Para
quem ainda não compreendeu como o “plano” Temer-Meirelles – plano, porque não
pode ser implantado antes de consolidado o golpe – depende de um governo
autoritário e desvinculado do voto popular para ser implantado, reproduzo o
artigo da economista Laura Carvalho, que pensa fora da “caixinha” tecnocrática
que nos acostumamos a ler nos que falam “economês” para que o povo não entenda
a crueldade de suas ideias.
Quem não
cabe no Orçamento do Brasil?
Laura
Carvalho*
No
levantamento realizado pelos pesquisadores Pablo Ortellado, Esther Solano e
Lucia Nader em São Paulo, durante as manifestações pró-impeachment do dia 16 de
agosto de 2015, dois temas chamaram a atenção. Entre os manifestantes, 97% concordaram
total ou parcialmente que os serviços públicos de saúde devem ser universais, e
96% que devem ser gratuitos. Já sobre a universalidade e a gratuidade da
educação, o apoio foi de 98% e 97% dos manifestantes, respectivamente. “Isso é
um resquício de junho de 2013”, afirmou Pablo Ortellado a uma reportagem do El
País de 18/08/2015.
O
resultado deste tipo de levantamento, quando somado aos resultados nas urnas
das últimas quatro eleições presidenciais, sugerem que o pacto social que deu
origem à Constituição de 1988 não foi desfeito. Ao contrário, as demandas nas
ruas desde 2013 e nas ocupações das escolas desde 2015 têm sido por melhorias
nos serviços públicos universais, e não pela redução na sua prestação.
A
regra Temer-Meirelles prevê que as despesas primárias do governo federal passem
a ser reajustadas apenas pela inflação do ano anterior. Se vigorasse no ano
passado, e outros gastos não sofressem redução real, as despesas com saúde
teriam sido reduzidas em 32% e os gastos com educação em 70% em 2015. Pior. Se
o PIB brasileiro crescer nos próximos 20 anos no ritmo dos anos 1980 e 1990,
passaríamos de um percentual de gastos públicos em relação ao PIB da ordem de
40% para 25%, patamar semelhante ao verificado em Burkina Faso ou no
Afeganistão. E se crescêssemos às taxas mais altas que vigoraram nos anos 2000,
o percentual seria ainda menor, da ordem de 19%, o que nos aproximaria de
países como o Camboja e Camarões.
“A
Constituição não cabe no orçamento”, argumentam seus defensores, na tentativa
de transformar em técnica uma decisão que deveria ser democrática. De fato, há
uma contradição evidente entre desejar a qualidade dos serviços públicos da
Dinamarca e pagar impostos da Guiné Equatorial. O que esquecem de ressaltar é
que os que pagam mais impostos no Brasil são os que têm menos condições de
paga-los. Se os que ganham mais de 160 salários mínimos por mês têm 65,8% de
seus rendimentos isentos de tributação pela Receita Federal, fica um pouco mais
difícil determinar o que cabe e o que não cabe no orçamento.
O
fato é que as propostas do governo interino não incluem nenhum imposto a mais
para os mais ricos, mas preveem muitos direitos a menos para os demais. Os
magistrados conseguem reajuste de seus supersalários, mas a aposentadoria para
os trabalhadores rurais é tratada como rombo. A cultura, a ciência e a
tecnologia ou o combate às desigualdades deixam de ser importantes. O pagamento
de juros escorchantes sobre a dívida pública não é sequer discutido, mas as
despesas com os sistemas de saúde e educação são tratadas como responsáveis
pela falta de margem de manobra para a política fiscal.
Essas
escolhas estão sendo feitas por um governo que não teve de passar pelo debate
democrático que só um processo de eleições diretas pode proporcionar. A
democracia caberia no orçamento. O que parece não caber é a nossa plutocracia
oligárquica.
*publicado
no blog do professor Rogério Cerqueira Leite
Por
Fernando Brito
http://www.tijolaco.com.br/blog/laura-carvalho/
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