporâneo a transparência não é uma virtude, mas um imperativo, e, por
outro lado, que se não houver meios institucionais para decidir e legitimar o
que queremos não sairemos da desilusão e da perplexidade.
Não
é hora só para acusações, é hora também para a busca de convergências.
http://www.brasil247.com/pt/247/poder/241813/FHC-agora-quer-o-fim-da-Opera%C3%A7%C3%A3o-Lava-Jato.htm
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