"Deus meu!",
pensou. Que dura profissão eu fui escolher! Viajando todo santo dia. É muito
pior do que quando se está no próprio escritório, pois, quando viajo, não posso
descuidar dos horários dos trens, as refeições são ruins, feitas fora de hora;
os relacionamentos mudam sempre, nunca são os mesmos, nunca possibilitam uma
autêntica amizade. Ao diabo com tudo isso!"
- Gregor Samsa, in A
Metamorfose, Kafka, Editora Abril, São Paulo, 2010, p. 12.
Nesse filme de terror que se
instalou no Brasil após a derrota da oposição nas urnas democráticas em outubro
de 2014 até o dia 17 de abril deste ano, talvez a referência que se tem feito
ao personagem de Franz Kafka, Josef K., do livro O Processo, já não se faça
mais necessária uma vez que o motivo pelo qual a Presidente Dilma Rousseff está
sendo destituída e vilipendiada de forma vil pelos afetos horripilantes dos
chamados golpistas (não há definição melhor) tornou-se bastante claro, agora
ofuscado aos olhos de todos nós expectadores e atores desse palco
"iluminado".
Numa tenebrosa ficção
kafkiana, neste momento, a Presidente Dilma Rousseff está mais para Gregor
Samsa, personagem do livro A Metamorfose, do que para Josef K. do Processo.
Como é do conhecimento dos
leitores do autor judeu tcheco, Franz Kafka (1883-1924) e especificamente esses
dois livros citados, são marcados por uma crítica de Kafka ao sistema
burocrático do Estado, assim como trata da alienação da condição humana
submetida a constantes e permanentes ataques brutais físicos e psicológicos.
No primeiro momento da
fabricação do Golpe de Estado para a destituição da Presidente da República,
eleita recentemente (2014), erigiram acusações levianas acerca de seu
envolvimento com supostas denúncias de corrupção que se generalizaram ao seu
partido e a seus membros, num ataque fantástico e surreal dos derrotados pelo
voto popular, apoiados por setores escusos da grande imprensa nacional.
Note-se que sem haver nenhum
fato jurídico que fundamentasse a ira da perdida oposição derrotada que
permitisse a realização de seu desejo vingativo, ressentido e espúrio – Golpe –
foram necessárias a invenção e a produção de elementos para o enquadramento da
personagem Dilma na prática de alguma ilegalidade constitucional.
Portanto, na primeira cena
nebulosa forjada no romance do Impeachment, análogo ao Processo de Kafka, Dilma
se assemelha ao personagem Josef K., pois, numa "linda manhã", no
quarto de hóspede de um hotel, fora acusado de algo do qual não tinha
conhecimento, nem sequer a ele foram esclarecidos os motivos pelos quais ele
estava sendo processado.
Na medida que o romance do
Impeachment de Dilma avança, de forma perversa e inversa a oposição busca um
fato jurídico para justificar o seu Golpe político. E não o contrário, o que se
tem é um desejo político revanchista tomado pelo ódio baixo que procura um
motivo jurídico para se realizar segundo os padrões morais da Lei. Importante
citar que comumente ocorresse o oposto, ou seja, tem-se um fato jurídico que
cause comoção ou repulsa para justificar o impedimento de uma Presidente. Neste
sentido, esse golpe percorreu o caminho inverso, sem fato jurídico evidente,
forjaram, "pedalaram" um subterfúgio com a contribuição de setores
escusos.
Assim, a personagem Dilma
que até o momento anterior se via na condição de Josef K. – O Processo de Kafka
– haja vista a inexistência de qualquer elemento jurídico que justificasse o
seu Processo de impedimento, encontra agora o motivo factual de seu processo.
Entretanto, apesar de sua
brilhante defesa refutar de forma inequívoca a tese das acusações: crime de
responsabilidade, os seus julgadores leigos e levianos (uma parcela da
população derrotada) associados à maioria de uma facção criminosa de
parlamentares, conforme se viu pronunciarem no último 17 de abril, no picadeiro
circense da Câmara dos Deputados, onde havia bandidos e palhaços sob a grande
lona do espetáculo asqueroso, chegamos à reta final desse romance. Ficou claro
que o fundamento jurídico forjado não tem relevância alguma. Trata-se apenas de
uma cassação política ignóbil.
Mais nada, absolutamente
nada.
Ao que parece, no Senado
será dado o tiro de misericórdia na personagem Dilma, agora mais próxima do
personagem de Kafka, Gregor Samsa, relegada, rejeitada e excluída de suas
funções pelo escárnio de uma massa falida em seus princípios éticos e
democráticos.
Depois do capítulo final
dessa ficção suja, não se sabe ao certo o que poderá advir, pois a nossa
personagem Dilma, acolhida por milhões de brasileiros, talvez fuja da trama
kafkiana e entre no contragolpe real.
Apoio maciço não lhe
faltará...
http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/230894/Golpe-de-Estado-um-olhar-kafkiano.htm
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