Cinco
dias depois de uma carta de advogados com críticas à operação “lava jato”, uma
discreta petição ajuizada no meio de uma das ações penais apontou que o famoso
caso conduzido pelo juiz federal Sergio Fernando Moro atropela fases processuais,
aplica o dolo de forma genérica, ofende o princípio do juiz natural e torna a
condenação dos réus algo “inevitável”.
Quem assina o documento não é nenhum advogado, mas um representante da
Defensoria Pública da União.
O
defensor público federal Gustavo de Oliveira Quandt representa Carlos Alberto
Pereira da Costa, acusado de “emprestar” a empresa GFD Investimentos para o
doleiro Alberto Youssef receber propina de empreiteiras que fraudavam contratos
da Petrobras. Apesar de ser advogado, Costa alegou não ter condições econômicas
suficientes para bancar honorários de defesa particular e custas processuais.
Ele
já foi condenado em três processos, somando 11 anos de prisão, mas as penas
foram substituídas por prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária
de 15 salários mínimos (R$ 11,8 mil). Ao recorrer de uma das sentenças, na
última quarta-feira (20/1), seu defensor considerou nulas medidas tomadas ao
longo do processo.
Entre
as razões de apelação, Quandt diz que o devido processo legal foi
“frontalmente” violado porque, em julho de 2014, Moro manteve audiência de
instrução no mesmo despacho que aceitou a denúncia do Ministério Público
Federal. Como a oitiva de uma testemunha de acusação já estava marcada para
dias depois, em outra ação em andamento, o juiz considerou que seria
interessante aproveitá-la no novo processo, para “imprimir celeridade no feito,
já que há acusados presos e para poupar a testemunha de ter que prestar
sucessivos depoimentos”.
O
defensor público, no entanto, reclama que o correto seria ter esperado o prazo
de dez dias da defesa prévia, pois “a contraposição à acusação é necessária
para o equilíbrio do processo, sob pena de se encontrar o acusado em situação
de inferioridade”. Segundo ele, inverter o rito ordinário, colocando a
instrução antes do fim da fase postulatória, não pode ser considerado “mera
irregularidade”.
“Em
que pese ser salutar a preocupação do juízo com a demora na tramitação do
processo, com o devido respeito, a violação do devido processo legal não parece
ser a saída mais adequada para a situação — talvez seja a mais rápida, mas
certamente não é a mais adequada”, afirma a petição.
“Eventual
existência de prisão cautelar de alguns dos acusados ou mesmo a tentativa de
aproveitar ato de outro processo não são fundamentos legítimos para se
atropelar a etapa inicial do processo. Da forma como está, com o atropelo de
fases fundamentais do processo, a condenação dos acusados já parece
inevitável.” Em 2015, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região identificou
inversão na ordem processual em processo contra a ex-deputada Aline Corrêa
(PP-SP).
Como
a “lava jato” foi repartida em mais de 30 ações penais, o defensor público
critica também o compartilhamento total de elementos de prova colhidos em
diferentes fases da operação. O problema, segundo ele, é que esses elementos
deveriam ter sido produzidos com o conhecimento do indiciado e de sua defesa.
Quandt
diz ainda que o Supremo Tribunal Federal é quem deveria ser reconhecido o juiz
natural do caso, devido à ligação entre todos os fatos e todas as pessoas
envolvidas. Embora já haja entendimento contrário no próprio STF, ele diz que
levantaria novamente a discussão “a fim de se buscar, ao menos, coerência na
determinação de competência no caso concreto”.
Outra
crítica é direcionada à condenação por lavagem de dinheiro. De acordo com o
defensor, faltou ao MPF apresentar prova demonstrando que o acusado sabia com
segurança da origem ilícita dos valores investidos.
“A
própria denúncia reconhece, em mais de uma passagem, que a GFD existia — isto
é, não era uma ‘empresa de fachada’ (...) o CP [Código Penal] exige que o
sujeito tenha conhecimento da ocorrência dos pressupostos do crime (...). A
simples violação de um suposto dever de informação não dá origem ao dolo, mas à
culpa. Dolo eventual ainda é dolo, e dolo é conhecimento e vontade. O que não
existe é um dolo genérico, uma vontade abstrata de ‘fazer o mal’ que preencha o
tipo subjetivo de todo e qualquer crime econômico”, alega.
Garantias
coletivas
Para
Quandt, o combate à corrupção não pode violar garantias. “Desrespeitado o
direito de defesa de um — independente de quem for — desrespeita-se o direito
de todos. Pensar que só os ‘cidadãos de bem’ têm esse direito é adotar o
‘discurso do inimigo’ (...) Todos os que são submetidos à persecução penal têm
o mesmo direito de ampla defesa, que deve ser assegurado, em nome dos
postulados do Estado Democrático de Direito.”
No
início de 2015, outra defensora pública havia considerado ilegais grampos das
investigações e questionado a competência de Moro, também em defesa de Carlos
Alberto.
Como
pensa o juiz
Moro
já havia rebatido as críticas na sentença condenatória. Negou prejuízo aos réus
por ter agendado oitiva de testemunhas de acusação já no despacho que abriu a
ação penal, pois considera a medida positiva para “acelerar a instrução a bem
dos acusados presos, que têm direito a um julgamento em prazo razoável”. Ainda
assim, afirma ter analisado as respostas preliminares antes da primeira
audiência.
Ele
também avalia ser natural manter todos os processos da “lava jato” na 13ª Vara
Federal de Curitiba, por “conexão e continência óbvia” das investigações
iniciadas quando o foco era um esquema de lavagem de dinheiro praticado em
Londrina (PR), sem qualquer previsão de chegar a fraudes na Petrobras. O juiz
diz que sua competência já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça e,
incidentemente, pelo Supremo Tribunal Federal.
Na
sentença, Moro considera ainda que Carlos Alberto “tinha ciência de que trabalhava
em escritório dedicado, acima de tudo, à lavagem de dinheiro, ainda que não
tivesse o controle e o conhecimento sobre todos os fatos”.
Processo:
5083401-18.2014.4.04.7000
Felipe
Luchete é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista
Consultor Jurídico, 23 de janeiro de 2016
http://www.conjur.com.br/2016-jan-23/alem-advogados-defensoria-lava-jato-atropela-direitos?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter
Nenhum comentário:
Postar um comentário