Estamos aqui supondo que
você é apenas um midiota, não um desses analfabetos políticos que têm saudade
da ditadura, pois com esses não é possível fazer qualquer contato inteligente
Luciano Martins Costa
Sabe o que se comemora no
dia 15 de maio?
É o Dia Internacional dos
Objetores de Consciência, criado pela ONU para reforçar o direito do cidadão de
se opor a uma medida legal ou a qualquer decisão de instituições públicas que
interfiram em sua vida pessoal ou que afete seus princípios morais, éticos,
religiosos.
Caro midiota.
Sabe o que é “estado de
desobediência civil”?
É quando um grupo de
pessoas, por exemplo, a população – ou parte dela – considera que uma decisão
governamental fere seus direitos, seus valores morais ou seus princípios
éticos.
Um passarinho me contou que
em alguns Estados brasileiros pode ocorrer a organização de milhões de
objetores de consciência em um projeto de desobediência civil permanente, caso
o vice-presidente da República ou qualquer outro indivíduo assuma o poder
Executivo com base em um processo considerado ilegítimo, ainda que respaldado
por uma decisão do Congresso Nacional.
Pelo menos um governador do
Nordeste está consultando setores da sociedade para verificar a conveniência ou
possibilidade de ocorrer esse movimento.
Esse conceito de
desobediência civil é extremamente consolidado em democracias maduras, e já
aconteceu no Brasil de forma desorganizada, mas eficaz.
Foi delineado no século XIX
por um cidadão americano de origem francesa chamado Henry Thoreaux.
Esse princípio também foi
analisado por pensadores como Hanna Arendt e Norberto Bobbio.
Agora imagine as
consequências de uma decisão na qual um ou mais Estados e ou municípios, além
de sindicatos, associações de estudantes e cidadãos em geral, organizados ou
não, se neguem a reconhecer qualquer medida legal emanada de um governo que
considerem ilegítimo, ainda que temporário.
Esse conceito de
desobediência civil é extremamente consolidado em democracias maduras, e já
aconteceu no Brasil de forma desorganizada, mas eficaz. Foto: Lula
Marques/Fotos Públicas (27/04/2016)
Esse conceito de
desobediência civil é extremamente consolidado em democracias maduras, e já
aconteceu no Brasil de forma desorganizada, mas eficaz. Foto: Lula
Marques/Fotos Públicas (27/04/2016)
“Se correr o bicho pega, se
ficar o bicho come”.
Você certamente tem ouvido
com frequência esse ditado popular nos últimos dias. Provavelmente também tem
usado essa metáfora para definir a situação política criada com o avanço do
processo de impeachment da presidente da República.
O que talvez você não saiba
é que está se referindo ao título de uma peça escrita em 1966 por Oduvaldo
Vianna Filho em parceria com o poeta Ferreira Gullar, que se tornou uma
referência do chamado Teatro da Resistência, movimento cultural de oposição à
ditadura militar.
Ele trata justamente de um
cidadão que, premido pelas circunstâncias da vida, se vê obrigado a quebrar as
regras para sobreviver. Ou seja, trata de certa flexibilidade das normas legais
diante de uma situação grave.
Estamos aqui supondo que
você é apenas um midiota, não um desses analfabetos políticos que têm saudade
da ditadura, pois com esses não é possível fazer qualquer contato inteligente.
A circunstância criada pelo
projeto de golpe que pretende substituir uma presidente eleita, contra a qual
não há denúncia de crime, por um grupo político sobre o qual pesam graves
acusações e suspeitas é não apenas uma situação na qual o bicho “pega” ou
“come” – é também a justificativa para um movimento massivo de objetores de
consciência em desobediência civil.
E não se trata apenas do
fato de que o movimento de derrubada da presidente vai acabar colocando a chave
do cofre público nas mãos de pessoas suspeitas de não tratarem com o devido
cuidado os recursos do Estado.
(Essa é a razão pela qual
você não tem tido muito ânimo para bater panelas ou para vestir verde e amarelo
e desfilar sua indignação e sua verve moralista pelas ruas: você está
desconfiando de que foi usado e, se lhe perguntassem, até diria que não foi
para isso que você saiu do casulo. Isso se você se sente desconfortável ao lado
de pessoas como Eduardo Cunha).
Trata-se do fato de que
milhões de brasileiros, que votaram ou não em Dilma Rousseff, têm o direito
legal de não reconhecer a autoridade de seu eventual substituto.
Até mesmo pessoas que foram
simpáticas ao processo de impeachment podem decidir que não querem esse grupo
no poder enquanto não forem todos julgados pelo STF.
Mas preste atenção: a mídia
tradicional já está criando o clima para que você aceite como normal essa
transição de uma presidente honesta para
um grupo de homens nem tanto.
Observe o conjunto das
manchetes da semana: dá-se como certo um governo presidido pelo advogado Michel
Temer, a tal ponto que os jornais e o noticiário do rádio e da TV anunciam
futuros ministros, sugerem medidas econômicas, louvam intenções.
O vice-presidente Temer
contratou uma empresa de comunicação e relações públicas para lustrar sua
imagem e construir um discurso apaziguador.
Mas não pode escapar de sua
própria natureza: por exemplo, ao anunciar que um eventual governo seu vai
atender apenas os 5% mais pobres em políticas sociais, ele está sinalizando que
irá interromper o modelo econômico criado em 2003, e que produziu o maior
fenômeno de combate à pobreza já
ocorrido no Brasil.
Com isso, dá uma satisfação
aos parceiros de golpe, cuja motivação sempre foi essa: a de priorizar o andar
de cima e engambelar as classes médias com a ilusão do mercado livre.
Os desentendimentos que você
deve estar notando se resumem ao seguinte: o Estado de S. Paulo e O Globo
querem que Temer faça uma transição rápida mas sob a tutela do PSDB; a Folha de
S.Paulo aceita qualquer solução, desde que o ex-senador José Serra tenha o
papel principal e tenha asfaltado o caminho para sua eleição ao Planalto em 2018.
Aquelas revistas semanais de informação que você aprecia querem qualquer coisa,
desde que o plano inclua a cassação dos direitos políticos do sr. Lula da
Silva.
Talvez você não saiba, mas
consultores ligados à Rede da ex-ministra Marina Silva estão convencidos de que
uma chapa Lula-Ciro Gomes teria grandes chances de vencer em primeiro turno na
próxima eleição.
A situação ficou complicada,
porque boa parte do PMDB não aceita ser usada como a mão do gato e depois
entregar a castanha aos tucanos. E se a banda dos golpistas não se afinar
rapidamente, os dois próximos anos serão conturbados e Lula volta ao poder pelo
voto.
Está vendo? A mídia
tradicional criou um senso comum segundo o qual todos os males do mundo foram
criados pelo governo de Dilma Rousseff.
Mas, como sabemos todos, o
senso comum criado pela comunicação de massa é muito relativo, porque o
discurso da mídia hegemônica não pretende construir uma sociedade crítica e
reflexiva – seu propósito é fabricar midiotas.
Ah, e o presidente da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha, acaba de acertar com os ministros do Supremo
Tribunal Federal um reajuste de 53% a 78% para os magistrados – que vai
beneficiar em cascata todo os servidores do setor, produzindo um impacto de
mais de R$ 36 bilhões nos cofres públicos num prazo de três anos.
A presidente Dilma Rousseff
tinha vetado essa proposta, e o STF acaba de conseguir o apoio das bancadas
golpistas para derrubar o veto.
E você ainda achava que esse
movimento em que você embarcou cheio de tesão cívico ia moralizar o País?
Sinto muito: se você correr,
o bicho pega; se ficar, o bicho come.
Luciano Martins Costa. Jornalista, mestre em Comunicação, com
formação em gestão de qualidade e liderança e especialização em
sustentabilidade. Autor dos livros “O Mal-Estar na Globalização”,”Satie”, “As
Razões do Lobo”, “Escrever com Criatividade”, “O Diabo na Mídia” e “Histórias
sem Salvaguardas”
http://brasileiros.com.br/2016/04/manual-perfeito-midiota-21/?platform=hootsuite
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