Toda
mentira bem elaborada, para ser convincente, precisa começar apontando alguns
fatos verdadeiros. É a arte da falácia, na qual os editorialistas do jornal O
Globo são mestres e doutores.
É
fato: o sistema universitário brasileiro ainda é profundamente injusto. O
acesso dos mais pobres à universidade pública ainda é minoritário, mesmo tendo
melhorado na última década, graças a algumas políticas públicas de inclusão dos
governos petistas que, contudo, apesar de terem ajudado, foram insuficientes.
Também
é fato: muitas pessoas pobres que não conseguiram passar na universidade
pública estudam em universidades particulares de duvidosa qualidade, muito
diferentes das universidades particulares de elite, e muitas pessoas dos
segmentos mais ricos da população, depois de estudarem em escolas particulares
de elite, ingressam às melhores universidades públicas. E eles poderiam pagar.
Também é fato: o estado brasileiro e muitos estados da federação estão quase
falidos.
Contudo,
não é fato que a solução para esses problemas seja acabar com a gratuidade do
ensino universitário público. Essa é uma grande mentira. A experiência
internacional mostra que esse modelo é um fracasso e só produz mais
desigualdade, mais injustiça social, mais exclusão. E não soluciona o problema
do déficit fiscal, nem melhora a universidade pública.
Em
seu Comunicado nº 75, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revela
a importância que os gastos sociais adquiriram no Brasil para o crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) e a redução das desigualdades.
Segundo
o estudo, que usou como base dados de 2006, cada R$ 1 gasto com educação
pública gera R$ 1,85 para o PIB. A título de comparação, o gasto de R$ 1 com
juros sobre a dívida pública, segundo o mesmo estudo, gerará apenas R$ 0,71 de
crescimento do PIB. Ou seja, o dinheiro gasto com educação de qualidade, como é
o caso das universidade federais, é um excelente investimento dos recursos
públicos.
Então,
por que que o editorial do Globo mente?
Primeira
mentira do Globo: como aponta o economista Bruno Mandelli, a ideia de que
"as universidade públicas só beneficiam os ricos, enquanto aos pobres
restam as universidades particulares" é um mito bastante difundido, porém
completamente equivocado.
Explica
Mandelli: O ensino público é elitizado, mas não há nada que indique que o
sistema privado de ensino superior seja mais popular. Pelo contrário, os
levantamentos disponíveis indicam que, em termos de renda, os estudantes das
universidades públicas são inclusive ligeiramente em média mais pobres que os
estudantes das privadas.
Segundo
a Pnad 2014, por exemplo, os estudantes que faziam parte dos 20% mais ricos da
população brasileira correspondiam a 36% dos estudantes do ensino superior
público e 40% do ensino superior privado. Ou seja, há mais 'ricos' no sistema
privado do que no público.
Na
ponta oposta, os estudantes que faziam parte dos 20% mais pobres da população
brasileira representavam 7% dos estudantes do ensino superior público e apenas
3,4% do ensino superior privado. Ou seja, os 'mais pobres' estão nas
universidades públicas no dobro da proporção verificada nas privadas.
Segunda
mentira: ensino pago não soluciona o problema, muito pelo contrário. Países que
adotaram esse caminho, como o Chile, têm um sistema universitário altamente
elitizado e excludente – e hoje estão querendo mudar.
Acabar
com a política pinochetista que O Globo propõe para o Brasil foi uma
daspromessas de campanha da presidenta Michele Bachelet! Outro exemplo
paradigmático são os EUA, onde as possibilidades de acesso à universidade (e a
qual universidade) dependem da renda das famílias, e os jovens mais pobres ou
de classe média (sim, também a classe média) só podem estudar na universidade
se endividando por décadas ou conseguindo uma bolsa esportiva, que os obriga a
dedicar mais tempo ao treinamento que aos livros.
Terceira
mentira: as bolsas não são suficientes para corrigir as injustiças do ensino
pago. O Prouni é uma prova disso. Embora esse programa tenha tido alguns
efeitos positivos (de fato, ajudou muitos jovens de baixa renda a entrar na
universidade), ele não acabou com a elitização da universidade pública,
beneficiou o ensino particular, ajudou à proliferação de fábricas de diplomas
de baixa qualidade e não solucionou o problema da permanência.
Quarta
mentira: o ensino gratuito não é a causa do déficit fiscal. Vejamos, por
exemplo, o caso da UERJ. A principal universidade do estado do rio está quase
falida, enquanto o governo local do PMDB desperdiça bilhões de reais em
isenções fiscais que geram pouquíssimo emprego (da mesma forma que o governo
federal os desperdiça com empréstimos de bancos públicos a juros de privilégio
para as grandes empresas; por exemplo, o grupo Globo), ou com dívidas
bilionárias de empresários, que acabam não sendo cobradas, ou com obras
superfaturadas.
No
nível federal, os recursos que o estado receberia acabando com a gratuidade das
universidades públicas (com altíssimo custo social) são nada, se comparados ao
que poderia ser arrecadado taxando as grandes fortunas, reestruturando a tabela
do imposto de renda ou acabando com a isenção às operações financeiras e ao
mercado de capitais.
Quinta
mentira: se quisermos cobrar aos ricos que usam a universidade pública, a
solução não é instaurar uma mensalidade. Estabeleçamos um tributo adicional
para as faixas mais altas do Imposto de Renda (depois de mudar a tabela para
que estas sejam pagas pelos ricos de verdade e não pela classe média) que
alcance os cidadãos com alta renda que estudaram e se formaram numa
universidade pública, e destinemos esse dinheiro a um fundo especial para abrir
mais vagas e pagar bolsas de permanência para os estudantes mais pobres.
Dessa
forma, o pagamento não seria uma barreira, mas uma devolução à sociedade paga
por aqueles que já usufruíram da universidade pública e se deram muito bem na
vida.
E
se quisermos aumentar o número de pessoas de baixa renda nas universidades
públicas, ampliemos a oferta de vagas, invistamos no ensino fundamental e médio
(a baixa qualidade dele, combinada com o Enem e o vestibular, funciona como
barreira para o ingresso dos mais pobres às universidades públicas, onde os que
estudaram em boas escolas particulares têm mais chances de passar). E demos
bolsas de permanência para que os mais pobres não abandonem os estudos.
Em
resumo, o jornal O Globo tentou nos enganar. As soluções são outras. A educação
pública gratuita é uma conquista democrática da qual jamais abriremos mão e é
imprescindível para o desenvolvimento econômico, social e humano do Brasil.
http://www.brasil247.com/pt/colunistas/jeanwyllys/245939/As-cinco-mentiras-do-Globo-sobre-a-universidade-p%C3%BAblica.htm
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