Em
vez de proibir os transgênicos, o país caminha para banir dos rótulos de
alimentos informações sobre a presença desses ingredientes com potencial
ofensivo à saúde e ao ambiente.
Segundo
o Inca, o aumento do uso de agrotóxicos tem tudo a ver com a liberação de
sementes transgênicas
Por
Cida de Oliveira
Da
Página do MST
Quando
percebeu que as embalagens de amido de milho trazem um T preto dentro de um
triângulo amarelo – símbolo dos transgênicos usados no Brasil –, a professora
de tecelagem Célia Regina de Macedo, 63 anos, da capital paulista, não pensou
duas vezes. Substituiu o produto por polvilho, derivado da mandioca, em muitas
receitas, como de sequilhos. E segue experimentando novas opções. Tofu, um
queijo à base de soja, assim como o fubá, só se for orgânico. “Não sei direito
o que são esses transgênicos. Dizem que são plantas alteradas para resistir a
pragas. Mas se foram modificadas, será que têm os nutrientes de que preciso?
Minha certeza é que não quero consumir”, afirma a artesã, que há mais de 20
anos optou por alimentos livres de produtos químicos.Como ela, muitos
brasileiros desconfiam desses organismos geneticamente modificados (OGM) – nome
técnico dos transgênicos –, que no caso das plantas prometem maior
produtividade e resistência a pragas. E fogem deles sempre que podem. No
entanto, seu direito de escolha, assegurado pelo Código de Defesa do
Consumidor, está ameaçado pelo Projeto de Lei 4.148/2008, do deputado federal
Luis Carlos Heinze (PP-RS). Ex-prefeito de São Borja e produtor de arroz no
estado, Heinze ficou mais famoso em 2013, durante audiência pública sobre a
demarcação de terras indígenas, ao recomendar aos agricultores a contratação de
milícias para se defender de índios. Ele também se referiu a índios,
quilombolas e homossexuais como “tudo que não presta”.
O
PL, que altera o artigo 40 da Lei de Biossegurança (11.105/2005), desobriga a
indústria de alimentos a informar, na embalagem, a presença de componentes
transgênicos quando for inferior a 1% na composição total do produto.
Impopular, a proposta entrou e saiu da pauta várias vezes desde sua
apresentação. Mas, como outras igualmente conservadoras, foi logo colocada na
pauta pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Para
surpresa de ativistas, foi aprovada em 28 de abril – até deputados com
histórico de defesa do consumidor, como Celso Russomano (PRB-SP) e o
ambientalista Ricardo Trípoli (PSDB-SP), se disseram surpreendidos pela
votação-relâmpago, embora tenham apertado o “sim” para modificação da lei de
biossegurança e para o direito dos fabricantes de excluir o T das embalagens.
Violação
“É
uma violação do direito do consumidor porque é praticamente impossível
quantificar traços de transgenia em produtos processados, como margarinas e
papinhas de nenê”, afirma a pesquisadora do Instituto de Defesa do Consumidor
(Idec) Renata Amaral. “E sem essa informação, não há como exercer o direito de
escolha e vai se consumir transgênicos mesmo que não se queira.”
A
legislação em vigor obriga a exibição do T em rótulos de produtos com OGM em
quantidade proporcional a mais de 1% da composição total, além da menção da
espécie doadora do gene na lista de ingredientes. Em vez de ser aprimorada, com
alertas seja qual for a quantidade – afinal, faltam estudos sobre dosagens
seguras à saúde –, a lei pode ser afrouxada e muitos fabricantes, inibidos por
causa da rotulagem, serão encorajados a incluir os transgênicos em seus
produtos. Por isso, o Idec elaborou uma carta, assinada por 70 organizações
ambientalistas, de saúde, direitos humanos, agricultura orgânica e educação
alertando para os impactos à saúde humana, animal e ambiental associados aos
transgênicos.
O
PL está na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, com relatoria de Vanessa
Grazziotin (PCdoB-AM), que já se manifestou contra o projeto. A rejeição é
grande, como mostra o Portal e-Cidadania, do site do Senado, no qual a
população pode opinar sobre as matérias que ali tramitam. Enquanto a reportagem
era concluída, havia mais de 13 mil manifestações, das quais apenas 5% eram
favoráveis.
Apesar do atropelo na Câmara, os ativistas
estão esperançosos. Não há regime de urgência e os senadores, em número menor
que o de deputados, poderão ser pressionados um a um – o que não dispensa a
mobilização social. “Tudo pode acontecer, mas o fato é que a derrubada da
rotulagem pela Câmara provocou uma repercussão muito negativa e mesmo muita
gente que não acompanhava esse debate ficou indignada com a medida. Resta ver
até que ponto os senadores guardam alguma preocupação com a opinião pública ou
se seguem a pauta dos financiadores das campanhas, que parece ser o caso da
maioria da Câmara”, diz o agrônomo Gabriel Fernandes, assessor técnico da
AS-PTA, associação não governamental sem fins lucrativos especializada em
estudos e ações que atua para o fortalecimento da agricultura familiar e da
agroecologia no Brasil.
Tanta
desconfiança não é à toa. Cerca de 77% dos transgênicos cultivados atualmente
têm como característica a resistência a herbicidas – venenos que matam o mato
que cresce na lavoura. O agricultor, que antes precisava usar o agrotóxico com
cuidado para não danificar a própria lavoura, acaba pulverizando o produto à
vontade porque morrerão todas as plantas, menos as transgênicas. E cerca de
outros 15% dos transgênicos reúnem os chamados cultivos Bt, nos quais foram
inseridos genes de uma bactéria chamada Bacillus thuringiensis. Elas produzem
toxinas que matam insetos – são plantas inseticidas. Assim, a lagarta do
cartucho, nociva a lavouras de milho, morre quando se alimenta de qualquer
parte dessa planta geneticamente modificada.
Em
resumo, são plantas transformadas para resistir a banhos de veneno – que nelas
permanece –, ou para matar pragas que se alimentam das lavouras. Quando isso
não acontece, o veneno fica na planta. E a palha queimada contamina o solo.
“Nesse processo, houve pragas que se tornaram resistentes, exigindo mais
agrotóxico”, explica o engenheiro agrônomo e ex-integrante da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio) Leonardo Melgarejo.
Distúrbios
Em
abril, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde,
se posicionou publicamente contra as atuais práticas de uso de agrotóxicos no
país por causar diversos tipos de câncer. A venda desses venenos para matar
insetos ou plantas saltou de US$ 2 bilhões em 2001 para US$ 8,5 bilhões em
2011. Em 2009, o Brasil tornou-se maior consumidor mundial de agrotóxicos, com
1 milhão de toneladas, um consumo per capita de 5,2 quilos. O aumento, segundo
o Inca, tem tudo a ver com a liberação de sementes transgênicas. De 2005 para
cá, foram autorizadas 21 variedades de milho, cinco de soja, 12 de algodão e
uma de feijão – ainda não cultivada. Uma das variedades de soja (RR) ocupa 21
milhões de hectares. A área total cultivada com sementes transgênicas está na
faixa dos 45 milhões a 50 milhões de hectares.
Segundo
Melgarejo, há outros transgênicos na pauta de liberações do órgão. E novas
variedades de soja, milho e algodão estão sendo pesquisadas. Todas produzem
toxinas contra lagartas e agregam genes tolerantes a herbicidas. E há estudos
com cítricos, cana, sorgo, alface, moscas. “Duvido que entre eles haja
características de interesse da população. O que há são facilidades para os
produtores em troca de compra casada de tecnologias. A Monsanto quer vender os
seus herbicidas, a Bayer os dela. E cada uma oferece sementes transgênicas que
estimulam o uso desses venenos”, diz. “Já as moscas substituiriam inseticidas
vendidos pelas empresas concorrentes; e a alface, só com ácido fólico, pretende
substituir uma alimentação variada.”
O
portfólio de sementes promete plantas resistentes a seca, salinidade e doenças,
entre outras. Porém, são promessas feitas há 20 anos. “O que se vê até agora
são plantas resistentes a herbicidas e que carregam seus próprios inseticidas.
Tudo isso vem para a mesa. Os transgênicos reforçam a ideia do filme O Veneno
está na Mesa, de Silvio Tendler”, afirma Melgarejo.
“Estudos
relacionam os transgênicos a danos ao fígado e aos rins, a distúrbios hormonais
e ao surgimento de tumores em animais que foram alimentados com milho
transgênico. Há indícios de que seu consumo cause alergias alimentares,
provavelmente pelas alterações nutricionais com a transferência de genes
resistentes a antibióticos. “Fora a relação com a obesidade devido à possível
desregulação do tecido gorduroso por proteínas inseticidas presentes no milho
transgênico”, diz a professora Suzi Barletto Cavalli, do Departamento de
Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e integrante da
CTNBio.
Ela
defende estudos também sobre a composição nutricional dos transgênicos para
verificar se houve alterações na composição nutricional ou se a manipulação
genética interferiu na maneira como o nutriente é absorvido e aproveitado pelo
organismo, passando então a oferecer risco à saúde humana. “Por isso, é
importante a avaliação de risco, com estudos toxicológicos de longo prazo sobre
os efeitos do consumo desses alimentos à saúde.”
Para
a professora, enquanto houver incertezas científicas em relação aos riscos dos
transgênicos, deve ser adotado o Princípio da Precaução – a garantia contra os
riscos potenciais. “É essencial sua identificação em rótulos de alimentos,
principalmente considerando que a maioria dos produtos industrializados contém
pelo menos um ingrediente derivado de milho ou soja. É importante que o rótulo
da embalagem do alimento contenha, além do símbolo T, uma expressão para
informar origem e composição transgênica do alimento”, explica. Tal expressão, segundo
ela, deve trazer o nome do produto seguido do termo “transgênico”. Além disso,
também deve conter o nome da espécie doadora de genes no local reservado para a
identificação dos ingredientes.
A
discussão sobre a rotulagem em si é outra face do atraso do país nesse campo.
Lavouras transgênicas estão sendo limitadas na Alemanha e na França, enquanto
Irlanda, Áustria, Hungria, Grécia, Bulgária e Luxemburgo as proíbem –
tornando-se entrave para as exportações brasileiras por causa da associação com
agrotóxicos vetados em muitos países – por aqui ainda se debate o direito a
informações sobre essas culturas.
Embora
seja muito difícil comprar um alimento livre de transgênicos em sua formulação,
a informação na embalagem é fundamental. “É crescente a população que busca
hábitos mais saudáveis, naturais. Um mercado que não pode ser desprezado.
Assim, esses produtos têm de estar disponíveis a todos”, diz o preparador
corporal paulistano Vinicius Della Líbera, 31 anos, que também se dedica a
escrever sobre longevidade em seu blog longevidade.voadora.com, no qual ensina,
por exemplo, a fazer pão com fermento caseiro, produzido com as bactérias
presentes na própria farinha. “Uma alimentação orgânica, que ajuda a limpar o
organismo, é um dos caminhos para se viver mais. O corpo sofre para digerir
aquele alimento alterado para resistir a um banho de veneno. Não pode haver
esse descaso com o consumidor.”
Educação
A
professora Marijane Vieira Lisboa, do Departamento de Sociologia da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) de São Paulo, destaca outro aspecto diluído na
discussão: a incompreensão da maioria da população brasileira acerca das
informações presentes nos rótulos e o próprio significado dos transgênicos por
trás da letra T. Para ela, por se tratar de uma questão tão importante quanto
complexa, os ministérios da Saúde, da Educação e da Justiça deveriam envolver
as secretarias estaduais de Saúde, com suas agências de vigilância, na criação
de um projeto educativo. “Os ativistas de organizações não-governamentais não
têm condições de realizar esse trabalho. E os professores das escolas regulares
não têm formação específica para isso”, afirma Marijane.
Na
sua avaliação, a aprovação do PL na Câmara não deixa de ser “um tiro no pé” ao
trazer à tona proposta tão escandalosa, ensejando o debate. Ela própria tem
sido convidada para entrevistas, palestras e oficinas em diversas regiões do
país para falar justamente sobre a rotulagem de alimentos com ingredientes
transgênicos. “É preciso também um trabalho estruturado para enfrentar o
assédio dos fabricantes de venenos e sementes geneticamente modificadas. Já
descobrimos trabalhos de educação ambiental com kits distribuídos em escolas,
patrocinados pela Monsanto, com o objetivo de mascarar os perigos. Depois de
toda a discussão e suposta defesa da saúde e meio ambiente, o material dizia,
lá no final, que os transgênicos são a melhor alternativa porque permitem a
diminuição do uso de agrotóxicos, quando na verdade leva ao aumento de seu uso,
em doses cada vez maiores, de suas versões cada vez mais fortes”, conta. “Além
disso, a população tem de se manifestar.”
Tal
retrocesso, porém, não combina com políticas brasileiras exitosas. É o caso do
combate ao tabagismo, reconhecido internacionalmente, que inclui embalagens
nada atrativas. “Assim, não se pode esperar a consumação dos perigos da dupla
transgênicos e agrotóxicos à saúde de todos para só então tornar os rótulos
mais informativos”, observa André Dallagnol, assessor da organização Terra de
Direitos.
http://www.mst.org.br/2015/07/13/ativistas-denunciam-omissao-venenosa-nos-transgenicos.html
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