O angu golpista borbulha,
mas não dá ponto.
O alarido policial-midiático
(uma extensão um do outro) difunde ilusões de consenso que embriagam o ambiente
conservador.
A realidade do golpe, porém,
é diferente da propaganda, como ficou nítido nesta 2ª feira, quando o novo
presidente da Câmara anulou a sessão que votou o impeachment da Presidenta
Dilma Rousseff. O apavoramento que o episódio gerou no golpismo evidencia o
medo do que se seguiu: qualquer faísca de esperança levanta o país.
Rapidamente os vigilantes do
golpe, tendo à frente as milícias do jornalismo embarcado, cuidaram de sufocar
a transgressão ao enredo delicado.
Salvam-se as aparências, mas
a inconsistência do angu piora com o aumento da temperatura.
Caminha-se no chão mole de
uma ruptura sem solidez, nem horizonte de futuro: um golpe que não se assume,
mas que aos poucos é forçado a expor as garras de violência intrínsecas ao
risco de se dissolver na contestação.
A impressionante
convergência do que há de pior na sociedade –não estamos qualificando pessoas,
mas interesses, diagnósticos, métodos, alinhamentos geopolíticos, padrões de
civilidade, de jornalismo e, sobretudo, escolhas de desenvolvimento - leva
alguns a confundir a borbulha do golpismo, a euforia, com hegemonia.
A aliança do baixo clero
parlamentar com a plutocracia, da classe média fascistizada com o antipetismo
histérico da mídia, bem como a do judiciário cúmplice com a toga acoelhada
compõe, de fato, uma gordurosa coalizão da escória que avança para assaltar o
poder no Brasil.
Daí a se confundir essa
usurpação com o magnetismo que o uso da palavra hegemonia requer, vai uma
grande diferença.
Hegemonia não significa
apenas força, ainda que necessariamente a inclua.
Hegemonia implica,
sobretudo, consentimento --algo incompatível com a natureza própria de um
golpe.
Num caso, predomina a
conspiração violenta; no outro, a capacidade de pactuar, de liderar, de
arrebatar, de convencer, de arregimentar, enfim, de mobilizar corações e mentes
para empreender o passo seguinte na vida de uma nação.
Quem o faria ? Temer?
Serra? Jucá...
...Janaína Paschoal?
O que esses timoneiros
lograram de mais visível, com escoltas de nível equivalente na mídia e no
judiciário, foi arquitetar o sequestro de um mandato portador de 54,5 milhões
de votos.
O feito apoia-se em um
massacre propagandístico só equivalente, ou superior, ao que antecedeu o golpe
de 1964.
O que se conseguiu até agora
foi gerar turbulência institucional, paralisia econômica, incerteza nos
segmentos majoritários da sociedade, repulsa nas fileiras democráticas e apoio
efetivo restrito a camadas conservadoras e na renda alta adestrada na crispação
midiática.
Em uma sociedade trincada na
vertical pelo esgotamento de um ciclo de expansão, essa dissolução apenas
magnifica o desafio de se erguer linhas de passagem para um novo espaço de
futuro.
O repertório que o golpe
teima em enfiar goela abaixo da sociedade configura tudo menos a ‘ponte para o
futuro’ que o publieditorial do jornalismo econômico acena para os mercados.
O que se preconiza, de fato,
é um lacto purga em dose concentrada do arrocho neoliberal sistematicamente
rejeitado pelas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014.
Esse é o embasamento
histórico do golpe.
Se lograr êxito abrir-se-á
uma temporada de 180 dias que abalarão o Brasil.
Um regime de exceção,
dirigido por um agrupamento de interesses excludentes, tentará então a
temerária imposição ao país de protocolos e diretrizes não pactuados nas urnas,
tampouco negociados em grandes mesas nacionais para as quais, inclusive, não
dispõe de mandato e tampouco de mediadores reconhecidos.
Escavar um fosso entre a
representação política da sociedade e o poder de decisão sobre o destino do seu
desenvolvimento é tudo o que a ganância cega das plutocracias pode almejar como
êxito.
Isso dificilmente conseguirá
prosperar em ambiente de vigência das liberdades democráticas.
Tampouco o sucesso nos seus
próprios termos é plausível –ainda que a economia esteja no fundo do poço por
conta, inclusive, de uma greve do capital golpista e alguma reação deva
ocorrer.
Há inconsistências maiores,
porém, que limitam o fôlego dessa empreitada.
Desdenhar dos partidos e
entregar o destino da sociedade a uma lógica cega que se avoca autossuficiente
e autorregulável, foi justamente o que se fez nas últimas décadas no mundo
capitalista.
O corolário desse voo cego
foi a crise sistêmica de 2008, da qual a economia internacional está longe de
haver superado.
O golpe aposta sus fichas em
‘crescer para fora’ e ‘arrochar para dentro’ na crença em uma recuperação
global da qual o próprio Fed duvida, tendo renunciado a novas altas nas taxas
de juros por isso, e a Europa, a cada dia, tem menos razões para acreditar.
Não há demanda no mundo
depois de 40 anos de dilapidação neoliberal de direitos sociais e trabalhistas
e do esgoelamento fiscal dos Estados nacionais, que abdicaram de arrecadar para
se endividar. Hoje não dispõem de fôlego nem de ferramentas (banco públicos de
desenvolvimento, por exemplo) para investir e arrastar o capital privado,
viciado na cocaína rentista.
A ilusão de que replicar a
receita fracassada da ortodoxia será suficiente para fazer decolar a economia
brasileira explica o desdém com a crise de hegemonia que move o golpe e,
paradoxalmente, irá paralisa-lo logo em seguida.
A solução rasa e repetitiva
do arrocho fiscal (corta, corta, corta) e monetário (juro alto) reflete um
campo de visão de classe, endogenamente estreito.
O Brasil plano, feito de
desafios monocausais, infantilmente atribuídos ao ‘lulopetismo’ pelo doutrina
colegial do jornalismo conservador, simplesmente não existe.
O relevo econômico do país
inclui-se entre as encostas mais acidentadas do capitalismo mundial, graças à
tradição secular de predadores, ora abrigada sob as asas do timoneiro Temer.
O que se desenha para os
próximos 180 dias, assim, é um condensado acerto de contas de velhas e novas
pendências trazidas de uma espiral histórica de confronto e crispação que se
acomodou brevemente no ciclo de expansão recente (2004/2012), mas cuja recidiva
explodiu com octanagem redobrada pela perspectiva de se quebrar o ciclo de
treze anos de governos progressistas no país.
Com um agravante.
A paralisia econômica
fundiu-se ao enrijecimento de um sistema político incapaz de prover as
condições, canais e instrumentos requeridos à repactuação do passo seguinte do
desenvolvimento brasileiro.
Herdado do ciclo da
redemocratização, o sistema político do país reflete uma transição tutelada que
inoculou no DNA da sociedade a incapacidade para renovar-se.
O insulamento de uma
representação política tragada pelo círculo vicioso dos interesses
autorreferentes, culminou, assim, com a captura da nação por uma escória
parlamentar liderada por um maestro da vigarice.
Desse ovo nasceu a serpente
que agora almeja usurpar o mandato de uma mulher honesta em benefício de
projetos e agentes que nunca dispuseram de voto para derrota-la.
O único antídoto a essa mistura
de esgotamento e desespero conservador é a rua.
Sem votos, o chão firme dos
interesses conservadores apoia-se em duas hipertrofias –a do judiciário e a da
mídia.
Ambas são insustentáveis se
a sociedade se erguer e se mobilizar, não aquecida por um incêndio passageiro.
Mas organizada de forma
propositiva e assertiva na definição do que se aspira para a cidadania e a
economia, com base em uma tríade: redemocratização, desenvolvimento e
repactuação nacional.
O governo legítimo - o da
Presidenta Dilma - deve organizar uma agenda de resistência que contemple essas
prioridades, traduzindo-a em um calendário de 180 dias de atividades.
Incluem-se aí debates,
fóruns, mesas de negociação e conferências regionais por todo o Brasil , até
desembocar no final do processo em uma gigantesca Conferência Nacional da
Democracia e do Desenvolvimento, para sacramentar uma frente política e um
Plano de Ação –para voltar ao governo ou para concorrer em 2018.
Portanto, não se trata
apenas de derrotar um golpe manco.
Mas de faze-lo desbravando
um novo caminho, com uma nova frente de forças, capaz de empolgar o país com as
possibilidades renovadas para o seu desenvolvimento, graças ao poder revigorado
da democracia de dizer sim e não ao mercado.
Isso é o que pode fazer dos
próximos 180 dias a sepultura do golpe. E mais que isso: o renascimento da
esperança no país que poderíamos ser, mas que ainda não somos.
A ver.
No site Carta Maior:
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2016/05/os-180-dias-que-abalarao-o-brasil.html?spref=tw
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