Em
pouco mais de três décadas o SUS mostrou-se não só viável como essencial. É um
pilar da garantia dos direitos sociais em contraposição ao mercado. É
responsável (até hoje) por 90 a 95% das cirurgias de coração, tratamentos
oncológicos e transplantes de órgãos. Realiza um milhão de internações/mês, 3,5
bilhões de atendimentos/ano, e a assistência primária cobre 60% da população
com a Estratégia de Saúde da Família.
Quando
a população de um município do estado mais pobre do país – Piauí – escolhe um
médico cubano da ESF para carregar a tocha olímpica, não é à toa. É a homenagem
à vitória de um modelo de assistência à saúde da população que deu certo e que
ela reconhece como seu direito. É isso que o mercado (diga-se, seus interesses)
não pode suportar. De nada adianta manter um programa afirmando que será
reforçada a presença de médicos autóctones na estrutura de atendimento se esses
médicos são e continuam sendo formados para o mercado. É falaciosa a
argumentação de que os médicos nacionais estão defendendo condições estruturais
para sua atuação profissional, por isso não se dispõem a ir prestar serviços
nos rincões mais pobres do país, se são esses mesmos médicos que têm interesses
estreitos com o setor privado de prestação de serviços, diretos ou indiretos.
Se
os avanços são de grande monta na construção do SUS apesar das forças contrárias
a ela, os problemas para se dar conta de forma satisfatória da situação de
saúde da população brasileira também não são desprezíveis. Isso não significa
que o SUS fracassou. Ao contrário, significa que ele é vitorioso, e que os
quadros e segmentos da sociedade que o defendem são conscientes dos avanços e
aperfeiçoamentos necessários.
Também
ficar somente denunciando os avanços gulosos e indiscriminados contra o SUS
nesse governo interino e ilegítimo não é suficiente. Porque o desmonte que ele
está promovendo não é só material (fixação do financiamento do governo federal,
sem levar em conta o crescimento da população e o comportamento da sua curva
etária, a presença de novas epidemias, as famigeradas parcerias
público/privado, que de público não têm nada, etc), mas é sobretudo o desmonte
da essência do SUS, do que o moveu e o segue movendo: o ideário da justiça
social, do direito à saúde, da equidade, e do seu caráter civilizatório.
E
nesse ponto a presença dos médicos cubanos tem sido uma lição exemplar de como
o conteúdo social da implementação do SUS via ESF é importante, não só para
mudar o modelo de atenção até então vigente, mas sobretudo para imprimir um
outro tipo de relação da sociedade com os serviços públicos: uma relação
marcada pelo reconhecimento do outro, pelo respeito ao outro.
A
ideologia política dos médicos cubanos não incomoda as elites e os donos do
capital na saúde porque ela não se transmite na relação médico/usuário do SUS.
O que os incomoda, e é para eles insuportável, é a quebra de um modelo de
relação dos profissionais médicos e de saúde marcado pelo desprezo e pela
superioridade daqueles sobre os usuários, e isso sim se transmite pela relação
que se estabelece entre esses pares: exatamente o que se denomina saúde como direito,
com os cidadãos sendo portadores de direitos e, portanto, de respeito.
Muito
distante do que se vem propondo por exemplo no absurdo de um novo perfil do
programa de atenção aos usuários de droga, ou da modificação perversa no modo
como se remunerar os serviços públicos municipais, por um padrão de premiação
da redução da prestação de serviços, numa versão burra do parâmetro
custo/efetividade. Aí o caso do Programa Bolsa Família é exemplar: o novo
governo ilegítimo vai premiar municípios que diminuam o número de bolsistas,
enquanto os governos anteriores premiavam a qualidade do cadastro.
Nesse
assalto à alma do SUS, onde estaria a possibilidade de resistência a esse
tsunami? Está na radicalização do que o SUS foi pioneiro em implementar no
conjunto das políticas públicas: na sociedade, seja participando dos conselhos
de gestão (com o risco de serem dizimados), seja na mobilização popular. E a
essas alturas, a saúde, sem dúvida alguma, já foi apropriada pela sociedade
(por aqueles que o utilizam diretamente) como um direito. A usurpação desse
direito pelos governantes ilegítimos pode e deve ser barrada pela mobilização
social, relembrando-se, por exemplo, no início dos anos 70 e 80 da importância
dos movimentos populares por saúde.
Num
momento de tanta fragmentação social, que se reflete na fragmentação das
demandas sociais, a luta pela defesa dos direitos sociais e trabalhistas deve
encontrar uma pauta comum, transversal, que permita que se levantem as
bandeiras da seguridade social que nortearam a constituição de 1988. E sem
ilusões: na radicalização atual, a luta pelos direitos sociais vai revestir-se
do que no fundo é – uma luta de classes, provocada pelos setores mais
retrógrados da sociedade, e que uma vez tendo usurpado o poder, estão achando
agora que o queijo é pouco!
Mas
de um governo que troca Paul Singer por um contador aposentado, ou que outro
ministro afirme que o Brasil é um país que “qualquer programinha social onde se
distribua bônus disso, bônus daquilo, se ganha eleição”, não se pode esperar a
não ser o pior. Saúde não é um bônus, assim como não o é a educação, o
trabalho, o Bolsa Família, os direitos trabalhistas e previdenciários.
Constituem sim direitos.
Nada
mais urgente que colocarmos a banda na rua, e rápido!
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/06/a-ofensiva-raivosa-de-desmonte-do-sus.html
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