Uma
jovem advogada gaúcha – Letícia de Souza Furtado (29 anos de idade, OAB-RS nº
93.308) – ingressou na tarde de terça (1º) com denúncia de crime de
responsabilidade contra o governador José Ivo Sartori (PMDB). A petição foi
protocolada na Assembléia Legislativa e é dirigida ao presidente da Casa,
deputado Edson Brum. O parlamentar é obrigado constitucionalmente a dar curso
ao pedido, para posterior apreciação pelos parlamentares.
Já
num dos primeiros parágrafos, a requerente menciona que “em um de seus
primeiros atos de governo, reajustou o próprio subsídio; dias depois,
´abdicou´do aumento, privação que, entretanto, não foi levada a cabo, tendo em
vista que, na folha de pagamento do mês de junho, é possível constatar que
recebeu a remuneração integral e reajustada”.
Mais
adiante, Letícia – que se formou pela PUC-RS no 2º semestre de 2013 e
atualmente cursa especialização em Direito Público na mesma faculdade –
salienta que o aperto financeiro dos ínfimos R$ 600 de salário de agosto não
afeta pessoalmente Sartori. Este, como deputado estadual aposentado, recebe o
dinheiro de sua aposentadoria na integralidade.
O
texto também menciona que “ao suprimir esses valores dos servidores públicos –
sobretudo repassando-os em quantia inferior ao salário mínimo que vige – o
governador flagrantemente viola direitos sociais daqueles” (…) e “por reflexo,
viola os direitos sociais da população à segurança, saúde e educação, previstos
no art. 6º da Constituição (…) comportamento que dá azo a greves legítimas
promovidas pelos agentes desses setores, e, consequentemente, ficamos todos
carentes dos serviços essenciais mencionados”.
O
que preveem os artigos 75 e seguintes da lei que define os crimes de
responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.
Lei
federal nº 1.079/50
Art.
75. É permitido a todo cidadão denunciar o Governador perante a Assembléia
Legislativa, por crime de responsabilidade.
Art.
76. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser
acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade
de apresentá-los com a indicação do local em que possam ser encontrados. Nos
crimes de que houver prova testemunhal, conterão rol das testemunhas, em número
de cinco pelo menos.
Parágrafo
único. Não será recebida a denúncia depois que o Governador, por qualquer
motivo, houver deixado definitivamente o cargo.
Art.
77. Apresentada a denúncia e julgada objeto de deliberação, se a Assembléia
Legislativa por maioria absoluta, decretar a procedência da acusação, será o
Governador imediatamente suspenso de suas funções.
Art.
78. O Governador será julgado nos crimes de responsabilidade, pela forma que
determinar a Constituição do Estado e não poderá ser condenado, senão à perda
do cargo, com inabilitação até cinco anos, para o exercício de qualquer função
pública, sem prejuízo da ação da justiça comum.
Leia
a íntegra da petição.
EXCELENTÍSSIMO
SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RS.
Letícia
de Souza Furtado, brasileira, advogada, inscrita na OAB/RS sob o nº 93.308, vem
respeitosamente perante Vossa Excelência, com fulcro nos arts. 7º, item 9; 9º,
itens 4 e 7; 12, itens 2 e 4; 74 e 75 da Lei Federal nº 1.079/50, e arts. 53,
inciso IV, e 83 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, apresentar
DENÚNCIA DE CRIME DE RESPONSABILIDADE, em face do GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL, o senhor JOSÉ IVO SARTORI, pelas razões de fato e de direito que
expõe a seguir:
I
– DOS FATOS
José
Ivo Sartori, eleito para o cargo de Governador do Estado do Rio Grande do Sul,
iniciou seu mandato em 1º de janeiro de 2015. Desde então, vem alegando que as
verbas públicas são insuficientes para adimplir todas as obrigações financeiras
do Estado.
Em
um de seus primeiros atos de governo, reajustou o próprio subsídio ; dias
depois, “abdicou” do aumento , privação que, entretanto, não foi levada a cabo,
tendo em vista que, na folha de pagamento do mês de junho, é possível constatar
que recebeu a remuneração integral e reajustada .
Em
julho, determinou o pagamento parcial dos salários dos servidores do Poder
Executivo estadual , sendo então compelido, por ordem judicial, a pagar o
restante – vide Mandado de Segurança nº 70063956726, julgado pelo Pleno do
TJRS; o acórdão frisa o caráter alimentar da verba discutida e a concessão
definitiva da segurança.
Nesse
interstício, os servidores se uniram para promover greve legítima , e
aventou-se a possibilidade de intervenção federal em razão dos atos do
Governador.
Agora,
novamente, o Sr. Ivo Sartori, no exercício de seu cargo, no que tange à
competência de agosto, determinou pagamento parcial do salário dos servidores
públicos, com o depósito inicial de apenas R$ 600, valor abaixo do salário
mínimo vigente, com promessa de complementação no dia 25 de setembro.
A
medida, contudo, não afeta todas as classes de servidores. A alegada autonomia
financeira, orçamentária e administrativa de alguns órgãos estatais, em que
pese ao menos parte da verba recebida tenha a mesma origem, põe a salvo
servidores de outros poderes. Com isso, por exemplo, a aposentadoria do
Governador como Deputado Estadual é recebida na integralidade. Também alguns
servidores do Poder Executivo, sem que haja critério claro justificante, estão
recebendo sua remuneração na íntegra.
Tais
atos, conforme demonstraremos, constituem concurso de crimes de
responsabilidade.
II
– DO DIREITO
Os
fatos relatados no item anterior são notórios e vêm sendo amplamente divulgados.
Documentos como folhas de pagamentos ficam sob a guarda de órgãos estatais,
componentes da estrutura a que pertence, também esta casa Legislativa, razão
pela qual o denunciante se abstém de apresentá-los.
De
outra sorte, a denúncia envolve tema de interesse público, devendo ser
impulsionada mesmo que de ofício.
Por
meio de seus atos, o Governador e seus Secretários de Estado praticaram a
conduta prevista no art. 7º, item 9, da Lei 1.079/50. Isto porque o salário é
verba de caráter alimentar, definido como um direito social pelo art. 7º,
inciso IV, combinado com o art. 39, §3º, todos da Constituição Federal.
Ao
suprimir esses valores dos servidores públicos, sobretudo repassando-os em
quantia inferior ao salário mínimo que vige, o Governador flagrantemente viola
direitos sociais daqueles. Por reflexo, viola os direitos sociais da população
à segurança, saúde e educação, previstos no art. 6º da Constituição, tendo em
vista que o comportamento do Governo dá azo a greves legítimas promovidas pelos
agentes desses setores, e, consequentemente, ficamos todos carentes dos
serviços essenciais mencionados. Considerando, ainda, que algumas classes de
servidores receberam o pagamento integral de seus salários, evidencia-se
tratamento desigual, em afronta ao princípio da igualdade, disposto no caput do
art. 5º do mesmo texto constitucional.
Pelos
motivos recém expostos, os atos do Governador amoldam-se ao disposto no art.
9º, item 4 da Lei 1.079/50. Também se amoldam ao que prevê o item 7 , pois o
modo de proceder é incompatível com a honra, decoro e dignidade próprias do
cargo ocupado. Alega-se insuficiência de verbas desde o início do mandato;
isso, no entanto, não impediu que o chefe do executivo estadual reajustasse o
próprio subsídio. Foi dito que se abdicava do aumento; contudo, a folha de
pagamento de junho demonstra claramente que o Governador recebeu sua
remuneração reajustada e na íntegra.
Ainda
que impedido judicialmente de parcelar o salário dos servidores, por uma
questão de coerência e idoneidade, deveria suprimir o seu próprio, se a
preocupação com as contas do Estado é genuína e legítima. Inclusive porque, uma
vez que acumula aposentadoria lograda como Deputado Estadual – cargo
pertencente a Poder que não está sendo afetado pelo corte de gastos, sob o fundamento
de independência orçamentária –, por certo não passará pelos mesmos percalços
que impõe a outros servidores. Assim, o Governador “roga” pela compreensão
destes, mas não se cria o mesmo ônus. Não pode exigir sacrifícios desiguais às
pessoas – e que não exige a si –, uma vez que, conforme já foi dito, isso viola
o princípio da igualdade e o decoro e honra próprios de seu cargo. Impende
destacar que o crime de responsabilidade tem natureza político-administrativa.
O que está em questão aqui, portanto, é, também, a falta de ética nos atos
governamentais, o que se afere por verossimilhança.
Por
fim, praticou a conduta prevista no art. 12, itens 2 e 4, da Lei 1.079/50,
pois, apesar das reiteradas decisões judiciais que concluem pela
inconstitucionalidade do parcelamento – e disso dá-se outro exemplo: Mandado de
Segurança 70063866768, julgado pelo Pleno do TJRS –, repetiu o ato, incorrendo
em crime contra o cumprimento das decisões judiciárias.
Cumpre
salientar que jamais se demonstrou a incidência de qualquer hipótese de
exclusão do crime – como estrito cumprimento do dever legal, estado de
necessidade ou inexigibilidade de conduta diversa. Pelo contrário, está
evidente que o tratamento injusto e ilegal é deliberado, sendo aplicado de
forma arbitrária e seletiva.
III
– DOS PEDIDOS
Ante
o exposto, requer-se o recebimento da denúncia, para que seja processada a
julgada nos moldes do art. 75 e seguintes da Lei 1.079/50, combinado com o art.
83 e seguintes da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul.
Termos
em que pede e espera deferimento.
Porto
Alegre, 31 de agosto de 2015.
Letícia
de Souza Furtado, advogada (OAB-RS nº 93.308)
http://www.sul21.com.br/jornal/advogada-ingressa-com-crime-de-responsabilidade-contra-sartori/
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