quarta-feira, 20 de abril de 2016

367 CUNHAS GOLPEARAM 54 MILHÕES DE VOTOS. Por Helena Sthephanowitz

A maioria da Câmara dinamitou as pontes da democracia representativa e deixou Brasília isolada do povo, num show de horrores que impressionou até a direita. O Senado terá ânimo para reconstruí-las?

Em 2004, a bancada de deputados do PP apadrinhou Paulo Roberto Costa para a diretoria da Petrobras. Em 2008, a bancada de deputados do PMDB mineiro uniu-se a Eduardo Cunha para apadrinhar Jorge Zelada para presidente da Petrobras. Deu no que deu.

No domingo (17), uma superbancada de 367 deputados lideradas por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) se juntou para apadrinhar Michel Temer ao cargo de presidente da República.

É disso que se tratou a votação na Câmara para encaminhar ao Senado o processo de impeachment, sem crime de responsabilidade, da presidenta Dilma. Pedaladas e manifestações golpistas de parte da população foram apenas pretextos para a bancada cunhista apadrinhar Michel Temer ao cargo ao qual jamais alguém poderia chegar sendo nomeado por uma bancada de deputados.

Para isso, dane-se o "estorvo" que é a soberania do voto popular e a democracia. Exatos 367 Cunhas simplesmente golpearam 54,5 milhões de votos populares sem motivo justificável algum.

E não adianta deputado que votou fazendo o jogo de Cunha ter feito discurso contra ele. Entraram para o lixo da história do mesmo jeito, como golpistas. E entraram pior do que os assumidos, pois o discurso soou falso, ao ser incoerente com o voto. Tentam enganar os eleitores duas vezes.

Outro pretexto usado para derrubar Dilma foi a crise política entre os poderes Executivo e Legislativo. Há governabilidade possível com uma Câmara de 367 Cunhas? Só haveria se o presidente da República também fosse um Cunha – o que está infinitamente longe de ser o caso.

E foi isso que assistimos no domingo: 367 deputados disseram ao Brasil nas entrelinhas "somos todos Cunha" para colocar na presidência da República "um dos nossos".

Verdade que o golpe avançou muito, mas ainda tem duas batalhas no Senado. Depende de quantos dos 81 senadores são "Cunhas". Se forem pelo menos 41, que decidirão sobre a admissibilidade do impeachment, Temer já assume interinamente o "governo dos Cunhas", e o golpe avança mais ainda. Se, mais tarde, o plenário do Senado tiver 54 "Cunhas" ou mais, o golpe se consumará definitivamente.

Ainda pode haver uma derradeira batalha no STF, julgando "pedalada" não ser crime de responsabilidade. Mas será que existem pelo menos seis dos ministros do STF capazes de decidir contra a hegemonia da república dos Cunhas em que Brasília se tornou?

A maioria da Câmara dinamitou as pontes da democracia representativa e deixou Brasília isolada do povo. O Senado terá ânimo para reconstruí-las?

Parece difícil.

O processo de golpe reacendeu forte resistência popular contra retrocessos nas conquistas e direitos. O suporte televisivo da Globo e afins cuidou de propagar o sentimento antipolítica no noticiário, para os profissionais do ramo como Eduardo Cunha reinarem no tapetão do Congresso, a ponto de nomear não mais apenas diretores da Petrobras, mas nomear o próprio presidente da República.

Só que erraram a mão ao exibirem a sessão comandada pelo réu Eduardo Cunha, risonho, presidindo uma sessão para derrubar uma presidenta sobre a qual não pesa nem sequer alguma suspeita de desonestidade. Foi repugnante e grotesco o comportamento de centenas de deputados envolvidos em corrupção comemorando o avanço do golpe como se tivessem ganho na mega-sena. Foi talvez a mais infame sessão da Câmara desde o golpe de 1964.

Salvo os fanáticos antipetistas, que são minoria na população, causou calafrios até nos manifestantes pró-golpe pensar no governo Temer que pode sair daquele Congresso de Cunhas. Milhões de telespectadores brasileiros, sobretudo os jovens, se ainda não perceberam, perceberão que ao repudiarem a política, quem toma conta são os Cunhas.

Forças populares, que já se mobilizam contra o golpe, não dispersarão. Pelo contrário, serão engrossadas a cada dia, por todos que se opõem aos Cunhas, e pela percepção de que perderão seus direitos se ficarem quietos e não expuserem em alto e bom som que não aceitarão um governo Temer.

Se o Senado consumar o golpe, praticamente toda a população será contra o governo ilegítimo e Temer ainda ficará com a marca do impeachment estampada em sua testa.

No atual quadro, a solução é Dilma lançar imediatamente um pacto com a nação para uma reforma política feita com ampla participação popular, culminando em novas eleições gerais, se assim o povo decidir, por um plebiscito.

É a mesma agenda que saiu das manifestações de junho de 2013, mas foram inviabilizadas pelo Congresso, que já era composto por centenas de Cunhas.

Haverá enfrentamento com este parlamento, hostil à qualquer proposta partindo de Dilma, mas é melhor lutar ao lado do povo pelas causas certas. Ainda que perca, vale aquela frase de Darcy Ribeiro: "... detestaria ficar no lugar de quem me venceu".

Só o povo pode salvar a si mesmo do governo ilegítimo dos Cunhas em Brasília. Agora só a mobilização e participação popular salva. Dilma pode acelerar o processo e dar fim aos vícios políticos atuais que levam à corrupção, de dar estabilidade política para governar, para recuperar o respeito internacional, e para o povo poder dizer que tanto o governo, como o Congresso lhe representa.

http://jornalggn.com.br/noticia/367-cunhas-golpearam-54-milhoes-de-votos-por-helena-sthephanowitz


Nenhum comentário: