A
maioria da Câmara dinamitou as pontes da democracia representativa e deixou
Brasília isolada do povo, num show de horrores que impressionou até a direita.
O Senado terá ânimo para reconstruí-las?
Em
2004, a bancada de deputados do PP apadrinhou Paulo Roberto Costa para a
diretoria da Petrobras. Em 2008, a bancada de deputados do PMDB mineiro uniu-se
a Eduardo Cunha para apadrinhar Jorge Zelada para presidente da Petrobras. Deu
no que deu.
No
domingo (17), uma superbancada de 367 deputados lideradas por Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) se juntou para apadrinhar Michel Temer ao cargo de presidente da
República.
É
disso que se tratou a votação na Câmara para encaminhar ao Senado o processo de
impeachment, sem crime de responsabilidade, da presidenta Dilma. Pedaladas e
manifestações golpistas de parte da população foram apenas pretextos para a
bancada cunhista apadrinhar Michel Temer ao cargo ao qual jamais alguém poderia
chegar sendo nomeado por uma bancada de deputados.
Para
isso, dane-se o "estorvo" que é a soberania do voto popular e a
democracia. Exatos 367 Cunhas simplesmente golpearam 54,5 milhões de votos populares
sem motivo justificável algum.
E
não adianta deputado que votou fazendo o jogo de Cunha ter feito discurso
contra ele. Entraram para o lixo da história do mesmo jeito, como golpistas. E
entraram pior do que os assumidos, pois o discurso soou falso, ao ser
incoerente com o voto. Tentam enganar os eleitores duas vezes.
Outro
pretexto usado para derrubar Dilma foi a crise política entre os poderes
Executivo e Legislativo. Há governabilidade possível com uma Câmara de 367
Cunhas? Só haveria se o presidente da República também fosse um Cunha – o que
está infinitamente longe de ser o caso.
E
foi isso que assistimos no domingo: 367 deputados disseram ao Brasil nas
entrelinhas "somos todos Cunha" para colocar na presidência da
República "um dos nossos".
Verdade
que o golpe avançou muito, mas ainda tem duas batalhas no Senado. Depende de
quantos dos 81 senadores são "Cunhas". Se forem pelo menos 41, que
decidirão sobre a admissibilidade do impeachment, Temer já assume interinamente
o "governo dos Cunhas", e o golpe avança mais ainda. Se, mais tarde,
o plenário do Senado tiver 54 "Cunhas" ou mais, o golpe se consumará
definitivamente.
Ainda
pode haver uma derradeira batalha no STF, julgando "pedalada" não ser
crime de responsabilidade. Mas será que existem pelo menos seis dos ministros
do STF capazes de decidir contra a hegemonia da república dos Cunhas em que
Brasília se tornou?
A
maioria da Câmara dinamitou as pontes da democracia representativa e deixou
Brasília isolada do povo. O Senado terá ânimo para reconstruí-las?
Parece
difícil.
O
processo de golpe reacendeu forte resistência popular contra retrocessos nas
conquistas e direitos. O suporte televisivo da Globo e afins cuidou de propagar
o sentimento antipolítica no noticiário, para os profissionais do ramo como
Eduardo Cunha reinarem no tapetão do Congresso, a ponto de nomear não mais
apenas diretores da Petrobras, mas nomear o próprio presidente da República.
Só
que erraram a mão ao exibirem a sessão comandada pelo réu Eduardo Cunha,
risonho, presidindo uma sessão para derrubar uma presidenta sobre a qual não
pesa nem sequer alguma suspeita de desonestidade. Foi repugnante e grotesco o
comportamento de centenas de deputados envolvidos em corrupção comemorando o
avanço do golpe como se tivessem ganho na mega-sena. Foi talvez a mais infame
sessão da Câmara desde o golpe de 1964.
Salvo
os fanáticos antipetistas, que são minoria na população, causou calafrios até
nos manifestantes pró-golpe pensar no governo Temer que pode sair daquele
Congresso de Cunhas. Milhões de telespectadores brasileiros, sobretudo os
jovens, se ainda não perceberam, perceberão que ao repudiarem a política, quem
toma conta são os Cunhas.
Forças
populares, que já se mobilizam contra o golpe, não dispersarão. Pelo contrário,
serão engrossadas a cada dia, por todos que se opõem aos Cunhas, e pela
percepção de que perderão seus direitos se ficarem quietos e não expuserem em
alto e bom som que não aceitarão um governo Temer.
Se
o Senado consumar o golpe, praticamente toda a população será contra o governo
ilegítimo e Temer ainda ficará com a marca do impeachment estampada em sua
testa.
No
atual quadro, a solução é Dilma lançar imediatamente um pacto com a nação para
uma reforma política feita com ampla participação popular, culminando em novas
eleições gerais, se assim o povo decidir, por um plebiscito.
É
a mesma agenda que saiu das manifestações de junho de 2013, mas foram
inviabilizadas pelo Congresso, que já era composto por centenas de Cunhas.
Haverá
enfrentamento com este parlamento, hostil à qualquer proposta partindo de
Dilma, mas é melhor lutar ao lado do povo pelas causas certas. Ainda que perca,
vale aquela frase de Darcy Ribeiro: "... detestaria ficar no lugar de quem
me venceu".
Só
o povo pode salvar a si mesmo do governo ilegítimo dos Cunhas em Brasília.
Agora só a mobilização e participação popular salva. Dilma pode acelerar o
processo e dar fim aos vícios políticos atuais que levam à corrupção, de dar
estabilidade política para governar, para recuperar o respeito internacional, e
para o povo poder dizer que tanto o governo, como o Congresso lhe representa.
http://jornalggn.com.br/noticia/367-cunhas-golpearam-54-milhoes-de-votos-por-helena-sthephanowitz
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